Putin suspendeu o acordo nuclear New START. O que está em causa?

Manuel Ribeiro
Manuel Ribeiro

Num discurso de duas horas, proferido esta terça-feira de Carnaval à nação russa, Vladimir Putin acusou o ocidente de ter começado a guerra e avisou a NATO que vai cancelar o programa de controlo de armas ofensivas New START.

Que acordo é este?

O New START é uma série de compromissos para reduzir as armas nucleares, recriado em 2010, entre os EUA e a Rússia e que vem de antigos programas START — que falharam — criados desde a Guerra Fria.

O acordo permite a Washington e Moscovo terem até 700 mísseis balísticos intercontinentais e 1.550 ogivas nucleares.

Se o tratado for rescindido ou expirar sem renovação, os arsenais nucleares das duas maiores potências nucleares do mundo podem passar a ser ilimitados pela primeira vez desde a década de 1970, no auge da Guerra Fria, e nenhum dos lados será capaz de controlar o arsenal contrário.

Por que razão o START II falhou?

O Tratado de Redução de Armas Estratégicas II (Strategic Arms Reduction Treaty II — Start II, na sigla em inglês), foi assinado por George H.W. Bush e Boris Yeltsin, em 3 de janeiro de 1993, com o objetivo de limitar o número de armas de destruição maciça entre as duas potências, mas nunca chegou a entrar em ação.

Isto porque, apesar da ratificação, quer pelo Senado norte-americano, em 1996, quer pela DUMA, em abril de 2000, a Rússia — já com Vladimir Putin no comando — acabaria por anular o acordo em 2002, alegando que os EUA se recusaram a ratificar uma extensão do Tratado Antimísseis Balísticos (ABM, na sigla em inglês).

O ABM consiste em desativar silos de lançamento de mísseis balísticos existentes nas antigas nações da União Soviética, os quais se incluíam a atual Bielorússia, Cazaquistão e a Ucrânia.

A tentativa de reduzir arsenais nucleares vem desde a Guerra Fria?

Sim, desde a década de 1970. Em 1991, Mikhail Gorbachev e George H. Bush assinaram o tratado START I, em substituição do acordo SALT (Tratado sobre a Limitação de Armas Estratégicas) assinado pelos dois países em 1972 e revisto em 1979.

Em plena “Guerra Fria”, ambos os governantes acordaram restringir a produção e utilização de equipamentos como os MIRV ou os mísseis intercontinentais, também conhecidos por ICBM, e assim evitar o escalar de um conflito entre duas grandes potências militares, o que poderia resultar na Terceira Guerra Mundial.

Mas o que disse hoje Putin sobre o New START?

Trinta anos depois, Vladimir Putin voltou a anunciar o cancelamento do tratado, desta vez, o New START, o último pacto de controlo de armas nucleares que restava com os Estados Unidos, aumentando assim a tensão com Washington sobre a invasão da Ucrânia.

No seu discurso sobre o estado da nação, Vladimir Putin disse ainda que a Rússia deveria estar pronta a retomar os testes de armas nucleares se os Estados Unidos o fizessem, uma medida que poria fim à proibição global de testes de armas nucleares, em vigor desde os tempos da Guerra Fria.

Porquê?

Explicando a sua decisão de suspender as obrigações da Rússia no âmbito do New START, Putin acusou os Estados Unidos e os seus aliados da NATO de declararem abertamente o objetivo da derrota da Rússia na Ucrânia.

O tratado New START foi assinado em 2010 pelo presidente Barack Obama e o presidente russo Dmitri Medvedev e prevê inspeções em locais definidos para comprovar o seu cumprimento.

Poucos dias antes de o tratado expirar, em fevereiro de 2021, a Rússia e os Estados Unidos concordaram em prorrogá-lo por mais cinco anos.

No entanto, a Rússia e os Estados Unidos suspenderam as inspeções mútuas no âmbito do New START desde o início da pandemia de covid-19, mas Moscovo recusou-se, no outono passado, a permitir o seu recomeço, aumentando a incerteza sobre o futuro do pacto.

A Rússia também adiou indefinidamente uma ronda planeada de consultas ao abrigo do tratado.

Hoje de manhã, Putin argumentou que, enquanto os Estados Unidos pressionaram para o reinício das inspeções às instalações nucleares russas ao abrigo do tratado, os aliados da NATO ajudam a Ucrânia a montar ataques com drones a bases aéreas russas que albergam bombardeiros estratégicos e com capacidade nuclear.

“Os drones utilizados para o efeito foram equipados e modernizados com a assistência de peritos da NATO. E agora eles querem inspecionar as nossas instalações de defesa? Nas atuais condições do confronto parece um perfeito disparate”, disse Vladimir Putin.

Qual a reação do Ocidente?

O governo britânico diz tratar-se de uma “decisão irreflectida”.

A França pediu que a Rússia “mostre responsabilidade em inverter o mais rapidamente possível o seu anúncio de suspensão”.

Os EUA, através de Antony Blinken, descreveram a decisão da Rússia sobre o New START como “muito decepcionante e irresponsável”, assegurando ao mesmo tempo que os EUA “continuam prontos para discutir armas estratégicas” com Moscovo.

Já a Espanha classifica as palavras do discurso de Putin de "cinismo". Em relação ao tratado New START, o ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) de Espanha, José Manuel Albares, disse acreditar que não se concretize a suspensão da participação russa e afirmou não haver “nenhum indício” de que esteja aqui em causa mais do que “uma escalada verbal”.

Entretanto, o Kremlin voltou a reagir?

Sim. O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, através de uma declaração enviada esta tarde, disse que a Rússia pretende manter uma abordagem responsável e continuará, durante a vigência do tratado, a observar estritamente os limites quantitativos das armas ofensivas estratégicas”.

*com Lusa

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