Chegámos àquela altura do ano, a época natalícia. Perdão, a época das listas. Enquanto uns penduram bolas reluzentes em árvores, outros abrem uma folha de excel e seleccionam, de entre tudo aquilo que escutaram este ano, as séries, filmes ou livros que consideram terem sido os melhores do ano. E, claro está, os álbuns.

Esta, porém, é uma lista diferente: aqui estão, não os 24 discos melhores do ano (ainda que alguns deles o sejam), mas sim os 24 discos que, por curiosidade histórica, pelo humor ou pura e simplesmente por nos ter feito cantar e dançar merecem que outras pessoas os ouçam. Daí o título, porque não há nada que um melómano goste mais que apresentar outros mundos aos seus semelhantes.

De fora ficaram algumas das grandes estrelas pop que ajudaram a moldar o ano. Nomes como Beyoncé, Taylor Swift ou Rosalía não estão nesta lista. Não por um qualquer ódio à pop mais desavergonhada, mas pelo simples motivo de que os seus álbuns foram mais que ouvidos em 2022. Isto é: se toda a gente os ouviu já, recomendá-los seria uma perda de tempo. Oh, não: esta é a lista dos underdogs, dos que regra geral se esquecem, dos que nos fascinam mais que as luzes da ribalta. Mas também há ali uma ou outra estrela, claro. Ou aspirantes a isso. Ou bandas que revitalizam géneros que se julgavam mortos. Ou... Sem spoilers, o melhor é mesmo ir ouvir.

créditos: Vera Marmelo

1. ALGUMACENA - Que Te Tira O Sono À Noite (ouvir)

Quem não conhece Alex D'Alva Teixeira passou ao lado de muito boa música na última década e meia. Quem não conhece Ricardo Martins fez exatamente o mesmo. Formados antes da pandemia e depois de terem feito a primeira parte dos Glassjaw, os ALGUMACENA chegam a 2022 com o seu álbum / EP / o que quiserem de estreia, "Que Te Tira O Sono À Noite". A frase não será para nós, mas para quem tiver o azar de se assumir adversário da dupla - nomeadamente, gente cujo único traço de personalidade é odiar pessoas com outros tons de pele. Está tudo no final de '(Mas) Ele Não'. É só ouvir com ouvidos de ouvir.

2. Amélia Muge - Amélias (ouvir)

Amélia Muge é um tesouro nacional e às vezes parece que Portugal não o sabe. Em "Amélias", a artista nascida em Moçambique volta a pegar na música tradicional para, com recurso a pouco mais que a voz, assinar um álbum cujo rótulo "genial" não lhe ficaria mal colado. Mas, esperem: tradicional, sim, só ninguém lhe diga que não é moderno. "Em Portugal, parece que quem pode ser moderno são só os que têm menos de 30 anos", desabafou ao "Rimas e Batidas". Pois é. Este é o Portugal do futuro que gostaríamos, e infelizmente não é o que temos.

3. Black Country, New Road - Ants From Up There (ouvir)

Ainda mal os primeiros singles tinham saído e já lhes vaticinavam um futuro glorioso, que o álbum de estreia, "For The First Time" [2021], parecia ter vindo confirmar. Ao segundo disco, não se pode dizer que os Black Country, New Road tenham evoluído ou crescido: na verdade, o talento singular - que consiste em mesclar uma panóplia de géneros num rock ao qual se pode chamar "experimental" ou "progressivo", sem o pretensiosismo que essas palavras normalmente implicam - que mostraram desde muito cedo ali continua, com 'Chaos Space Marine', por exemplo, a lembrar uma espécie de Penguin Café Orchestra sem os pinguins. Resta saber como será doravante: quatro dias antes do lançamento de "Ants From Up There", o vocalista e guitarrista Isaac Wood abandonou a banda para cuidar da sua saúde mental. O segundo disco não foi "difícil", o terceiro será de certeza.

4. David Bruno - Sangue & Mármore (ouvir)

Que têm Olivier Bonamici, Rui Reininho ou Gisela João em comum? Cabem todos no novo trabalho do Olheiro de Portugalidade™ que dá pelo nome de David Bruno. O primeiro como influência direta na forma como o narrador da áudio-novela "Sangue & Mármore" nos conta a trama, os segundos emprestando os seus talentos - juntamente com Marlon Brandão - aos temas mais musicais do disco, onde um hipotético assassinato é tratado com o sentido de humor que é característico ao artista de Vila Nova de Gaia. Senhores da Netflix, está aqui um sucesso prontinho a ser adaptado.

