Bolsonaro foi combativo, truculento, mesmo grosseiro e terá afastado ainda mais o voto das mulheres. A agressividade misógina do presidente-candidato está a ser a discussão dominante sobre o debate. Lula surpreendeu ao aparecer defensivo, meio desligado do combate, embora lidere as sondagens.

Lula precisa nesta campanha de passar a mensagem de sensatez, cordialidade e moderação para conquistar os votos ao centro que lhe faltam para tentar garantir a eleição logo em 2 de outubro. Foi hábil a fazê-lo na entrevista na semana passada à TV Globo, mas agora no primeiro debate com os seis candidatos, Lula pareceu condicionado, demasiado preocupado em aparecer simpático e sem a arte que o caracteriza de falar ao povo de modo descomplicado. Apostou em propagandear os feitos conseguidos nos bons anos dos governos a que presidiu (2003-2010), mas essa estratégia resultou em espécie de repetição de cassete conhecida. Não trouxe novidade. Respondeu de raspão às acusações de ter patrocinado a corrupção e foi fraco num campo em que teria pano para mangas, o da denúncia do perigoso desgoverno de Bolsonaro. Neste debate com quase três horas de duração não se viu em Lula a sagacidade que lhe deu vitória nos debates das campanhas em que triunfou. Agora, Lula ao não ganhar, deve ter ficado mais perto de perder a possibilidade de eleição logo à primeira volta, em 2 de outubro. Mas segue favorito para ser o próximo presidente, porque a alternativa é Bolsonaro.

O presidente que se recandidata precisa de atrair voto feminino para tentar conseguir recuperar algum terreno nas intenções de voto. Bolsonaro confirmou que é grosseirão, que não respeita o contraditório, e em vez de ganhar deve ter perdido ainda mais a possibilidade de voto por parte das mulheres. Bastou uma intervenção para sair derrotado nessa ambição. Foi quando Vera Magalhães, jornalista da TV Cultura, questionou a forma como o governo de Bolsonaro agravou as consequências da pandemia ao descredibilizar as vacinas (ouviu logo de outra candidata, Soraya Thronicke, União Brasil, direita democrática), a propósito de um dos absurdos ditos por Bolsonaro no tempo crítico da Covid-19 “eu fui vacinada e não virei jacaré”). Neste debate, Bolsonaro pegou na questão inicial e, voltado para a jornalista Vera Magalhães, mostrou, descontrolado, o que é o estilo dele: "Não podia esperar outra coisa de você. Acho que você dorme pensando em mim. Você tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido em um debate como esse, fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro”.  

Na ocasião, nenhum dos quatro homens presentes no debate entendeu dever solidarizar-se com a jornalista ofendida pelo presidente-candidato. Só o fizeram as duas mulheres candidatas. Mas a indignação pela grosseria de Bolsonaro está a inflamar as redes sociais.

No debate, a candidata Soraya ainda afinou mais a artilharia contra a misoginia de Bolsonaro: "Quando homens são tchutchuca com outros homens, mas vêm para cima da gente sendo tigrões, aí eu fico brava, sim. Não aceito esse tipo de comportamento e de xingamento e, acima de tudo, disseminar ódio entre os brasileiros e nos dividir".

As duas mulheres candidatas, Simone Tebet e Soraya Thronicke, são quem marcou mais pontos neste debate. Aliás, Simone Tebet, logo no início do debate ao responder à pergunta, sobre o que fazer para reduzir a tensão entre os diferentes poderes no Brasil, foi direta ao disparar a marcar o tom: "Precisamos trocar o presidente da República. Sem paz, não vamos unir o Brasil".

Bolsonaro escutou e continuou a liderar o nivelamento verbal por baixo, por exemplo quando questionou Lula: “Que moral tu tem para falar de mim, ô ex-presidiário? Nenhuma moral”[transcrição integral]. Bolsonaro ignorou que a Justiça ilibou Lula. 

Era de esperar que Lula aparecesse preparado para desmontar as políticas económicas de Bolsonaro. Ficou por generalidades. Foi Ciro Gomes, candidato de centro-esquerda (PDT), terceiro lugar com 8% nas sondagens quem se ocupou dessa tarefa, mostrou dominar os números e acabou por desferir uma das mais duras acusações a Bolsonaro: “33 milhões de brasileiros têm fome”. Lula conta com os eleitores de Ciro no caso de esta eleição ser decidida na segunda volta no final de outubro. Lula falou de “amigo” ao referir-se a Ciro, mas este não o poupou: “Lula deixou-se enredar na corrupção”.

Apesar do foco de Ciro nos temas económicos foram as duas mulheres candidatas quem apresentou com detalhe propostas económicas concretas para o futuro e medidas de apoio aos mais carenciados e à classe média – como a isenção do correspondente ao IRS para quem ganha até cinco salários mínimos.  

Bolsonaro, que também é conhecido pelo descaramento com que mente, garantiu que a inflação no Brasil está melhor do que a dos Estados Unidos. Mas os EUA estão com 8,5% e o Brasil vai em 11,8% de inflação acumulada neste último ano.

O debate também teve o candidato Filipe d’Ávila. Na prática, compareceu para se apresentar. Aliás, para as candidatas (que tiveram bom desempenho) um principal objetivo também foi esse, darem-se a conhecer. De facto, este segundo pelotão é quem sai com ganhos deste debate.

Há quatro anos, Bolsonaro foi eleito presidente com o impulso da grande onda emocional que atravessou o Brasil em fúrias contra o petismo que tem Lula como expoente.

Agora, a raiva contra o PT perdeu força e instalou-se a grande polarização entre duas extremas: a de Bolsonaro e a de Lula. As sondagens mostram que Bolsonaro continua a ser o mais rejeitado. E o centro político continua, há já 20 anos, desde o bom reformista que foi Fernando Henrique Cardoso, um mero apêndice no Brasil.

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