No virar do ano, troquei um subúrbio saturado de Lisboa por uma vila alentejana perto da fronteira com Espanha. Uma quantidade de factores contribuiu para a minha mudança, entre os quais se contam poder ficar em teletrabalho, pagar uma renda muito mais baixa por uma casa muito maior, viver longe do stress da cidade, e lançar raízes numa geografia mais amiga de quem quer começar um projecto de vida.
Depois do início da pandemia, em Março do ano passado, deixei um pequeno escritório que arrendava no centro da capital e passei a trabalhar a partir de casa. Dar aulas particulares, agora completamente à distância, permite-me só precisar dos livros, computador e ligação à Internet para continuar a minha actividade profissional. Foi uma mudança radical, apesar de já o fazer parcialmente. Deixou de existir a rotina que se caracterizava por três horas diárias em dois transportes públicos e uma inevitável viagem de carro, dada a possibilidade de me arrastar da cama para a secretária em trinta segundos (o que nem sempre é estimulante ou divertido, mas, convenhamos, é mais fácil do que atravessar o Tejo).
Ao mesmo tempo, o meu namorado pensava no sítio onde gostaria de fazer o seu internato médico de especialidade. Ambos concordávamos que Lisboa deixara de ser uma opção: uma cidade cara, sem evolução nos transportes a acompanhar o crescimento populacional e das periferias, os serviços saturados, muita poluição, barulho e desgaste e, em geral, pouca qualidade de vida, ainda por cima em contexto pandémico. Decidimos que, apesar de deixarmos de viver perto das nossas famílias, teríamos de começar a nossa vida em comum bem longe.
Mesmo assim, não queremos embelezar a "vida no campo" como esse cenário idílico que muitos retratam. O que chamam de slow living não é isento de falhas. O hospital mais próximo fica a quase uma hora de distância, não há oferta cultural, nem uma sala de cinema, nem restaurantes de comida mais exótica do que hambúrgueres e cachorros quentes, nem muito do comércio a que estávamos habituados - tudo "luxos" urbanos. No que toca às relações, estamos longe das nossas famílias, mas também dos nossos amigos e das nossas redes de apoio, contactos pessoais e profissionais. Por não estarmos perto de nenhuma cidade, o acesso a formação especializada e académica é escasso, pelo que tivemos de escolher abandonar esses planos ou arranjar outras soluções (no meu caso, escolher a Universidade Aberta para fazer um mestrado).
Ainda é demasiado cedo para nos ressentirmos de qualquer mudança, porque o entusiasmo por todas estas novidades é muito, mas sabemos que chegará o dia em que talvez sintamos falta de certas comodidades. Até porque temos muitas outras, em contrapartida. Apenas sentimos que, se quisermos ir a outras partes do país, nomeadamente quando quisermos visitar a família e amigos em Lisboa e arredores, o preço das portagens é dissuasor e a oferta de transportes públicos insuficiente. De resto, vamos a pé para todo o lado e só pegamos no carro uma vez por semana para ir ao supermercado. Vivemos a cinco minutos do mercado municipal, a três minutos dos correios e da padaria. Tivemos orçamento para arrendar uma casa no centro da vila, e com dois quartos extra para fazer um escritório e um ginásio. Apesar de vivermos num avenida movimentada e entre duas esplanadas, nunca nos lembramos disso. É um descanso viver numa zona assim, com valor acrescentado por termos sido tão bem acolhidos pelos vizinhos.
Os últimos censos da Pordata, de 2019, apontam que 52% da população em Portugal reside no litoral, 75% em vilas ou cidades e 45% do total nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. No entanto, nos últimos anos, cada vez mais ouvimos falar de famílias que acabam por sair dos grandes centros. As histórias multiplicam-se. Os indícios de um "êxodo urbano" deixam-me curiosa acerca das tendências e estatísticas que teremos no futuro. Será que os números irão sofrer alterações significativas? Será que as áreas com menor densidade populacional interessarão a mais pessoas? Será que o contexto de trabalho remoto que grande parte da população está agora a conhecer pela primeira vez trará também novas possibilidades quanto à sua distribuição pelo território?
Viver fora da cidade tem muitos benefícios, disso vos asseguro – e olhem que eu já vivi numa cidade com 10 milhões de habitantes! Até agora, penso que dificilmente me arrependerei desta decisão. Claro que, de vez em quando, sinto saudades de poder ir a um restaurante com comida doutras paragens, visitar uma livraria e assistir a um concerto ou peça de teatro por impulso. Sinto que deixei de estar tão presente para as pessoas que amo. Sinto que talvez esteja a perder qualquer coisa que ainda não sei o que é, não estando em Lisboa. Sinto muita coisa, penso eu, mas sinto acima de tudo que, por agora, viver fora da cidade é o que faz mais sentido.
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