CPLP: Uma “relíquia do passado” ou um lugar para os jovens?

Beatriz Cavaca
Beatriz Cavaca

Poucas vezes se ouve falar da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), uma organização internacional formada por países lusófonos cujo objetivo é o aprofundamento da amizade mútua e da cooperação entre os seus membros.

A CPLP foi criada a 17 de julho de 1996 por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Em 2002, após conquistar a independência, Timor-Leste foi acolhido como país integrante e em 2014 a Guiné Equatorial tornou-se o nono membro da organização.

A CPLP é financiada tanto por meio do orçamento de funcionamento do Secretariado Executivo, custeado por contribuições obrigatórias dos Estados-membros, como pelo Fundo Especial, alimentado por contribuições voluntárias e destinado a custear programas de cooperação, projetos e ações pontuais. A sede fica em Lisboa, no Palácio do Conde de Penafiel, e o seu atual secretário executivo é Zacarias da Costa, de Timor-Leste, cujo mandato foi renovado este domingo, no contexto da 14.ª cimeira da CPLP.

Que promessas foram feitas nesta cimeira?

A 14.ª cimeira da CPLP foi acolhida pela República Democrática de São Tomé e Príncipe, que é neste momento o país que preside à organização por um período de dois anos, até 2025. O tema escolhido pelo país é “Juventude e Sustentabilidade”, que marcou os discursos de todos os representantes presentes.

Este mote foi logo lançado pela presidente da Assembleia Parlamentar da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (AP-CPLP), a equato-guineense Teresa Efua Asangono, quando esta assembleia se juntou em julho.

“A política da juventude e igualdade de género está no centro das preocupações da nossa comunidade e foi, mais uma vez, fortemente impulsionada, com a recomendação de continuar a promover o aumento de mulheres e jovens nos cargos públicos e fomentar a sua maior participação na vida política ativa”, sublinhou no seu discurso.

A responsável, que é também presidente do Senado da Guiné Equatorial, referiu que a AP-CPLP “saudou o alto nível de civismo e maturidade democrática observada em todos os seus Estados-membros que recentemente realizaram eleições”, o que consideram como manifestação de resultados “dos esforços e da presença consultiva da CPLP”.

Já na cimeira, os diferentes chefes de estado fizeram as suas promessas, começando pelo Presidente da República de São Tomé e Príncipe, Carlos Vila Nova, que desafiou a organização a ambicionar a "mobilidade plena" de cidadãos para aumentar a “interação entre as pessoas que a compõem”.

O acordo de mobilidade foi proposto por Portugal e Cabo Verde e foi aprovado na cimeira de Luanda, em 2021, prevendo a facilitação da circulação dos cidadãos lusófonos no espaço da organização. Ratificado em 15 meses por todos os Estados-membros, até agora está a ser aplicado na ordem interna de Portugal, Cabo Verde e Moçambique.

Sobre este acordo, João Lourenço, presidente de Angola, disse que “foi criada uma grande expectativa nas nossas populações com o anúncio da aprovação do acordo sobre mobilidade na CPLP, mas a realidade está ainda longe de corresponder à vontade expressa, situação que nos compete a nós corrigir”.

Já o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu a abertura das cimeiras da CPLP aos jovens, por forma a evitar que a organização se torne numa “relíquia do passado” ou uma “montra de personalidades”.

O presidente destacou também a “maioria crescente de jovens” nesta organização e defendeu que a CPLP deve “não só trabalhar para a sua sustentabilidade, como dar-lhes mais e mais rápida voz ativa, participação nas cimeiras, em cimeiras suas entre as nossas, na atrasada formalização do seu fórum, mas sobretudo na transformação da sua vida e do seu papel comunitário, feito de qualificação, emprego, condições sociais, intercâmbio, mais acelerada mudança geracional”.

“Os jovens têm de sentir que comunidade é sua, e não só daqueles que a lançaram ou que a governam hoje. É deles também, e cada vez mais faz a diferença nas suas vidas”, referiu o chefe de estado.

Apontando para o futuro disse ainda que, em 2026, quando se celebrar o 30.º aniversário da CPLP, “terão de ser novas gerações, senão liderantes na comunidade, pelo menos determinantes em parte essencial da sua liderança”.

“Falo das mulheres e dos homens nascidos na viragem para este século, imediatamente antes ou imediatamente depois. Quero vê-los aqui, nestas cimeiras, senão na primeira fila, na segunda, na terceira ou na quarta, ou na assistência, nos convidados”, desafiou.

Por fim, considerou que “só assim a CPLP não correrá nunca o risco de se converter numa relíquia do passado ou numa montra de personalidades de uma arena política e mediática, cada vez mais distante dos nossos povos e dos nossos jovens”.

Já António Costa defendeu um programa de intercâmbio académico que permita a frequência de um semestre noutro país da organização como já existe na União Europeia.

