O auto-cuidado é, provavelmente, um dos conceitos mais utilizados para quem fala de saúde mental. Como em tudo o que é excessivo e repetido várias vezes, surgem generalizações e más utilizações dos conceitos e definições psicológicas, correndo o risco de esvaziar a mensagem, tão fundamental, de facto, à saúde mental.

Penso que uma das questões a identificar primeiro é a de quem é que está a falar sobre auto-cuidado. Muitas das vezes, não são profissionais de saúde mental, nem de saúde tão pouco. São pessoas, outros profissionais, numa qualquer rede social, que não trabalham de forma prática e pessoal o auto-cuidado do outro no outro, onde, muitas das vezes, é confundindo o auto-cuidado com comportamentos egoístas, de promoção de isolamento social e, mesmo, de manutenção do stress e da ansiedade de forma indirecta. Por muito boa vontade que exista nessa comunicação, nem sempre é a melhor, clara e até científica. A saúde mental não é um tema de todos, mas deve ser uma preocupação de todos!

Falar de auto-cuidado exige responsabilidade. E exige, antes de mais, que deixemos de o tratar como um direito – e até um dever… - a fazer tudo o que nos apetece. O verdadeiro auto-cuidado raramente é aquilo que mais nos apetece fazer, pelo menos quando nos focamos nele. É, quase sempre, o que precisamos de fazer, a necessidade que temos, mesmo quando dá trabalho e quando custa física e psicologicamente, mesmo quando nos desafia e não é o que nos apetece no momento.

Se pensarmos no nosso dia-a-dia, este auto-cuidado representa a nossa acção diária, a cada momento, visível e não visível, de respeito e preocupação para connosco, potenciando o meu bem-estar agora e amanhã. Significa conseguir ouvir o nosso eu emocional e dar-lhe significado, de forma a atribuir ao que sentimos a sua necessidade de ser acolhido. Isto pode ser feito de várias formas.

- Podemos cuidar-nos nas nossas rotinas. Podemos planear a nossa melhor alimentação, dar a importância devida ao sono, fazer exercício adequado ou mesmo na adaptação da postura com que andamos e repousamos.

- Podemos cuidar-nos nas nossas actividades mentais e psicológicas. Podemos criar pausas nas nossas actividades, diminuir os estímulos ao nosso redor, ler e desligar as notificações.

- Podemos cuidar da nossa regulação emocional. Validar o que sentimos, criar rotinas de introspecção como escrever e conversar sobre o que sentimos e perceber quando pedir apoio.

- Podemos cuidar de nós nutrindo as nossas relações interpessoais. Promover a nossa rede de apoio, ter momentos sociais saudáveis, saber dizer “não” e saber quando dizer “sim”.

Estes são apenas alguns exemplos nestas dimensões. Muitos haverá e serão sempre diferentes em cada um de nós pois dependem do que cada um necessita a cada momento.

O auto-cuidado não anula o desconforto e sofrimento que surge, mas ajuda-nos a lidar com ele de forma mais saudável e duradoura. Ajuda-nos a criar as ferramentas que precisamos para tomar as melhores decisões na nossa vida, para o nosso bem-estar. Por isso é que o auto-cuidado não pode ser um acto egoísta. Ele está ligado ao bem-estar e não a directivas onde os outros não interessam e passamos a ser o centro do mundo. Só conseguimos estar bem com os outros quando o estamos connosco. Cuidar de nós é permitir estar em harmonia comigo, no meu dia-a-dia, e com os outros e com o mundo.

Trabalhar o nosso auto-cuidado não é fácil. Não basta fazer coisas que gostamos. Quantas das coisas que gostamos são más para nós? Se nos fazem mal, por muito que gostemos delas, não são verdadeiras formas de nos cuidarmos.

Auto-cuidado, por vezes, é ficar em silêncio quando todos querem falar. Outras vezes é sair de casa quando só queríamos esconder-nos. Noutras vezes, é sentarmo-nos connosco mesmos e pensar em coisas difíceis. O verdadeiro auto-cuidado raramente se publica nas redes.

Cuidar de nós próprios pode ser desconfortável. Mas é sempre um acto de amor. Um acto de respeito. Por nós próprios. Um amor maduro, responsável e comprometido. Comigo. Consigo. Connosco.