Se na semana passada o país inteiro celebrava os 50 anos do 25 de Abril, no Finalmente Club a liberdade foi sempre palavra de ordem e essencial para a sua existência, mas só com a chegada da madrugada dos capitães puderam existir oficialmente a partir de 1 de maio de 1976.
Antes disso, os espetáculos faziam-se à la carte em casa de particulares, onde se juntavam homens e mulheres escondidos da PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado).
48 anos depois celebram agora a liberdade e o fim dos preconceitos com o espetáculo "Revolution", que vai estrear no dia 5 de maio no icónico clube da Rua da Palmeira, 38, em Lisboa.
Em entrevista ao SAPO24, o proprietário galego José António Marquina refere que esta ocasião especial não podia deixar de ser celebrada. "Quando finalmente conseguiu ter autorização para abrir, quando o primeiro dono, Armando Teixeira, recebeu os papéis vindos do advogado gritou: Finalmente! E foi assim que nasceu o Finalmente", lembra.
"A nossa ligação ao 25 de Abril está relacionada também com a entrega que fazemos anualmente dos prémios das artes cénicas. Temos de ter noção que o Finalmente nasceu como um estrado, como palco, e desde o primeiro dia somos o palco das artes para as pessoas LGBTQIA+ ou Drag. O objetivo é fazer uma homenagem a todas as pessoas que têm uma vida em cima de um palco. Homenageamos pessoas da arte, cantores, pessoas da imprensa, todos um pouco", sublinha.
Sobre o evento de aniversário, detalha que "no dia deste evento vamos ter Café Concerto, bolo, champanhe, discoteca e o elenco nobre da casa estará por cá. Estamos em contagem decrescente para os 50 anos!".
Ainda assim, não conta muito mais: "O espetáculo chama-se 'Revolution' e não sei muito mais, já que sou supersticioso e não gosto de assistir aos ensaios. O segredo só vai ser revelado no dia do espetáculo. Sei que se vai homenagear o 25 de Abril com temas musicais e performances. O melhor é manter a surpresa. No espaço temos um cartaz com uma frase minha a dizer 'Mais 1000 primaveras de liberdade', por isso a ligação da liberdade ao Finalmente é inegável".
Uma questão de identidade ou um "vício burguês"?
Sobre o papel do clube na liberdade de uma comunidade, detalha o papel cimeiro que manteve nos últimos 48 anos na defesa da igualdade.
"Basta pensar-se que antigamente não existiam associações para celebrar a comunidade LGBTQIA+. Agora existe a ILGA Portugal e outras que fazem muitas coisas pela causa, mas há 50 anos não existia nada disto. Eram os lugares como o Finalmente em que nos podíamos juntar e falar das nossas coisas e socializar. Lembro que, depois do 25 de Abril, a vida continuou difícil para esta comunidade. Para o mundo inteiro podiam eleger-se partidos diferentes com a chegada da democracia, mas para a comunidade LGBTQIA+ a liberdade demorou mais um bocadinho", lamenta.
"Havia em Portugal uma esquerda clássica, nomeadamente o Partido Comunista (PCP), que não valorizava estas questões e os grandes ideólogos da Esquerda consideravam esta questão uma coisa de conduta e não de identidade. Era um vício burguês de gente que não tinha mais nada para fazer", continua. "A esquerda considerava até que era uma conduta imprópria, até por sermos um país católico na sua maioria. Teve de passar um tempo para sermos aceites e se perceber que isto é uma questão de identidade e não uma questão de conduta", refere.
"Felizmente, foram surgindo também outros bares e fomos tendo espaços para poder estar fora do armário. Muitas pessoas saíam daqui e iam para casa fazer as suas vidas 'normais' e viviam uma vida dupla. 48 anos depois podemos celebrar a liberdade em verdadeira liberdade, mas nunca podemos deixar de festejar", sublinha.
Uma referência do emprego Transgénero
Esta referência da vida noturna lisboeta tem desde a sua fundação tentado ser uma referência do emprego Transgénero, na cidade, algo assentado na ligação de José António Marquina à VARIAÇÕES – Associação de Comércio e Turismo LGBTI de Portugal, onde assume a presidência.
"O emprego é um dos nossos maiores objetivos, inclusive um emprego de qualidade. A lei é muito pouco inclusiva para pessoas transgénero. Ainda hoje em dia as empresas excluem as pessoas trans pela sua identidade e mesmo as pessoas, sendo aceites em entrevistas, muitas vezes não voltam a ser contactadas, independentemente das suas competências", afirma.
"Aqui no Finalmente temos 24 pessoas a trabalhar permanentemente todos os dias do ano. Temos dois serviços, Café Concerto e discoteca, e por isso temos muitas pessoas a trabalhar. Somos uma casa pequena, mas damos emprego a muita gente com qualidade. Para certas pessoas, pelas suas características, é necessário haver quem facilite este emprego. Cada vez está mais fácil, mas existe muito preconceito. Entre vários candidatos ainda retiram um trans de uma candidatura. É necessário continuar na luta e facilitar a vida a estas pessoas", denuncia.
Acrescenta ainda que é da opinião que se devia criar quotas para a comunidade nas empresas.
Por este motivo, o Finalmente está agora a tentar obter um carimbo para poder ser um centro de formação LGBTQIA+. No futuro, um hotel, um restaurante ou outro tipo de negócio poderá vir receber formação no clube noturno e ser mais inclusivo da comunidade. "É muito importante evitar o ódio nos locais de trabalho!", diz Marquina.
E o futuro?
Infelizmente, à semelhança de outros clubes noturnos, o Finalmente tem sofrido aquilo a que Marquina chama a "crise no turismo", que tem abalado a faturação das empresas ligadas ao setor. "Como qualquer negócio estamos a sofrer bastante e eu, como presidente da Associação de Comércio e Turismo LGBTI de Portugal, sei que todos os negócios deste tipo têm tido uma quebra de 10% a 15%. No Finalmente Club temos notado a quebra de faturação, mas continuamos a funcionar e adaptamos os nossos horários à mudança de hábitos depois da pandemia. Criámos o Café Concerto e mantivemos a discoteca", detalha.
"Perdemos pessoas na discoteca, mas ganhámos no horário da tarde. Depois da pandemia foi complicado e a nova juventude tem outros hábitos com as alternativas que o mundo digital oferece para o ócio. Vamos cada vez menos ao bar e ao restaurante. Para contactar existem as aplicações, etc. Mas o que perdemos na noite ganhámos na tarde", garante. "De um grande problema chegou uma solução", termina.
Revolution, quando ver?
O espetáculo,dirigido por Deborah Krystall, conta com um elenco composto por Jenny Larrue, Lucy Jean e Irina Diamond, bem como uma participação especial de Peter Boy.
No dia 5 de maio, a primeira sessão é reservada a convidados do Finalmente a partir das 21h30, com entrada feita mediante convite. Mais tarde, depois do corte do bolo de aniversário, acontece a segunda sessão para o público em geral, na madrugada de 5 para 6 de maio, a partir das 3h, em que o consumo mínimo é de 10 euros.
Existirá ainda uma terceira sessão, que acontece no dia 9 de maio às 17h00, e é reservada à comunidade sénior da Junta de Freguesia da Misericórdia.
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