“Que daqui até 2026, possamos conseguir ter nos nossos diferentes países pelo menos um curso onde todos sejamos certificados para podermos ter ao nível da CPLP uma frequência como o programa europeu Erasmus”, disse António Costa no seu discurso, apelidando este novo projeto de 'Frátria', numa evocação à expressão 'Mátria' de Caetano Veloso.

Disse também que Portugal está disponível para “trabalhar com cada um dos Estados-membros da CPLP para também converter a dívida em fundo de investimento em ambiente, na energia, na água, na reciclagem, de forma a acelerarmos esta transição”.

O presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, defendeu que a organização deve “abrir as portas” a outros povos que desejem aderir, sublinhando que a cooperação “é um património da Humanidade”, e disse que os jovens podem “desempenhar um papel importante no futuro desenvolvimento dos nossos países”.

O Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, defendeu que as "muitas e legítimas aspirações" da juventude só se podem concretizar "num ambiente são, democrático, moderno, próspero e com oportunidades para todos". Destacou também registar “com satisfação” que os jovens, à escala global, “se mostram conscientes das preocupações de formação de uma nova ordem mundial, de guerras geoestratégicas, de migrações sem precedentes, de mudanças climáticas, de fortes assimetrias entre países industrializados e desenvolvidos e países fornecedores de matérias-primas e subdesenvolvidos — os ‘termos de intercâmbio’ são, desgraçadamente, desiguais”.

“O crescimento terá de ser necessariamente inclusivo e ambientalmente sustentável”, frisou.

Lula da Silva, presidente do Brasil, evocou também a expressão “Mátria”, do músico Caetano Veloso, insistindo numa comunidade de povos irmãos.

“Eu quero frátria. Como é que a CPLP será a nossa frátria? Uma grande fraternidade unida pelo idioma e pela busca de soluções sustentáveis e pacifistas num tempo de grandes incertezas”, afirmou.

Quanto aos jovens, Lula salientou que estes são “a força motriz” da CPLP e “manterão a língua portuguesa, o património comum” que une os países.

No seguimento destas afirmações, propôs à comunidade que o português seja língua oficial das Nações Unidas.

“Temos de aproveitar que temos um secretário-geral das Nações Unidas que fala português [o ex-primeiro-ministro português António Guterres] e acho que nós deveríamos entrar com informações e um pedido nas Nações Unidas para que a língua portuguesa seja transformada em língua oficial das Nações Unidas”, propôs Lula da Silva, recebendo aplausos dos presentes.

Quem será o próximo líder da CPLP?

A Guiné-Bissau vai assumir a próxima presidência rotativa da CPLP no mandato entre 2025 e 2027, sucedendo a São Tomé e Príncipe, foi hoje anunciado.

No sábado, em declarações à Lusa, o ministro das Relações Exteriores equato-guineense, Simeón Esono Angue, manifestou a intenção de o seu país presidir à CPLP.

No mesmo dia, o primeiro-ministro português, António Costa, fez escala técnica na Guiné-Bissau, a caminho de São Tomé e Príncipe, e expressou o apoio de Lisboa à presidência da Guiné-Bissau, que foi admitida pelo homólogo guineense, Geraldo Martins.

À chegada a São Tomé, também no sábado, o chefe de Estado português já tinha defendido que deveria ser Bissau a assumir a liderança da organização.

Depois de anunciado, Marcelo Rebelo de Sousa, referiu que “a Guiné-Bissau vai ser o primeiro Estado a comemorar os 50 anos da sua independência, este ano, em novembro. Faz todo o sentido que também tenha essa grande oportunidade que é celebrar não o passado, mas projetá-lo para o futuro”, afirmou.

“É a tal oportunidade de a Guiné-Bissau entrar neste salto qualitativo que importa, sobretudo, à juventude, mas importa a toda a gente”, defendeu, salientando que “o que interessa é que a CPLP valha para o futuro e não valha por aquilo que já fez no passado”.

Já o Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, destacou hoje, na cimeira, a importância da juventude, que definiu como “única e verdadeira portadora do futuro”.

Referindo-se ao tema da cimeira, “Juventude e Sustentabilidade”, Sissoco Embaló disse ainda que “não há nenhuma sustentabilidade que resista à prova do tempo, enquanto empreendimento humano, se não contar com o suporte e mais ainda, com a apropriação por parte da própria juventude, até porque ela é a única verdadeira portadora do futuro”.

Salientou o quão jovem é a estrutura etária da Guiné-Bissau, onde, detalhou, “20% da população concentra-se na faixa dos 15 aos 24 anos e dos 15 aos 30 anos atinge quase 29%. Dos 15 aos 34 anos, eleva se 34% da população guineense”, disse o chefe de Estado, concluindo que em África uma “dinâmica demográfica como a guineense está longe de representar uma exceção”.

Adiantou também que teria sido “interessante” a realização de “um encontro da juventude” da organização, prévio à cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP.

“Um evento que trouxesse até nós o olhar jovem e a visão ambiciosa e inovadora de jovens empreendedores em setores cruciais para o nosso futuro”, explicou.

*com Lusa

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