Era uma vez um escorpião que pediu a um sapo que o ajudasse a atravessar um rio. O sapo recusou, pois o risco de ser picado pelo escorpião e de morrer na travessia era grande. O escorpião, todavia, garantiu-lhe que isso não iria acontecer — ou não fosse fatal para o próprio, que não sabia nadar. O sapo acedeu, o escorpião apanhou a boleia e... finaram-se os dois a meio do caminho. Moral? Por vezes é mesmo difícil escapar à nossa natureza.
Depois de um ano de conversas entre Isabel Tavares e uma série de políticos, analistas e especialistas da nossa praça sobre os temas que marcaram a atualidade em 2022, a fábula serve agora de mote para uma rubrica que estreamos hoje, e na qual olhamos para a atualidade procurando saber quem foi sapo e quem foi escorpião da semana que passou.
E certo é que esta semana ninguém escapou à ferroada do Presidente da República. Ainda não tinham passado cinco minutos da entrevista que deu para marcar os sete anos de mandato e Marcelo já tinha dado uma picada (letal?) ao executivo de António Costa.
Falou sobre uma maioria "requentada", que nasceu "cansada" e de um ano "perdido" entre a gestão de curto prazo que a guerra impõe e os casos e casinhos que fizeram cair vários ministros, entre os quais Pedro Nuno Santos, "talvez o ministro mais importante a seguir a Costa" — Sim, não é Medina, que se não sentiu ontem o espigão presidencial é porque não estava atento.
Depois, disse que as "contas certas" são importantes, mas não chegam, excluiu um sentimento generalizado de contestação social, mas deixou a Costa e ao ministro da Educação o recado de que romper as negociações com os professores é má ideia. Mas nem estes, cuja luta o Presidente em tudo considera legítima, devem levar ao extremo as reivindicações, sob o risco de perderem "sintonia" com a opinião pública, já que os pais podem não ver com bons olhos mais um ano a ir pelo ralo no pós-pandemia. Assim, Marcelo propõe uma recuperação faseada do tempo de serviço dos professores, endereçando diretamente aquela que é uma das suas principais reivindicações.
Como não podia deixar de ser, também se pronunciou sobre o escândalo dos abusos sexuais na Igreja Católica, garantiu que ali falava "como Presidente e não como católico, porque se fosse como católico seria ainda mais contundente". Assim parece-lhe "óbvio" impor-se o afastamento de padres suspeitos — "Qual é a dúvida?", questionou — e considerou a posição da Conferência Episcopal Portuguesa, 20 dias após ser conhecido o relatório sobre os abusos, "uma desilusão". Criticou a CEP — e não a Igreja, porque a Igreja é feita das pessoas de fé — por ter agido tarde, por não assumir responsabilidades e ficar aquém na aplicação de medidas preventivas aos párocos que são alvo de investigação criminal. "É incompreensível", disse.
Com a Igreja Católica a fazer manchetes, o frenesim mediático quase faz esquecer que a semana começou com Fernando Medina a anunciar as conclusões do relatório da Inspeção Geral de Finanças (IGF) sobre a indemnização paga a Alexandra Reis. Se é verdade que não era ministro das Finanças à data, certo é também que não fez as perguntas que devia fazer quando convidou a ex-administradora da TAP para ser secretária de Estado do Tesouro.
O IGF considerou que o acordo para a saída de Alexandra Reis — que incluiu uma indemnização de 500 mil euros — era nulo e que a maior parte desse valor (450.110,26 euros) teria de regressar aos cofres da empresa, o que a própria assegurou que ia fazer, mesmo discordando do parecer. A par, foi exonerado o presidente do Conselho de Administração, Manuel Beja, e a presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, "sem lugar a pagamento de indemnizações", garante o governo.
Caiu um ministro, um secretário de Estado, um presidente, uma CEO... Quem ficou de pé? Medina, que Costa escolheu segurar quando respondeu às críticas da oposição, que reclama que se apurem as responsabilidades do Ministério das Finanças, dizendo que as “consequências políticas" foram tiradas "há várias semanas”.
Agora, resta saber se Medina aguenta até ao final da travessia.
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