Sobre os resultados. Todos ganharam, já se sabe.
Até o PS, ganhando poucochinho, lá conseguiu ganhar alguma coisa (face a 2011) e, com alguma felicidade, pode vir a descobrir que lhe saiu um brinde em vez de uma fava.
O PSD/CDS, que queria uma maioria clara, ganhou, porque, afinal de contas, sempre teve a maioria mais inesperada da História de Portugal nos últimos 40 anos.
O Bloco de Esquerda ganhou 260 mil votos e a subida a terceira força eleitoral, mesmo que isso não chegue para evitar a repetição de um Governo PSD/CDS.
O PCP ou CDU ganhou porque ganha sempre, o PAN ganhou um deputado e mesmo os partidos mais pequenos, que tinham ambições de eleger deputados e não o conseguiram, ganharam votos e o financiamento de 2,84 euros por cada eleitor que lhes depositou confiança.
Ou seja, em Portugal, perder não é opção. É deselegante e é quase uma desfeita para com todos os que apoiaram quem perdeu. Não se faz. Por isso, conseguimos contar pelos dedos as vezes que políticos, gestores, treinadores de futebol e por aí fora simplesmente disseram “perdi” ou “errei” ou “isto correu mal”.
O que é um problema, porque na lei das probabilidades universais, ganhar e perder estão lá em igual medida, com responsabilidade própria, alheia ou conjugação de ambas.
Sobre “que raio de país é este”.
Não tardou, logo que os resultados foram conhecidos, que a expressão popular na voz dos nossos amigos, familiares , conhecidos e desconhecidos aparecesse nas paredes das redes sociais. Ora comemorando uma afluência às urnas que nos tornava subitamente um país mais evoluído e uma democracia mais participativa – e que afinal de contas nunca se confirmou, pelo contrário – quer apelidando todos os que não votaram assim ou assado, consoante as alas, de mentecaptos para baixo.
Ali mesmo, naquele momento, muitos descobriram, como alguém dizia tão bem, que em democracia o voto iluminado vale exactamente o mesmo que o voto às escuras. Seja qual for a iluminação, e sendo humana essa reacção, não deixa de ser extradordinário que seja apenas na ocasião solene do voto que muitos de nós descobrem que não suportam a maioria de todos os outros.
Ou seja, descobrimos ao votar que somos um país mais conservador que progressista, mais católico que ateu, mais popular que erudito, mais paternalista que autónomo, mais radical do que conciliador. Um país colado à TV que prefere ver a “A Quinta” das celebridades do que a emissão especial onde jornalistas, comentadores e políticos discutem entre si o que vai ser o país nos próximos quatro anos.
Somos tudo isto, e muito mais, em todos os dias do ano.
Sobre “afinal o que é que os portugueses querem”.
Além das tracking polls, esta campanha eleitoral foi também marcada pelos “quizzes” ideológicos. Uma espécie de testes de compatibilidade amorosa, mas feitos à luz da ciência política e aplicados às nossas ideias sobre o mundo e a sociedade.
A simplicidade das perguntas e a transformação dos temas principais da nossa vida pública num quase-jogo tem imensas vantagens. A primeira é retirar os preconceitos que todos temos sobre a esquerda e a direita, hoje em dia conceitos de duvidosa utilidade prática.
A segunda é permitir pensar nos programas partidários à luz de questões práticas do nosso dia e fora das frases sonantes que alimentam a máquina trituradora dos media.
E a terceira é, para quem assim se dispor, evidenciar que não somos binários. Vejam-se temas que tocam a todos, como a saúde. Se a pergunta for se o Estado deve assegurar a prestação de serviços de saúde, consideraremos que a “esquerda” diz que sim e a “direita” diz que não. Mas, se a pergunta for se todos devem beneficiar de igual forma independentemente do seu nível de rendimento, provavelmente teremos outras nuances.
O mesmo vale para as leis que regulam as nossas relações. Adopção por parte de casais do mesmo sexo, por exemplo. Nem toda a esquerda é a favor e nem toda a direita é contra simplesmente … porque este é um tema de valores que supera na maior parte dos casos, e bem, orientações politico-partidárias, ainda que os partidos delas se apropriem.
Outra extraordinária presunção de rótulo político está na divisão do mundo de hoje entre ‘trabalhadores’ e ‘patrões’. Num mundo e num país que em função de tantas mudanças – geracionais, tecnológicas, económicas, sociais – assiste diariamente à criação de milhares de empresas, muitas delas por empresários com menos de um tostão furado no bolso apenas animados por uma ideia, competência ou necessidade, chega a ser cómico ouvir quem quer à força catalogar esta comunidade tão diversificada de pessoas à direita ou à esquerda. À direita, porque são patrões, naturalmente (que isto de ser empreendedor é só um petit-nom), à esquerda, porque são revolucionários, naturalmente (e já se sabe que a direita nunca tem ideias novas).
Num país tão cheio de verdades adquiridas, muitos se sentiram demasiado confiantes ou demasiado perdidos neste domingo de eleições. Uns demasiado confiantes que os portugueses sabem bem o que não querem; outros demasiado perdidos da certeza que tinham que o país queria mudar.
Talvez ambos os lados tenham razão. Talvez o país da esquerda que se insurge com a austeridade e grita ‘tenham vergonha’ face à perda de direitos esteja mais perto da direita que sentencia ”tenham juízo” quando se fala de sair do Euro . Talvez seja preciso ter mais vergonha e mais juízo.
Talvez precisemos todos de conversar mais uns com os outros.
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