A vitória de Marcelo não é uma revanche de Direita em relação à forma como o PS chegou ao Governo, porque Marcelo não quis, porque foi candidato da Direita apesar de Passos Coelho. O líder do PSD preferia outro nome, Rui Rio à cabeça, mas foi obrigado a apoiar o professor/comentador. Por isso, e por Marcelo ser mesmo um espírito livre, a vitória foi dele, e não dos partidos. O anti-Cavaco, o novo Presidente, fez tudo para ser o candidato de todos os portugueses, prometeu estabilidade política e a defesa da manutenção do Governo de António Costa. Até anunciou a desdramatização da vida política. Mas também a necessidade de garantir a sustentabilidade das contas públicas e da recuperação da economia. Por isso, e porque Costa fugiu destas eleições, parece que o primeiro-ministro e líder do PS é quase um dos vencedores da noite. Não é, é um dos derrotados, por causa do que aconteceu antes, e por causa do que pode acontecer depois.
Em primeiro lugar, António Costa ‘inventou’ Nóvoa e criou as condições para que o antigo reitor da Universidade de Lisboa aparecesse como candidato presidencial. Quase tinha o apoio do PS, não fosse a desconfiança que, entretanto, gerou em Costa e o facto de o líder do PS ter outras prioridades, nomeadamente a mais importante de todas, chegar a primeiro-ministro. A iniciativa de Maria de Belém fez o resto.
Ainda assim, Costa fez um apelo direto ao voto em Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém. A posição oficiosa era clara, o voto deveria ser em Nóvoa, mas a direção dos socialistas tinha de conceder, e por isso surgiu a ideia de ‘primárias de Esquerda’. Ora, no conjunto, os dois apoiados pelo PS tiveram cerca de 26% dos votos, contra 52% de Marcelo, e caíram à primeira volta. É mesmo uma vitória?
Além disso, António Costa é também acusado pelos partidos à Esquerda, o BE e o PCP, de ter contribuído para a vitória de Marcelo à primeira volta. E com resultados bem diferentes: Marisa Matias superou as expetativas e consolidou a força do Bloco, Edgar Silva afundou-se e pressiona o PCP a refletir sobre o seu futuro, desde logo no quadro do acordo conjunto que suporta o Governo. A coligação de Esquerda está hoje mais frágil do que estava na sexta-feira.
Depois, se é verdade que Marcelo defendeu a estabilidade – em campanha eleitoral, diga-se -, também não é menos verdade que o Governo vai ter um exercício orçamental difícil, para não dizer outra coisa. O esboço de orçamento, pouco prudente, segundo o Conselho de Finanças Públicas, tem objetivos que parecem impossíveis de compatibilizar, a execução vai ser difícil, senão mesmo impossível. Veremos se Marcelo, nessa altura, continuará a ser tão favorável à união e aos consensos.
António Costa sabe isso melhor do que ninguém, apesar da amizade pessoal. Por isso, numa iniciativa que revela a sua habilidade política, falou na qualidade de primeiro-ministro e não como líder do PS. Anunciou a disponibilidade para a cooperação institucional e a máxima lealdade institucional. Mas a porta-voz do PS, Ana Catarina Mendes, disse o resto: o Governo espera que Marcelo cumpra o que prometeu em relação à estabilidade política no país.
António Costa também perdeu, menos do que outros – uma derrota suavizada pela estratégia eleitoral do novo Presidente, que tudo fez para alargar influência para além do seu espaço político natural. O número absoluto de votos – cerca de 2,4 milhões – ganhos por Marcelo é claramente inferior ao de Cavaco, por exemplo, e idêntico ao da coligação em 2011, o que nos indica que não terá alargado assim tanto, mas foi suficiente para vencer à primeira. E para ter o papel que quiser ter nos próximos cinco anos a partir de Belém.
AS ESCOLHAS
E porque estamos em dia de ressaca eleitoral, pode ver aqui, em 24.sapo.pt, duas abordagens diferentes às presidenciais. Por um lado, as fotografias da noite eleitoral que, na verdade, acabou cedo e sem surpresas. Depois, um perfil do novo Presidente indigitado feito pela Rádio Renascença. Resumir o currículo de Marcelo ao comentário político televisivo, qual espetáculo de reality show, não é justo com o próprio e empobrece as presidenciais. Marcelo é, e foi, muito mais do que isso, foi aluno brilhante, professor catedrático em Direito e também político em exercício, quando assumiu a liderança do PSD.
Boas leituras e até para a semana.
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