Lula da Silva é eleito pela terceira vez no Brasil. Esta eleição traz diversas quebras de tabus. A segunda volta foi a eleição mais apertada desde 1989, com pouco mais de 2 milhões de votos a separar os candidatos. Um terço da diferença da primeira volta. Jair Bolsonaro é o primeiro presidente a perder uma reeleição. Lula da Silva ultrapassa o próprio recorde e é o mais votado de sempre, com pouco mais de 60 milhões de votos. Bolsonaro perdeu tendo mais votos do que na sua vitória em 2018, foram 58 milhões, a segunda maior votação da história.

A falta de empatia de Bolsonaro deve ser apontada como seu grande algoz. Muitos votos foram dados a Lula por completa aversão a Bolsonaro, e não por convicção. Quando, na noite de Domingo, a hashtag #luto alcançou o número 1 nos trend topics mundiais no Twitter, levantada pelos eleitores do Bolsonaro, as 700 mil mortes por covid no país foram lembradas com ironia. Os eleitores do Lula retrucaram com a resposta do próprio Bolsonaro no auge da pandemia, com a frase “e daí, não sou coveiro!”. 

No plano internacional, Bolsonaro demorou mais de um mês para reconhecer a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos. Biden demorou apenas uma hora para reconhecer a vitória de Lula. Macron, inimigo manifesto de Bolsonaro, manifestou-se um pouco antes.

Mas o bolsonarismo não pode ser declarado o grande perdedor. Pelo contrário, teve vitórias significativas e que darão a tónica à oposição. Ele venceu num território equivalente à Argentina, em população e em PIB, o Estado de São Paulo. Bolsonaro colocou todas as apostas no governador eleito Tarcísio de Freitas, desbancando 28 anos de hegemonia do PSDB no estado, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.  

Incluindo São Paulo, Lula enfrentará oposição em 14 estados e apoio em 11, sendo dois considerados neutros. Enfrentará um Congresso Nacional mais conservador, que deve ser liderado pelos agora senadores Sergio Moro (Paraná), ex-juiz da Lava Jato, e Hamilton Mourão (Rio Grande do Sul), atual vice-presidente

Lula, que abandonou o vermelho e adotou roupas brancas e azuis, iniciou o seu discurso de vitória agradecendo a Deus pela chance que teve de retornar à Presidência e evitar que tivesse sido “enterrado vivo”, em alusão à Operação Lava Jato, momento em que foi condenado e preso. 

Foi uma eleição muito parecida com a de 1950, vencida por Getúlio Vargas com 48,7% dos votos (não havia segunda volta, à época). Vargas, que governara o país como ditador por 15 anos (1930 a 45), tinha a convicção de que voltaria nos braços do povo e apostava numa visão dos seus anos de ouro, 20 anos antes – que não correram bem, apesar de importantes conquistas, como a criação da Petrobras. 

Que Deus também abençoe o Brasil, para que o presidente eleito tenha a clara percepção da profunda mudança que a sociedade brasileira passou nos últimos anos, continue a adaptar-se rapidamente e tenha a sabedoria para evitar os notórios erros que nunca reconheceu ter cometido.

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Luiz Ugeda é advogado e geógrafo, pós-doutor em Direito (UFMG), doutor em Geografia (UnB) e fundador do Geocracia. Semanalmente, publica artigos no Blog do Geografia do Voto, no Estadão.