5. dUASsEMIcOLCHEIASiNVERTIDAS – 卌 (ouvir)

Há muito que as dUASsEMIcOLCHEIASiNVERTIDAS (e sim, é escrito precisamente desta forma) andam nisto, a mostrar a quem queira ouvir como o ruído pode ser terapêutico. O seu novo trabalho volta a cruzar a vanguarda com o rock n' roll, com o riff metálico de 'Topolina', sobretudo, a fazer-nos andar com a cabeça à roda. É possível que seja um crime que no grande esforço indie nacional as dUASsEMIcOLCHEIASiNVERTIDAS continuem sem aparecer nos grandes locais de decisão veraneante, mas se os outros não querem saber, pior para eles.

6. Éme e Moxila - Éme e Moxila (ouvir)

'Eu quero é vida boa a vida inteira / Sem trabalho nem carreira', ouve-se em 'Exílio', segunda faixa do disco editado em conjunto pelo casal mais 'twee' de Portugal. Ouve-se e não se percebe como é que há pessoas no mundo capazes de discordar disto (chamam-lhes 'workaholics' mas podiam muito bem chamar-lhes 'sociopatas'), assim como não se percebe como é que Éme e Moxila, tanto a solo como em conjunto, não andam a esgotar grandes salas por esse país fora. Por outro lado, essa é uma luta que já vem desde os tempos em que a Cafetra era a única verdade do mundo. "Éme e Moxila" está recheado de belíssimas canções e é o disco ideal para lavar o âmago, chá e bolachas de chocolate a acompanhar.

7. eüsh - Fever Dreams (ouvir)

Mencionam-se as palavras indie e folk, assim juntinhas, e depressa alguém mencionará Bon Iver, Iron & Wine e os Fleet Foxes. Com alguma sorte, poderão começar também a mencionar eüsh, nom de plume de um artista australiano que mais parece ter sido criado nessa grande e vasta América das bombas de combustível e restaurantes McDonald's erguidos ao lado de desfiladeiros e reservas indígenas. 'Speaking Stones', canção de sete minutos onde é ajudado por Jesse Quattro, e que é contemplação pura, assume-se como o momento maior de um álbum que aquece a alma como poucos o fizeram este ano. E, se quiserem fazer inveja aos vossos amigos hipsters, podem ir deixar-lhe já um like no Facebook - o homem só tem pouco mais de seiscentos.

créditos: Fontaines D.C.

8. Fontaines D.C. - Skinty Fia (ouvir)

Os U2, Sinéad O'Connor e os Cranberries deram os primeiros passos. Décadas depois, os Fontaines D.C. seguem essa tradição e, em certos aspectos, aperfeiçoam-na. "Skinty Fia" é um álbum essencial para se compreender a alma irlandesa contemporânea, com o vocalista Grian Chatten a descrevê-lo à "Rolling Stone" como "influenciado pela ideia de Irlanda que existe na Inglaterra, transformando-se e tornando-se numa nova cultura, de modo geral". Tudo acompanhado por uma camada de punk negro e poético - ou não estivéssemos a falar da terra de James Joyce.

9. Gala Drop - Amizade (ouvir)

Se a amizade é o bem mais precioso do mundo, "Amizade" é o álbum mais precioso do ano. Envolto numa camada dub à qual se alia o gosto pelo ritmo que já conhecíamos dos Gala Drop, este é um álbum quase perfeito. "Quase", porque a data de lançamento - 7 de outubro - impediu que se tornasse num êxito de verão, como merecia. Por outro lado, sendo esta uma música global, "Amizade" ainda vai a tempo de o fazer noutros continentes mais a sul. Há que travar a hegemonia de um hemisfério.

