Conheci a Mônica Benício no dia de abertura do Festival Iminente.
O Alexandre Farto, aka Vhils, estando no Brasil a gravar rostos de pessoas desalojadas à força naquele país, conheceu a história de Marielle Franco, assassinada no dia 14 de Março de 2018 nas ruas do Rio de Janeiro. Junto com ela foi assassinado também o seu motorista, Anderson Gomes. Quem os matou, continua impune.
Vhils quis assim juntar-se à Amnistia Internacional e ao projeto “Arte por Amnistia”. Com a sua mestria, gravou o rosto de Marielle numa parede, em Portugal, para que não se apague mais a memória do que ela é e representa, numa obra belíssima que é um grito tão cheio de paz e tão silencioso quanto forte.
A Mônica veio a Portugal conhecer este trabalho e apelar ao mundo que não se esqueça de Marielle e da sua vida de trabalho e dedicação aos direitos humanos. A morte trágica de Marielle deixou-a, e à restante família, desamparada.
Vi na Mônica uma mulher-coragem.
De um sorriso aberto e sincero, de um olhar profundo e atencioso.
Antes de tudo acontecer era arquitecta no Rio de Janeiro. Trabalhava muito, mas um dia foi necessário largar o trabalho e dedicar-se com a Marielle a uma campanha para fazer chegar a voz da favela e a voz das mulheres negras ao Rio de Janeiro. A Mônica trabalhou a tempo inteiro para a campanha de Marielle e juntas percorreram ruas estreitas, fizeram encontros com pessoas em todos os largos e calçadões, sonharam juntas uma cidade que podia ser boa para toda a gente!
Marielle Franco nasceu no complexo da Maré, uma favela no Rio de Janeiro e era assim que se apresentava, como “cria da Maré”.
Alcançou muito, como mulher, como defensora de direitos humanos para todas as pessoas. A Marielle seria tão rara quanto o foi Nelson Mandela. Não tomava lados, de um contra outro quando isso não acrescentava nada. Acreditava que os direitos humanos eram mesmo para todas as pessoas e tinha a porta do gabinete aberta para todas as mães das vítimas da violência, fossem elas mães de polícias mortos, fossem elas mães de jovens mortos, perdidos para esta guerra de rua que sem dó nem piedade assalta o Brasil há muitos anos.
A Marielle foi eleita e depois disso a vida da Mônica sossegou um pouco. Teve tempo para parar, usufruir. Cuidar dos gestos simples e maravilhosos do quotidiano.
Mas a tranquilidade traz a criatividade e a Mônica depressa acedeu ao apelo contínuo que vinha de casa, da sua Marielle. “Vai continuar os estudos, eu seguro as pontas!” E a Mônica foi crescer mais, fazendo um mestrado, em arquitectura claro está. Estudar, partilhar os dias e a quotidiana luta por direitos humanos era o tom da vida cheia de desafios desde então.
A 14 de março veio, no entanto, um desafio insuperável e insuportável para a Mônica. A covardia de 4 tiros que mataram a Marielle para a silenciar. Conseguiram roubá-la da Mônica e dos seus pais, mas não conseguiram silenciá-la.
Desde então não tem parado. São já 194 dias os que ela conta diariamente. Nessa fuga ao luto, de perda e da angústia que é perder alguém da família, a Mónica sem uma palavra de lamento, pegou no legado de Marielle e leva-o agora adiante.
A cada dia que passa, conta mais um à soma e não pára de dizer ao mundo que a Marielle lutava pela paz, pelas mulheres negras, pelas mães, pelas pessoas LGBTI+, pela justiça e por um Brasil de igualdade. Para o fim da violência nas ruas, para que não se perdessem mais jovens para a miséria e para a violência.
A Mônica, incansável e forte – com a força própria das mulheres que carregam a vida daqueles que amam – quer saber quem foram os responsáveis pela morte de Marielle. Quer que a justiça seja reparadora do Amor que ela perdeu.
Sabe que no fim, terá de enfrentar o silêncio da perda e aí virão sempre lágrimas, como lhe vêm tantas vezes quando faz silêncio, como nos vieram a nós em pouco tempo de conversa. Nesse dia, com justiça feita poderá avançar, porque então a morte de Marielle - tal como a vida - não terá sido em vão, sendo sim um grito de ‘nunca mais’ e que durará para sempre.
Com a Mônica, fiquei a entender melhor os medos do meu pai que todos os dias pede para que nada me aconteça. E fiquei com a certeza de que não nos silenciaremos nunca neste desígnio de justiça, mesmo que tenhamos pela frente este mundo de indignação fugaz.
Aos rostos de desalojados que o Vhils gravou nas paredes do Brasil, há agora este também em Portugal. A Marielle foi desalojada da vida por defender direitos humanos. Foi roubada aos seus, que ficaram também desalojados dela.
Mas a sua perda não será nunca em vão.
Por isso, queremos justiça para a Mônica. Queremos justiça para a Marielle. Por isso, pai, nada nunca será em vão.
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