O eleitorado francês, exasperado com os dirigentes políticos do costume, gente - de Sarkozy a Hollande, passando por vários outros - que lhe cobra sempre mais impostos mas é impotente para resolver problemas essenciais da vida, está puxado para as direitas e dividido em três fatias cujo peso é semelhante: as esquerdas (o PS de Hollande e diversos pequenos partidos), a direita (os republicanos de Sarkozy cuja liderança também é disputada por Juppé e Fillon) e a extrema-direita (a Frente Nacional do clã Le Pen). Aliás, até o mapa territorial da França também está dividido em três equivalentes faixas verticais, tal como na bandeira: a parte atlântica ocidental, de Hendaia e Bordéus a Rennes e Brest é socialista, o meio vota na direita tradicional e a França do lado leste, de Lille e Calais, a norte, Marselha e Nice, no sul mediterrânico, virou-se para a Frente Nacional (FN).
Muita esquerda francesa vê a FN como um partido fascista. Jean Marie Le Pen, fundador, em 1972, da FN tinha no centro do seu programa a ideologia fascista e a nostalgia da França colonial. Chegou a 22% dos votos na eleição presidencial de 2002, quando a esquerda se sentiu obrigada a votar Chirac para barrar o risco de Le Pen na presidência da República.
A FN evoluiu como partido comandado por um clã familiar e já mete três gerações Le Pen: para além de Jean Marie, Marine que é a filha, e Marion, a neta de Jean Marie e sobrinha de Marine. Ambas cultivam o extremismo de direita com rosto feminino, mas corrigiram o rumo traçado pelo velho Le Pen: a ideologia com etiqueta de fascista evoluiu para a opção ultranacionalista com discurso ferozmente anti-sistema. Marine, em 2011, fez-se eleger para suceder ao pai na liderança da FN. Apontou para a conquista do poder com um projeto social e uma conceção identitária que tinha desaparecido das elites políticas francesas. Para tornar clara a distanciação das ideias mais odiosas do pai abriu-lhe guerra e expulsou-o da FN por causa de declarações anti-semitas.
A liderança de Marine Le Pen explora a incapacidade das elites políticas para evitar a desagregação social e económica que mina a sociedade francesa. Cultiva a angústia de uma nação que se julgava farol do mundo e que agora sente ter deixado de iluminar. Denuncia com impacto a exclusão que cresce nas periferias urbanas e as reformas sucessivamente falhadas. Coloca-se como a porta-voz dos desprotegidos pelo sistema e é assim que capta muito voto operário. Também muitos eleitores com menos de 35 anos, poucos estudos e nenhum emprego. Atrai para o seu discurso os que estão perdedores com a globalização. Usa a crise financeira para fustigar a eurocracia e denunciar os malefícios do euro. Aproveita a crise dos refugiados para reclamar o fecho de fronteiras.
Tal como praticava o pai, Marine Le Pen usa os medos como carburante eleitoral da FN. A barbárie jiadista da noite de 13 de novembro foi para o clã Le Pen um bingo: serviu-lhe para inflamar o discurso de rejeição da Europa multicultural e estigmatização do “outro”, no caso os muçulmanos. Explora o “nós” contra os “outros” e reclama um Estado forte, protetor, com autoridade. Apresenta-se como a dirigente política que não trai o povo.
É com este discurso que a FN saiu das eleições deste domingo como o partido mais votado em seis das 13 grandes regiões que formam o território francês e em posição de força para garantir, com duas Le Pen, no próximo domingo o governo de pelo menos duas das regiões: a tia Marine no Norte-Pas de Calais-Picardia, região com tradição operária na França que faz fronteira com a Bélgica, e a sobrinha Marion (faz 26 anos depois de amanhã) a governar a Provença-Alpes-Côte d’ Azur, a França de Cannes e Saint-Tropez, Nice e Marselha, Arles e Orange.
Até aqui, a ausência de responsabilidades governativas reforçou consideravelmente a eficácia do discurso populista da FN. E agora? Para já, provavelmente, a prova da gestão do poder. Depois, a presidência da República, com eleição em abril de 2017, é a ambição seguinte para Marine Le Pen. Na eleição de 2012, Hollande (10 milhões de votos na primeira volta, 18 milhões na segunda) bateu Sarkozy por um milhão e 200 mil votos. No aquecimento para a eleição presidencial de 2017, este retornado Sarkozy não está a conseguir galvanizar a direita e parece indiscutível que não vai buscar um só voto às esquerdas, portanto parece condenado a voltar a perder. O socialista Hollande cresceu nas últimas semanas como homem de Estado, mesmo assim está muito longe de 50% do eleitorado francês – mas no dia decisivo poderá receber votos centristas caso a finalíssima seja, como é previsível, com a líder da Frente Nacional.
Marine Le Pen tem uma base de 30% do eleitorado e mostra habilidade para conquistar votos em todas as áreas do descontentamento com o sistema, o que a coloca no tal cenário de possibilidade de eleição. É nesta triangulação que Alain Juppé, um centrista com simpatias no centro-esquerda, talvez seja o adversário mais temido por Marine Le Pen. Porque o moderado, afável e experiente Juppé terá a adesão da direita tradicional e captará o voto útil da esquerda para evitar o cenário de Marine Le Pen, presidente da República francesa. O voto da França vai decidir daqui a 16 meses. A aspirante que se declara inspirada pela heroína Joana d’ Arc não é favorita mas convém não estarmos desprevenidos para a hipótese.
Também a ter em conta:
Os EUA também têm em campanha eleitoral uma agressiva versão americana de Le Pen a explorar os medos: o republicano Donald Trump quer fechar a porta dos Estados Unidos a toda imigração muçulmana.
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Ele está sempre na primeira página do As e da Marca que todos os dias podemos encontrar no SAPO JORNAIS.
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