10. Godspeed You! Black Emperor - All Lights Fucked On The Hairy Amp Drooling (ouvir)

Tecnicamente falando, este não é um álbum de 2022. Na verdade, não é sequer um álbum: é uma carta escrita em 1993, quando os Godspeed You! Black Emperor ainda não eram sequer um coletivo, e sim o passatempo musical de Efrim Menuck, a quatro anos de pôr no mundo a obra-prima do pós-rock que dá pelo nome de "F♯ A♯ ∞". Originalmente lançado numa edição de apenas 33 cassetes, "All Lights Fucked On The Hairy Amp Drooling" foi ganhando um estatuto mitológico ao longo dos anos, já que todos os fãs adoram um segredo e o grupo nunca sentiu necessidade de regressar a essa parte do seu passado, recusando falar sobre o disco. Até fevereiro deste ano, quando um utilizador do 4chan o disponibilizou para download. Uma semana e meia depois, os canadianos comprovaram a autenticidade do áudio, colocaram o álbum à venda no seu Bandcamp (com todos os lucros a reverter para uma organização de apoio aos refugiados em Gaza), e Menuck explicou o porquê de não ter falado sobre ele antes: "Isto não é Godspeed, e senti que [relembrá-lo] seria desrespeitar os amigos com quem toco há 30 anos". Apesar dessa louvável atitude, há que ter em conta que este é um documento histórico, uma verdadeira peça de museu que a internet logrou salvar do esquecimento. E só isso já merece uma escuta.

11. Hunter S. Thompson - The Kentucky Derby Is Decadent And Depraved (ouvir)

Figura maior do chamado jornalismo gonzo, autor de "Delírio Em Las Vegas", junkie do caos e um dos maiores escritores que os Estados Unidos já conheceram. Hunter S. Thompson já não está entre nós há muito, mas continuará a viver através das suas palavras. "The Kentucky Derby Is Decadent And Depraved", disco baseado num dos seus mais famosos artigos, pode não conter a sua voz - o imitador de serviço é Tim Robbins -, mas há Ralph Steadman, ilustrador que conviveu de perto com o mito, e Bill Frisell, aclamado guitarrista do mundo do jazz, para dar nova vida à urgência. I got off the plane around midnight...

12. Inóspita - Porto Santo (ouvir)

Porto Santo parece ser um lugar mágico. Situado a cerca de 75km da Madeira principal, surge-nos como um terreno recheado de memórias de viagens antigas. Cristóvão Colombo, por exemplo, teve lá casa e a sua presença na ilha está hoje imortalizada em museu. Agora, estará ela própria imortalizada através da música de Inês Matos, conhecida como Inóspita. Nascido de uma residência artística com apoio da Câmara Municipal do Porto Santo, este é um álbum composto apenas pelo embalo de uma guitarra elétrica, a principal voz de uma narrativa que exige de nós imaginação. Não que seja difícil imaginar, tal a forma como Inóspita nos incute sensações com esta música.

créditos: RTP

13. Jesus Quisto - Typical Sounds Of Nice (ouvir)

O que é que acontece quando uma coisa palerma dentro de uma série palerma se torna viral? Bem, afogamo-nos em palermice - mas daquela palermice que os ingleses traduzem como nonsense, e que serve mais para nos fazer rir às gargalhadas do que para nos irritarmos. Os Jesus Quisto, "banda" formada na já clássica telenovela "Pôr do Sol", foram a maior palermice viral do ano. Do mundo da ficção, saltaram para o Maria Matos; do Maria Matos, saltaram para um autocarro que recentemente percorreu várias ruas de Lisboa em apoio à Seleção, com 'Portugals', canção deliciosa sobre essa coisa deliciosa que é ser-se português, a transformar-se numa espécie de hino de apoio aos rapazes lusitanos. O mote está dado: os Jesus Quisto passarão, de certezinha, por um festival perto de si no próximo ano. A não ser que a palermice deixe de ter piada.

14. Johnny Heartbreaker - Cult Aesthetics (ouvir)

À partida poderia parecer que estamos a falar de um qualquer artista rockabilly, pompadour espetada e guitarra na mão a sacar riffs dançáveis. Só que não: Johnny Heartbreaker não é um artista da década de 50, mas um deste século em que estamos, onde as seis cordas foram dando (também) espaço a sintetizadores, máquinas de ritmos, computadores. E ainda bem, que o progresso assim o dita. "Cult Aesthetics" pode não servir assim tanto para dançar (quer dizer, depende do que se consuma), mas serve para pensar, o negro banhado em ruído, o frenesi de 'Spam Bots Give Me Love' a dotar o mundo digital de algum humor, o 'techno' de 'Interview Revival - Goth Daughter Mix' a lembrar uma fábrica de montagem. Sim, também há beleza nas fábricas.

