Associativismo, revivalismo histórico, artes, doçaria e turismo são áreas que têm vindo a reclamar-se herdeiras da lenda que tem o Rei Arunce e sua filha como protagonistas.
“Esta lenda tem a capacidade de atrair pessoas”, afirma à agência Lusa o investigador Aires Henriques, dono da unidade de turismo rural Villa Isaura, numa aldeia do município de Pedrógão Grande.
Em Troviscais, o promotor ergueu a Torre da Princesa Peralta, construção neomedieval onde acolhe raras coleções do Museu da República e da Maçonaria.
Descrita em 1629 por Miguel Leitão de Andrada, na obra “Miscelânea do Sítio de Nossa Senhora da Luz do Pedrógão Grande”, a Princesa “tem mais importância do que parece”, sublinha, enquanto mostra um quadro do pintor João Viola, seu conterrâneo, com Peralta montada num cavalo junto ao Castelo da Lousã.
A lenda “é um fator possível de apoio ao desenvolvimento” de um grupo de concelhos dos distritos de Coimbra, Leiria e Castelo Branco, o que nesta década levou Aires Henriques a defender a criação da Rota da Princesa Peralta, durante uma ceia medieval organizada pela Cooperativa Arte-Via, da Lousã, junto àquele monumento nacional.
Leitão de Andrade, oriundo de Pedrógão Grande, “não imaginou decerto que as suas descrições, por vezes fantasiosas, pudessem revelar-se fonte de inspiração para quantos vivem ou têm origens na Serra da Lousã e imediações”, salienta.
Na sua opinião, “a expressão porventura maior dessa inspiração” encontra-se numa tela do pintor Carlos Reis (1863-1940) que decora o salão nobre da Câmara da Lousã, onde surge “a bela princesa embrenhando-se na floresta a cavalo” ao lado do pai.
“Propomos uma Rota da Princesa Peralta como elemento aglutinador de vontades e fator de desenvolvimento turístico”, refere.
O economista entende que o percurso deveria integrar os concelhos de Condeixa-a-Nova (onde está situada a cidade romana de Conímbriga), Miranda do Corvo, Lousã (cujo castelo o povo associa ao Rei Arunce), Castanheira de Pera, Pedrógão Grande e Sertã, abrangendo diferentes monumentos e sítios.
A proposta de Aires Henriques está incluída na monografia “Pedrógão Grande e o Cabril de Encantos Mil”, concebida por ele e Nuno Soares, editada pela Câmara local em 2018.
Em 1964, no âmbito do cinquentenário do município da Castanheira de Pera, Kalidás Barreto, que viria a estar na fundação da CGTP, montou uma peça de teatro baseada no texto de Leitão de Andrada.
Uma filha do sindicalista, Ana Kalidás, nunca esqueceu essa iniciativa do pai, autor da monografia local em que reserva espaço à lenda.
Em 2007, a partir de uma receita da avó materna, confecionou para a feira do mel do Coentral uns bolinhos de castanha e ovos a que chamou "Beijos de Peralta".
“Tem tudo a ver com a nossa terra”, realça, para indicar que a presença da castanha nos ingredientes faz jus ao nome do concelho.
A guloseima teve sucesso e Ana começou depois a satisfazer as encomendas de amigos.
Agrada-lhe a “brilhante ideia” de criar uma Rota da Princesa “para divulgar” os valores culturais e turísticos da Serra da Lousã e do Vale do Zêzere.
A sugestão é também acolhida por Vítor Maia Costa, técnico da Câmara da Lousã há mais de 30 anos, tanto mais que “a Serra da Lousã já é unificadora”.
Arunce e Peralta simbolizam “um passado longínquo que vai além das divisões administrativas e que só engrandece o território”, enfatiza.
Um grupo de mulheres constituiu a Associação Cultural Princesa Peralta, parceira da Academia de Bailado da Lousã (ABL), dirigida por Joana Ruas.
Em 2014, nesta vila, esteve em palco um bailado inspirado na Princesa com texto de Filipa Rosa e da coreógrafa da ABL. “Foi um sucesso”, segundo Joana Ruas.
A associação nasceu para “espalhar a cultura de forma gratuita” em localidades da área da Serra da Lousã.
“Queríamos uma imagem feminina a que o público infantil tivesse ligação”, recorda, para argumentar que “fazia todo o sentido” dar à coletividade um nome que “é muito poético”.
E a filha do Rei Arunce é igualmente figura tutelar da presença da escola de dança nas Marchas de São João da Lousã, com contributo do pianista Hélder Bruno Martins na letra e na composição.
Ainda na Lousã, no Talasnal, a empresa Naturxisto gere a Casa Princesa Peralta e a Casa Lausus, com capacidade para 15 hóspedes.
Turistas que demandam esse lugar da rede Aldeias do Xisto chegam a perguntar ao dono, Paulo Peralta, se é familiar da Princesa.
O operador concorda com a ideia de promover uma Rota da Princesa Peralta: “tudo o que possa chamar turistas ao interior é positivo”.
Pela mão de novos pretendentes do século XXI, a jovem cavaleira que o pintor Carlos Reis consagrou, há 80 anos, ressurge agora das brumas da Serra da Lousã como proposta de desenvolvimento intermunicipal.
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