Estes indultos, parciais e condicionados, são uma transcendental decisão política que recoloca no campo político o que nunca deveria ter sido atirado para o da justiça.
Estes indultos significam a intenção de propiciar o reencontro entre as sociedades da Catalunha e do resto de Espanha que estão vai para quatro anos de costas voltadas, com grande hostilidade.
Estes indultos são, independentemente do interesse — plausível — do governo das esquerdas em Madrid de garantir a maioria parlamentar suficiente para manter a estabilidade no apoio ao governo, a procura de um caminho intermédio entre dois campos em insustentável conflito.
Nada garante que as coisas vão correr bem. Sobre a mesa de diálogo que vai ser instalada para negociação entre os governos de Espanha e da Catalunha vão aparecer propostas fora dos limites do possível. O partido da Esquerda Republicana da Catalunha, que preside ao governo catalão, vai defender soluções sensatas que permitam progredir para soluções que caibam no interesse comum. Mas o aliado na coligação governamental, Junts per Catalunya, vai manter a postura de exigência de amnistia para todos os independentistas catalães (para dar cobertura a Puigdemont e aos outros quatro que escaparam para a Bélgica, Escócia e Suíça) e, também, referendo sobre a autodeterminação.
Pelo governo de Espanha, Sánchez, num corajoso discurso no Teatro do Liceu, na Rambla de Barcelona, assumiu uma base para a negociação: "abrir o caminho a um novo projeto de país". É uma afirmação que mexeu com as tripas do espanholismo mais intransigente. Mas Sánchez logo esclareceu que essa renovação assenta na "união de todos os povos de Espanha", assumindo a "diversidade territorial" como parte da força desse "projeto comum". Acrescentou que "a democracia está aberta a múltiplos projetos". Deixou claro que "sempre nos limites da Constituição". Avança para a refundação da democracia espanhola com base no espírito da Constituição de 1978.
Sánchez nunca falou de federação ou união dos vários países que integram o Reino de Espanha. Mas é um cenário que poderá estar na cabeça dele. Talvez seja a solução para o futuro – como os EUA ou a Alemanha.
O presidente do governo de Espanha foi a Barcelona com a intenção de abrir um diálogo civilizado. No discurso no palco do Teatro do Liceo, as palavras que mais repetiu foram convivência, reencontro e concórdia. Também falou de reconciliação, renovação, compromisso, respeito e afeto.
É um facto que há muitos argumentos políticos, jurídicos e éticos para discordar dos indultos agora concedidos. Há quem os conteste com base em mentiras e indignidades. Há quem os condene porque os indultados não mostram arrependimento. Mas os indultos são constitucionais e a lei não reclama arrependimento.
Estes condenados agora indultados não cometeram algum crime físico sobre alguém. Não praticaram ou promoveram violência. Não roubaram. Foram condenados por desobediência, considerada criminosa, ao Estado espanhol, que os proibiu de ativarem um referendo sobre a independência da Catalunha.
Os nove indultados saem das três cadeias onde estão presos há três anos, recuperam a liberdade, mas condicionada a que não haja qualquer nova prática considera delinquente num período fixado para cada um (entre os três e os seis anos).
Assim, a pena de prisão por cumprir é perdoada, mas voltam imediatamente à cadeia em caso de reincidência. As penas de exclusão de funções políticas são mantidas, motivo pelo qual não podem, durante o período de tempo da condenação, assumir funções governamentais, concorrer a eleições ou trabalhar numa empresa pública.
Os indultos a estas nove pessoas vão permitir a desejada reconciliação? Não se sabe. Mas sem eles não haveria possibilidade para tentar e essa ousadia é o que se espera de um líder político. Se não tivesse sido possível negociar com a ETA (que não tem absolutamente nada a ver com a questão catalã) não teria sido possível acabar com aquele cruel e execrável terrorismo.
A confederação empresarial de Espanha, as centrais sindicais e os bispos espanhóis já se pronunciaram a favor dos indultos como procura do regresso da normalidade.
É facto que este apoio do patrão dos patrões lhe tem valido duras críticas de forças políticas à direita, designadamente o PP.
Estes indultos são uma tentativa de tratar o fundo contencioso da Catalunha. Sánchez já pôs as cartas dele sobre a mesa e vai explicá-las numa certamente muito tensa sessão no Parlamento de Espanha em 30 de junho. O chefe do governo catalão, Pere Aragonès, já respondeu que é um passo positivo mas ainda incompleto. As pressões independentistas por amnistia e autodeterminação vão ser muito fortes, mas o agora indultado Oriol Junqueras, muito político e bom estratego, depois de já ter escrito que está contra a repetição de posturas unilaterais, vai querer dar tempo ao tempo, pelo menos dois anos, para que a negociação permita resultados.
O rei Filipe VI já está a repetir visitas à Catalunha. É um indicador de vontades de trégua na tensão e caminho para a normalização.
Por agora, a política está a retomar o tratamento do que é político. É o começo do caminho com intenção de defender a convivência. Não há garantia de que corra bem, mas o melhor é que sejam valentes e que tentem.
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