15. Otoboke Beaver - Super Champon (ouvir)

Quando os japoneses não estão ocupados a limpar o lixo dos estádios de futebol por onde passam, numa atitude que é extremamente louvável ao mesmo tempo que parece conter uma certa dose de sarcasmo (do género, vamos mostrar a estes ocidentais porcos como se faz), às vezes dá-lhes para pegar em guitarras e fazer verdadeiros monumentos ao rock n' roll. Muitos deles foram descritos em "Japrocksampler", livro-bíblia escrito por Julian Cope. Mas esses são, apesar da sua qualidade, monumentos demasiado falocêntricos - o que torna a missão das Otoboke Beaver ainda mais importante. Formado em 2009 depois de se conhecerem na universidade, o quarteto tem deixado muito boa gente com um sorriso largo na cara desde que "Itekoma Hits", de 2019, chegou a este lado do mundo. O punk feminista de "Super Champon" é um sucessor digno: há canções sobre as mulheres não cumprirem os papéis que o patriarcado lhes designa ('I Am Not Maternal'), sobre encontros desagradáveis com gaijins ('Pardon?'), sobre velhos pervertidos ('Dirty Old Fart Is Waiting For My Reaction'). E o melhor é que, apesar da mensagem séria, é tudo extremamente divertido.

16. Pal+ - Desire (ouvir)

De Faro para todo um mundo, Pal+ assina em "Desire" uma obra eletrónica algo paradoxal: o título indica o desejo, mas o que se escuta é quase como que a beatitude conquistada pela sua ausência. Ritmos e synths de alma balear, um chill out que se dança, o grandioso 'Sentimento' que construiu com a ajuda de Francisco Bica. "Desire" é daquelas obras que não se sabe muito bem como nos apareceram no colo, mas que acarinhamos como se fosse um parente há muito perdido. Precisávamos de um disco assim, este ano, sem medo de voltar ao passado - o house e rave primordiais - para erguer um presente magnífico. Nem se atrevam a falar de Beyoncé...

17. Raum - Daughter (ouvir)

Já sabemos do que Grouper é capaz: transformar o sussurro numa portentosa obra de arte. Ao lado de Jefre Cantu-Ledesma, com quem partilha o nome Raum, a sua propensão para a construção de paisagens sonoras é aumentada e melhorada pelo ruído, pelos 'drones', a voz distante como uma memória chuvosa. "Daughter" é um álbum que não pode ser ouvido casualmente. Merece que mergulhemos nele e que concentremos todas as nossas atenções nos seus ecos melódicos, que desliguemos o mundo e meditemos, solitários, na sua enorme sala-coração. Depois de um par de sessões, saímos dele melhores pessoas. É garantido.

créditos: DR

18. redoma – parte (ouvir)

Seja em Portugal, seja lá fora, o hip-hop dá ares de ser um mundo exclusivo a homens - ainda que a história nos diga o contrário, e os últimos anos mostrem sinais de inversão de tendências. A dupla redoma não quer, no entanto, fazer do seu género bandeira: "Não queremos ser vistas como 'as mulheres que estão a lançar um EP', mas antes como 'pessoas que têm algo a dizer e que, por acaso, são mulheres e também reconhecem essas lutas'", contaram ao "Rimas e Batidas". "parte" é um fabuloso EP de estreia composto por duas pessoas que nem sequer planeavam lançar estas faixas, mas que em boa hora o fizeram, tão hipnótica é a batida e tão certeiras são as palavras. Ouça-se 'poço' e passe-se a acreditar. O Porto também rima.

19. Terebentina - Um Palmo Acima Do Chão (ouvir)

Na segunda metade dos anos 80 foi a Ama Romanta, a mítica editora de João Peste (e "casa" para nomes como Mão Morta, Mler Ife Dada, Cães Vadios, Linha Geral, Mão Morta, Telectu ou Nuno Canavarro) a fazer avançar o país, e que ninguém diga o contrário. Quase quarenta anos depois, os Terebentina foram beber muito dessas sonoridades alternativas de outrora, mas não para avançar o país, e sim com ânsia de o destruir e começar do zero. Pós-punk cruzado com poética industrial, manifesto psicogeográfico de um Raoul Vaneigem chapado, "Um Palco Acima Do Chão" vai ser escutado por muito pouca gente neste 2022 e vai ser considerado um clássico do rock português dentro de quarenta anos. Depois não digam que não avisámos.

