Desde que descobriram a luz de Lisboa e outros predicados da cidade que o caos se foi, lentamente, instalando: as ruas da Baixa foram ganhando outros negócios, lojas e pessoas, o Chiado foi gradualmente aumentando a sua já importante importância, tornando-se cada vez mais difícil circular, a cidade foi dando sinais de renovação, prédios velhos e devolutos foram sendo transformados em hotéis de charme, as habitações foram-se adaptando para receber os visitantes e, quando demos por isso, Lisboa quase não era nossa, com os moradores dos bairros very typical literalmente despejados para a Margem Sul, as lojas desses mesmos bairros a fecharem para dar lugar a negócios hipster e toda a cidade a entrar numa lógica demasiado trendy que só me faz lembrar a crítica de Eça de Queirós que, nesta infame ânsia de sermos modernos, há muito que deixou de ser obrigatório para os mais novos não terem sequer, a partir de agora, obra de referência, ficando à escolha de cada professor, a leitura deste autor.
Se eu fosse professora escolhia O Primo Basilio. Porquê? Porque me apeteceria, ora essa. O que se aprende? A ler, bom português e adultério.
No jogo do vale tudo para ser mais fácil, este também é válido.
Eça, na sua infinita capacidade de criticar o óbvio que escolhemos ignorar, foi capaz de caricaturar a cidade - e o país - à luz das sua piores características, que perduram até hoje: a ambição e ganância, a pequenez do pensamento, a imitação constante de uma lógica burguesa falida, a superficialidade e ignorância da classe política, sua débil oratória reproduzida à exaustão por um jornalismo incompetente, interesseiro e pouco independente.
As afirmações não são minhas e, contudo, não encontro, hoje, diferenças em relação a esta análise da sociedade portuguesa do século XIX. Na verdade, tal como na altura, não gostamos de nos confrontar com o retrato do país real, perdemos-nos habitualmente pela espuma dos dias e das pequenas conquistas que fazem deste um aparente grande país quando, na verdade, temos pés de barro que, a qualquer momento, se podem partir. Para além destas características intrínsecas, existem outras, de carácter estrutural que representam muito bem uma certa falência de valores morais de que Eça também falava.
Somos gananciosos e gostamos do dinheiro fácil, mesmo que seja a extorquir o vizinho.
É o que está a acontecer um pouco por todo o país, com particular incidência em Lisboa e arredores. Há os que desistem, mudando-se de armas e bagagens para a Costa da Caparica, por exemplo, os que abandonam o centro e escolhem Benfica, e os que regozijam aumentando exponencialmente os preços da habitação porque sabem que, com os preços inflacionados no centro da cidade, as zonas mais próximas do centro tornam-se extremamente interessantes e as outras, nas áreas limítrofes, altamente apelativas. Amadora e Odivelas estão em altas, como nunca se viu. Na linha de Cascais, a nova Universidade mudou as regras do jogo, mesmo para casas que se situam em Alcabideche, a 15 quilómetros de Carcavelos.
Se a isto juntarmos o facto de que não há construção nova - ou há muito pouca - e a que existe é de luxo, a situação para os que querem - ou precisam - mudar de casa é preocupante. Com agentes imobiliários desesperadamente à procura de imóveis para vender, batendo às portas, deixando folhetos ou fazendo contactos de todas as formas imagináveis, o mercado do arrendamento de longo prazo torna-se absolutamente instável, com contratos de um ano e rendas que a maior parte das famílias não pode pagar, a ponto da Câmara Municipal de Lisboa estar a lançar um novo programa de reconversão de escritórios da Segurança Social para apartamentos destinados a famílias de classe média e do próprio Presidente da República já ter interferido, impedindo os despejos dos mais vulneráveis.
As histórias hilariantes de cafofos colocados no mercado imobiliário a preço de pequenos palácios sucedem-se e quem procura casa nesta altura tem sempre um exemplo engraçado para contar entre amigos. A pergunta "então, já arranjaste?" torna-se inevitável para uma resposta que é sempre a mesma, entre o "nada decente" ou "nada que possa pagar". Os dias passam, o trabalho acumula-se, as noitadas também, misturamos nomes de sites e de agentes imobiliários, recebemos dezenas de mensagens e parece que nada acontece. Sim, estou nisto há tempo suficiente para conhecer as regras do jogo e saber que anda meio mundo a enganar outro meio, outros a quererem ganhar dinheiro sem esforço e uns quantos sortudos que fazem de uma herança um esquema para enriquecer.
Até já, vou só ali ver mais uma casa.
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