Nascido e criado na Irlanda, Dara Ó Briain estudou Matemática e Física Teória na University College Dublin, mas deixou as ciências e os números para se tornar num dos comediantes mais conhecidos da televisão inglesa, enquanto apresentador do êxito da BBC “Mock of The Week”, e do stand-up britânico e irlandês.
À boleia da estreia do novo solo em Portugal, “So... Where Were We?”, o SAPO24 entrevistou Ó Briain, um humorista que diz passar ao lado da grande polarização do humor, que defende que tudo pode ser objeto de uma piada — desde que inclua as pessoas e não seja apontada a ninguém — e que não resiste a coisas de nerd.
Tem problemas com filas em aeroportos e soube, no decorrer desta entrevista, que quinta-feira vai aterrar naquele que foi considerado o pior do mundo.
Ladies and gentlemans, Dara Ó Briain.
Portanto, é autor de livros de ciência para crianças, numa altura em que proliferam movimentos anti-vacinas e defensores de que a Terra é plana, e é um comediante a fazer uma digressão mundial numa altura em que a pandemia mudou radicalmente a nossa vida nos últimos dois anos e começou uma guerra na Europa. Está, de alguma forma, a tentar salvar o mundo?
[risos] Não, não, por favor, não me façam carregar esse fardo, seria demasiado. Por favor, não me construam mais nenhuma estátua. [risos] Tudo o que eu posso fazer é dar alguns conselhos. Acho as coisas ligadas à ciência muito divertidas. De vez em quando, surgem nos meus espetáculos. Neste que vou apresentar em Lisboa não propriamente, mas tenho um bit em que falo com a audiência sobre como o hélio está a acabar no mundo. O público é normalmente muito indulgente quando eu me torno um nerd em palco.
Há algum sítio onde a ciência e a comédia se cruzam?
Sim, claro que sim. Talvez soe um pouco estranho, mas, de certa forma, a maneira como usamos a lógica na comédia não está a milhões de quilómetros de distância de como é usada na matemática e na ciência: fazemos uma presunção tola e estendemos a lógica até chegarmos a conclusões ridículas. Nós fazemos isso na comédia, pegamos em algo que as pessoas reagem com um ‘ai é?’ e criamos um bit a partir disso. A diferença é que a humanidade beneficia menos da comédia [risos]. Não estamos a receber prémios Nobel pelo que fazemos em palco.
E não deviam?
Não, não. Ainda por cima eu sou alguém que fugiu da ciência e foi para o circo, basicamente. Estava a estudar Física e Matemática e troquei isso por um monte de aplausos e risos de desconhecidos. É muito mais divertido do que escrever uma tese de doutoramento, mas escolhi o caminho mais fácil e não se recebe pontos por escolher o caminho mais fácil.
"Os comediantes choram há um século sobre esse ‘já não se pode dizer nada’. Não é um problema, nós inventamos novas piadas"
Como é que um comediante que estudou Matemática e Física Teórica olha para os acontecimentos do mundo? É um mix de preocupações com um ‘olha, está aqui bom material’?
Eu acho que, neste momento, não podemos levar em conta só as coisas com que nos devíamos preocupar cientificamente, como as alterações climáticas ou o fim dos recursos disponíveis. Vivemos grandes problemas de comunicação, estamos muito polarizados. Até a comédia vive aquele debate estranho sobre o que não se pode dizer e que antigamente se podia, o movimento woke isto e aquilo... Meu Deus! Nada daquilo faz diferença para mim. Nos meus espetáculos a piada, geralmente, sou eu. Não aponto para pessoas à procura de uma punchline, eu sou a punchline. Acho ousadas as pessoas que fazem carreira dentro dessa polarização e as que, raivosas, dizem aquilo que nos deveria ou não irritar. Os meus espetáculos não têm raiva, o público pode só rir-se comigo.
"Se enveredares pela política ou tens aplausos ou tens silêncio e nenhuma destas reações é particularmente divertida"
Não se identifica com este mundo de ‘cancelamentos’, coisas que, aparentemente, são ou não permitidas no humor?
É como disse, tu isso me passa ao lado porque a minha comédia assenta no storytelling e em meter-me com o público. Mas sempre houve alguma coisa, não é? Tendo nascido num país católico e antigo como é a Irlanda, e como é Portugal, antigamente havia muito mais pessoas a serem canceladas. E canceladas a sério. Sempre existiram sensibilidades. A comédia não tem de ser sempre raivosa ou a esticar os limites do humor. Alguma é, mas outra pode ser só um tipo a ir contra um candeeiro na rua. É um debate estranho para mim, mas que vai continuar a surgir de tempos a tempos. Os comediantes choram há um século sobre esse ‘já não se pode dizer nada’. Não é um problema, nós inventamos novas piadas. Não é assim tão diferente. Se queres ser engraçado e ter piada, não tens de contar piadas de ontem. A comédia não é estática. E podes fazer humor com tudo desde que a pessoa com quem estás a gozar esteja do teu lado e a piada não esteja apontada a ela. Qualquer tópico é válido, mas queres fazer uma piada com uma vítima disto ou daquilo… talvez não o faças. Em vez disso, goza com ela, lado a lado.
