Fui lendo as notícias que pré-anunciavam o lançamento do Plano Nacional de Reformas e, confesso, temi o pior. Praticamente todas destacavam o montante de dinheiro que o Governo pretende colocar nesse plano, a magnífica soma de 11 mil milhões de euros ao longo dos próximos anos. O comum dos mortais não consegue ter uma noção de quanto dinheiro estamos a falar, apenas que é muito dinheiro.
Depois apareciam os "pilares" em que se vai "apostar" e os "eixos em que se desdobram". Nada de novo, lá estavam os suspeitos do costume: qualificar os portugueses, promover a inovação na economia, valorizar o território, modernizar o Estado, capitalizar as empresas e reforçar a coesão e igualdade social. É assim há décadas, desde que se inventaram estes chavões, o que mostra que resolvemos muito pouco e continuamos com quase tudo por fazer.
Mas não é este o ponto onde quero bater. É no tique nacional de medir as políticas públicas pela despesa que se faz com elas, pelo dinheiro que se coloca nos programas. Não é pelas metas nem pelos objectivos, não é pelo processo nem pelas pessoas ou entidades que serão impactadas, muito menos pelo acréscimo de produto, de indicadores de qualidade de vida, investimento ou emprego que elas poderão induzir, conforme os casos. O que conta é a quantidade de milhões que se atiram para cima dos temas e problemas, como se o mais importante fosse apenas gastar.
A Cultura tem menos dinheiro? Estamos, claramente, perante um governo de ignorantes. A Saúde vai gastar menos? Está a desmantelar-se o SNS. Pouco importa que até se possam produzir melhores resultados com uma utilização mais eficiente de menos recursos. O que conta é o dinheiro que se gasta.
Este foi um tique de que nos tínhamos afastado nos últimos anos, tal era a noção de falta de verbas. Agora, com o garrote da austeridade mais aliviado, era bom que evitássemos o regresso a essa forma enviezada de olhar para as intervenções do Estado: a virtuosidade das políticas públicas está nos resultados que podem produzir e não na dimensão de despesa que fazem.
Felizmente que o documento do Governo que lançou o PNR está bem composto de metas e objectivos, relegando para último plano o montante de financiamento. E que António Costa, no discurso de apresentação, nem sequer fez do montante de despesa uma bandeira.
É certo que o essencial dos 11 mil milhões vem das verbas comunitárias do Portugal 2020 que já estão comprometidas com o país. É um "baralhar e voltar a dar" do que já se conhecia e não despesa adicional para fazer. É possível que, na comunicação política, isso tenha pesado na discrição que o anúncio oficial reservou a esse dado.
Eu prefiro acreditar que algumas coisas aprendemos com a bancarota. E que uma delas é que atirar indiscriminadamente com dinheiro para cima dos problemas não só não os resolve como nos cria novos problemas.
Agora só é preciso avisar as redacções que mais importante do que saber quanto custa o par de ténis é saber quanto é que vamos conseguir correr com eles.
Outras leituras
- O mar é a nossa eterna aposta adiada. Sabemos que o temos como poucos, que a sua riqueza é incalculável, que tem a capacidade de dar a volta a uma economia. Também sabemos como, para além de discursos bonitos, temos sido incapazes de definir uma estratégia para a ele e, sobretudo, de a executar. Agora sabemos mais esta coisa: uma zona nos mares entre os 200 e os mil metros de profundidade pode alimentar o mundo.
- Mais um banco falido, mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Até que alguma coisa mude ou apenas até ao próximo banco falido?
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