No limite, pode não ter havido condenação nenhuma para Azeredo Lopes

António Moura dos Santos
António Moura dos Santos

Recorda-se desta frase? É possível que não, e por duas razões:

  • Não é verdadeira. A original, proferida por José Alberto Azeredo Lopes, à época ministro da Defesa, foi esta: "No limite, pode não ter havido furto nenhum".
  • A frase foi proferida em setembro de 2017, e o ex-governante falava a propósito do furto das armas do paiol de Tancos, divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017, enquanto decorria a investigação.

A frase correu internet e foi alvo de muito falatório — até porque outros envolvidos no processo o acusaram de tentativa de encobrimento deste caso embaraçoso para as Forças Armadas.

Em causa, recorde-se, esteve não só o furto das armas de Tancos, como também a recuperação de algum material na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a Polícia Judiciária Militar (PJM) em colaboração com elementos da GNR de Loulé.

No entanto, volvidos estes anos e várias demissões depois — incluindo a de Azeredo Lopes — hoje deu-se por concluído o julgamento deste caso, com a leitura do acórdão a ocorrer no Tribunal de Santarém.

Ao todo, foram constituídos 23 arguidos, arroladas 113 testemunhas pelo Ministério Público e 136 testemunhas pelos arguidos (sendo algumas comuns) e praticamente todas foram ouvidas (“quatro ou cinco foram dispensadas”, incluindo Paulo Lemos, conhecido como “Fechaduras”, que o tribunal não conseguiu notificar). Destas, 19 testemunhas prestaram depoimento por escrito, incluindo o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, e o processo chegou à distribuição com 22.497 páginas.

Qual foi, então, o veredito?

  • Azeredo Lopes foi absolvido de todos os quatro crimes de que era acusado: denegação de justiça e prevaricação, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder e denegação de justiça.
  • João Paulino, ex-fuzileiro, cabecilha do assalto e autor confesso do furto, foi condenado a oito anos de prisão pelos crimes de terrorismo e tráfico de estupefacientes — ao todo foram seis os crimes: detenção de cartuchos e munições proibidas e, em coautoria com outros arguidos, dois crimes de associação criminosa, um crime de tráfico e mediação de armas, um crime de terrorismo e outro de tráfico e outras atividades ilícitas.
  • Os dois homens que ajudaram Paulino a retirar o material militar na noite de 28 de junho de 2017, João Pais e Hugo Santos, foram condenados a cinco anos e a sete anos e seis meses de prisão, respetivamente, pelos crimes de terrorismo, praticado em coautoria material. Hugo Santos também foi acusado de tráfico e outras atividades ilícitas.
  • Luís Vieira, ex-diretor da Polícia Judiciária Militar, foi condenado a quatro anos de prisão, com execução suspensa por igual período, e à sanção acessória de proibição do exercício de funções por um período de três anos pelo crime de favorecimento pessoal praticado por funcionário. Todos os outros — associação criminosa, tráfico e mediação de armas, falsificação ou contrafação de documentos, denegação de justiça e prevaricação — caíram.
  • Vasco Brazão, antigo porta-voz da Polícia Judiciária Militar, foi condenado a uma pena de prisão de cinco anos, suspensa na sua execução por igual período, pelos crimes de favorecimento pessoal praticado por funcionário e um crime de falsificação ou contrafação de documentos. Já das acusações de associação criminosa, tráfico e mediação de armas, e denegação de justiça e prevaricação, foi apenas condenado à sanção acessória de proibição do exercício de funções por um período de dois anos e meio.
  • O major Roberto Pinto da Costa, inspetor da PJM, e o ex-sargento chefe do Núcleo de Investigação Criminal (NIC) da GNR de Loulé, Lima Santos, foram condenados à mesma pena de Brazão, considerando-se ter ficado provado que intervieram, igualmente, no acordo com João Paulino para a recuperação do armamento furtado.
  • Pelo mesmo crime – favorecimento pessoal praticado por funcionário – foram ainda condenados o sargento da PJM Lage de Carvalho e Bruno Ataíde, do NIC da GNR de Loulé, e José Gonçalves, militar do mesmo posto, os dois primeiros a uma pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e o último a dois anos e seis meses, igualmente suspensa.

No final de contas, as pretensões do Ministério Público foram, na sua maioria, atendidas, já que pediu a absolvição de 11 dos 23 arguidos, incluindo de Azeredo Lopes, considerando que a conduta do ex-governante se pautou apenas por uma “omissão do ponto de vista ético”, ao não diligenciar no sentido de ser levantado um processo disciplinar aos elementos da PJM. Em falta, na perspetiva do MP, ficaram somente algumas penas que poderiam ser mais pesadas — como a de Paulino, a quem foi pedida uma pena de prisão de nove a dez anos.

No final de contas, o que é que podemos extrair deste caso?

Em primeiro lugar, que permanece a tendência perniciosa — alimentada pelas redes sociais e alguma comunicação social, em conivência com oficiais de justiça — de fazer julgamentos em praça pública quando nada ainda foi apurado e as investigações seguem.

Não se defendendo aqui em absoluto que Azeredo Lopes teve responsabilidades ou não no caso — até porque o próprio MP considera que o ex-ministro esteve eticamente mal, mas que isso não consta num crime —, a instabilidade que este processo lhe trouxe levou à sua demissão e manchou o seu nome.

Por isso mesmo, foram estas as suas palavras à saída do tribunal: “Entrei neste processo com a cabeça levantada, passei por este processo com a cabeça levantada e saio deste processo com a cabeça levantada, o que era, para mim, muito importante. Em segundo lugar, tanto o Ministério Público como o coletivo confirmaram plenamente aquilo que sempre disse e que era a verdade. É importante verificar que saio deste processo sem reparo”, declarou.

Em segundo, que as coisas não ficam por aqui, porque tanto o advogado de Vasco Brazão como o de Luís Vieira vão recorrer das penas suspensas dos seus clientes, reiterando a sua inocência. Apesar de não ter terminado, finda assim a faceta mediática deste processo.

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