Há duas semanas estava a fazer um espetáculo na Irlanda e na primeira fila estavam duas pessoas com óculos especiais que tinham alguma forma de problema visual. Assim que as vi dirigi-me a elas, elas explicaram o porquê dos óculos e eu disse para elas não se preocuparem, que a primeira parte do espetáculo não tinha grandes efeitos visuais e que a segunda metade era eu a contar como é que ter crescido na Irlanda sendo um homem negro. Obviamente, não sou negro, mas aquela piada arrancou uma das maiores gargalhadas da noite. O público achou-a hilariante. Estávamos todos juntos naquela piada que era claramente tonta. Se incluíres a pessoa na piada, está tudo bem. Noutro espetáculo, havia um espectador que tinha ao lado uma garrafa de oxigénio e passámos ali um bocado a brincar sobre as possíveis utilidades de uma garrafa de oxigénio numa saída à noite. Eu mandei piadas, ele mandou piadas. Estávamos juntos naquela piada. Se eu só tivesse apontado para ele e dissesse ‘olhem está ali um tipo com uma garrafa de oxigénio bláblá’, era mau. E não me digam que mencionar esta ou aquela comunidade para piadas é um sinal de igualdade… Será que é? Será que é mesmo? Mas, como eu disse no início, nada disto se aplica a mim. Eu sou a minha própria piada.
… Portanto, não devemos esperar nada de muito político no seu espetáculo.
Este espetáculo é mais pessoal, mas não tenho muito interesse em ser político na minha comédia. Se enveredares pela política ou tens aplausos ou tens silêncio e nenhuma destas reações é particularmente divertida. Noutros espetáculos mencionei como o Brexit foi ridículo e falei do Donald Trump, mas apercebi-me que isso era só uma forma fácil de conseguir aplausos. E outra coisa, normalmente, depois de escrever um espetáculo, levo-o em digressão durante dois anos, por isso não posso ter propriamente piadas de atualidade, sob pena e ficarem desatualizadas. Este ano, a certa altura vou ter de fazer oito espetáculos do meu solo antigo no Canadá, que não aconteceram em 2020 por causa da pandemia de Covid-19, e tenho nesse texto um bit sobre o Brexit… eu não posso mencionar isso em 2022. Seria ridículo.
Isso faz-me pensar que, para além do tempo, também a geografia não deve ser fácil de ajustar no texto. Ou seja, como é que se faz uma piada que seja, simultaneamente, engraçada em Lisboa, Helsínquia, Londres e Nova Iorque?
Normalmente, para fazer o filtro, chegam-me os espetáculos na Irlanda e em Inglaterra. Faz com que nada seja demasiado local. [risos] Há uns anos tinha um bit sobre como as strippers escolhiam sempre o nome de chocolates e como, por alguma razão, alguns nomes eram melhores do que outros. E como nem sempre existiam todas as marcas em todos os países, antes dos espetáculos ia a um supermercado e procurava marcas locais. Era tão engraçado. O melhor que encontrei foi na Suécia, um chocolate chamado Mums-Mums [risos]. Já imaginaram uma stripper chamada Mums-Mums?
"Os especiais são bons e eu também lanço dvd’s e espero que as pessoas se divirtam a vê-los, mas nunca é igual"
O truque é encontrar coisas com que as pessoas se relacionem.
Sim, coisas humanas que todas as pessoas entendam. E depois é estar lá. Eu tenho esta filosofia de que tens de estar lá. Todos os meus espetáculos têm um momento que é único naquela noite. Ou é uma brincadeira com alguém do público, ou alguma resposta engraçada, qualquer cosia que mereça a minha hashtag #youhadtobethere [tinhas que lá estar], se não não vais entender. Comédia ao vivo é algo único, é uma experiência.
Na era dos especiais de comédia nas plataformas de streaming, nada continua a substituir um espetáculo ao vivo?
Nada. Estás na sala, sentes a tensão. Os especiais são bons e eu também lanço dvd’s e espero que as pessoas se divirtam a vê-los, mas nunca é igual. Por exemplo, o espetáculo em Lisboa é no Casino, só isso já é tema. O que caraças estamos a fazer num casino? Eu não estou preparado para Las Vegas [risos].
Vai ser a primeira vez que está em Lisboa?
Não, já tive uma semana maravilhosa em Lisboa e depois voltei a Portugal para visitar Cascais e o Algarve. Estou ansioso por voltar.
Há uma espécie de relação romântica entre Portugal e a Irlanda e o Reino Unido, não acha?
Vocês são uma nação secreta, romântica por si própria. O Fado, os versos de Fernando Pessoa. São uma nação romântica, mesmo com essa língua fantástica que ninguém sabe pronunciar muito bem. E para um irlandês há sempre algo interessante no país pequeno que está ao lado de um grande, a Noruega ao lado da Suécia, a Irlanda ao lado do Reino Unido e Portugal ao lado de Espanha. Enquanto irlandês, os países que tiveram de lutar mais pela sua identidade são os que eu gosto mais.
Quando estava a pesquisar para a entrevista li, recentemente, que passou um mau bocado com as filas no aeroporto de Dublin.
[risos] Quando se anda a fazer estas digressões pela Europa, mal damos por nós estamos num aeroporto e se tiver de ficar três horas numa fila cada vez que for apanhar um avião… Como é o aeroporto aí?
Foi classificado a semana passada como o pior do mundo.
[risos] Eu mando a minha avaliação depois de quinta-feira [risos].
Sobre o espetáculo, o que é que as pessoas podem esperar?
Eu vou falar demasiado depressa, vamos esclarecer já isso. Vou pedir desculpa por falar demasiado depressa e depois vou continuar a falar depressa. Vai ser uma versão da tour que ando a fazer, piadas, piadas, piadas e depois uma boa história. Nunca tive um espetáculo em Lisboa e fico muito entusiasmado por atuar em novos sítios.
Dara Ó Briain - “So... Where Were We?” | Casino de Lisboa | 9 de junho | 21h00 | Bilhetes disponíveis aqui
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