20. Vários Artistas - ВОЛЯ (ouvir)

O ano de 2022 fica indelevelmente marcado pela invasão russa à Ucrânia. Artistas viram-se forçados a largar os seus instrumentos e a pegar em armas, como os Kalush Orchestra, vencedores da edição deste ano Eurovisão, que viram um dos seus 'breakdancers' ser chamado a combater. E, no entanto, apesar das bombas e das mortes, os ucranianos resistem e os músicos continuam, como podem, a dedicar-se ao seu trabalho. "В​О​Л​Я" é uma compilação lançada por alguns deles, poucas semanas após a invasão russa, com o objetivo de reunir fundos de apoio às vítimas da guerra. Nomes como Bryozone, Polje, Hatroneli ou Emblika Quail (cuja 'Actor Teatru I Kino' é das coisas mais bonitas que se escutaram nos últimos tempos) podem não dizer nada aos melómanos na sua generalidade, mas são representativos de um povo que não se verga ao invasor.

21. Vários Artistas – Leva Leva: Litany Of The Portuguese Fishermen (ouvir)

No início era o mar, as horas passadas em barcos em busca do seu sustento. A pele ferida pelo frio, pelas redes. O coração magoado pela distância. Para ajudar no trabalho, os pescadores cantavam, e são essas canções que inspiram "Leva Leva: Litany Of The Portuguese Fishermen", compilação da plataforma FLEE que reúne vários artistas portugueses a quem foi pedido algo extremamente simples: criar algo a partir de gravações etnográficas de pescadores algarvios das décadas de 40, 60 e 80. Depois de uma exposição no MAAT, a música ganhou nova forma através do vinil, com uma edição que vem acompanhada por um livro de 160 páginas. Navegar era preciso, ouvir também o é.

22. Violet - Transparências (ouvir)

Imagine-se que cada uma das nossas ações diárias tinha, ou merecia, acompanhamento musical. É um pouco essa a ideia de base de "Transparências", o novo álbum de Violet. Dez faixas, cada uma delas pensada para um momento específico: acordar, ler, andar de transportes, até cantar no banho. A música, eletrónica mais cerebral que dançável, tem assim como objetivo ajudar a formar uma banda-sonora para o dia-a-dia, mesmo que esse dia-a-dia seja, diversas vezes, insuportável. Mas com música assim a vida torna-se um bocado mais alegre.

23. Wovenhand - Silver Sash (ouvir)

Há muito que Wovenhand, que é como quem diz David Eugene Edwards, nos fascina. Começou nos anos 90, liderando os 16 Horsepower, continuou neste século, dando ao seu folk/rock um negrume bíblico, danação contida em guitarra e pratos a chocar. Pensem em Wovenhand como um longo romance gótico americano onde pastores batistas blasfemam Deus por os terem colocado num mundo tão miserável, fé transformada em relação de amor/ódio. Ou talvez como a melhor tradução sonora de Salmos, 7:11: um Deus que se ira todos os dias. Aleluia, irmãos, temos rockalhada.

24. Yeah Yeah Yeahs - Cool It Down (ouvir)

Valeu a pena a espera. Depois de quase dez anos sem dar sinais de vida, os Yeah Yeah Yeahs voltaram aos discos com "Cool It Down", trabalho que, mais que seguir a linha criativa que traçaram outrora, tem os olhos postos no futuro. As guitarras de 'Maps' já não moram aqui, tal como o 'gospel' de 'Sacrilege'. O que escuta é eletrónico, sensual, Karen O a querer agarrar o mundo com novas mãos. Já não é uma punk de 20 anos, é uma mãe punk que anseia um mundo ideal onde poder receber a velhice, e que dá o mote para que a juventude se erga em 'Spitting Off The Edge Of The World'. O que não significa que não o possa fazer a dançar - ir buscar as gloriosas ESG na construção de 'Fleez' não foi, nesse aspeto, inocente.

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