Era mais ou menos isto que a senhora contava: tenho em casa um belo frango assado; cheia de fome, enquanto o meu marido estaciona o carro e sobe ao nosso apartamento, decido comer o frango inteiro. Sobram batatas fritas e pão... Porém, para efeitos estatísticos, naquela casa cada frango é dividido por dois; ou seja, cada um dos elementos do casal terá comido meio frango. Mesmo que o meu marido tenha, em bom rigor, ficado esfomeado.
Esta ideia primária, muito aplicada na política conforme o jeito que vai dando, constitui a antecâmara da tal pós-verdade. É usada para mascarar números sobre desemprego ou o investimento, como serve para as interpretações que demonstram o estado lamentável da nação.
O mesmo algarismo pode servir uma tão variada gama de interesses que é praticamente impossível encontrar um denominador comum numa operação aritmética. Onde está a verdade? Algures, a meio caminho entre todas as mentiras...
Talvez por isso, ando há algumas semanas a tentar digerir, sem sucesso, uma sondagem (da Intercampus, divulgada pelo jornal Público), que tentou “perceber” os jovens portugueses através de uma série de perguntas que vão do mais sério ao mais fútil. E se acredito que a maioria dos sub-34 escolha Marcelo Rebelo de Sousa como o mais sexy de entre os homens públicos – a longa distância da mulher mais sexy, Assunção Cristas, ou de Joana Amaral Dias, a segunda classificada... -, parece-me pouco crível ou sequer aceitável que haja 48,8% de jovens a declararem interessar-se por política, a que se acrescentam 15,7% de “muito interessados” na matéria...
Sejamos sérios: se fossem interessados na matéria, não teriam deixado à porta de uma Faculdade Jaime Nogueira Pinto, e uma conferência seguramente interessante, mesmo para quem com ele estivesse em desacordo.
A abstenção em actos eleitorais, e o caldo morno em que se movem estes mesmos jovens, diz ainda mais do desinteresse e indiferença que nutrem pelo mundo que os rodeia – facto confirmado por outra questão da sondagem, que revela uma maioria de 57% que confia nada ou muito pouco no Governo.
Não confiam em quem governa mas interessam-se por política? Por um lado gostam, por outro lado ignoram sistematicamente as regras mais básicas? Há qualquer coisa que não bate certo.
E o que não bate é a tal ideia de verdade que dá jeito, conveniente, que estando na moda é um perigo letal. Faz lembrar a bomba de neutrões, num tempo de guerra fria que escaldava: mata por dentro deixando tudo intacto por fora.
Os números redondos, os números que justificam sucessos e fracassos, não são nem verdades absolutas nem mentiras descaradas. São quase sempre quadrados. São dados que, desde há muito, os especialistas desconstroem e os media, na sua função “tradutora”, explicam e esclarecem. Nesse quadro, é fácil perceber porque andamos tão perdidos, sem encontrar correspondência entre o que nos dizem que vivemos e o que efectivamente sentimos, entre o real cinzento dos dias e o sol que nos vendem, ou a tempestade que nos anunciam.
Nem os números são redondos nem os factos são óbvios – e não precisávamos que nos “dessem” um qualquer Trump para saber que, como na história do frango comido por um só, na sala onde estão dois, também 10% de desempregados, ou 2% de crescimento económico, não traduzem uma vida melhor nem garantem um desanuviado futuro. São apenas dados a ter em conta numa aritmética sempre duvidosa e pouco ou nada rigorosa.
Tal como a sondagem sobre os jovens, se a olharmos sob o prisma de quem impediu Nogueira Pinto de falar: eles podem até parecer, mas não são. Nem interessados nem interessantes...
E por falar em números...
Um excelente trabalho do New York Times sobre os números da imigração. Talvez Donald Trump, ou quem o aconselha, devesse ler e estudar.
Como transformar números em vídeo? Eis um bom exemplo sobre os hábitos dos americanos face à televisão – ou de como a arte de ver indiscriminadamente pode levar a outros hábitos bem menos saudáveis...
Com ou sem filtro, com ou sem verdade absoluta, o nosso INE (Instituto Nacional de Estatística) vai fornecendo dados que nos permitem formar opinião, mesmo sem a mediação de quem sabe mais... Aqui fica o site, caso a verdade queira ser mais do que não-verdade.
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