Se respondeu que sim a mais do que uma destas perguntas, parabéns. Tal significa que controla a tecnologia e ela não o controla a si. Mas se não resiste a seguir as histórias ininterruptas que o universo digital nos oferece e prefere teclar em vez de conversar face a face, é uma boa oportunidade para perceber por que motivo Sherry Turkle, uma das mais reconhecidas especialistas do mundo em interações entre humanos e máquinas, lançou um livro em que faz um apelo coletivo à recuperação da conversa olhos nos olhos… sim, as que costumávamos ter antes de sermos silenciados pela tecnologias que nos oferecem comunicação e interação ilimitadas.

“Os nossos smartphones [e companhia limitada] não são meros acessórios, mas sim poderosos dispositivos psicológicos que alteram não só o que fazemos, como o que somos”. A frase é de Sherry Turkle, do MIT, doutorada em sociologia e psicologia da personalidade por Harvard e investigadora, há mais de 30 anos, da forma como os humanos interagem com os computadores e com a inteligência artificial.

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Mas, e ao contrário de vários especialistas em tecnologia que, de pioneiros evangelistas e otimistas da Internet, se transformaram em acérrimos críticos da mesma, como é o caso de Jaron Lanier, autor do livro “You Are Not a Gadget”, ou do ainda mais reconhecido Nicholas Carr, cujo manifesto “ The Glass Cage” se tornou num case study obrigatório e num retumbante sucesso de vendas, ou ainda de Andrew Keene, que no seu livro “The Internet Is Not the Answer”,Turkle opta por uma abordagem empírica dos vários problemas que identifica no mundo “netcêntrico” da atualidade. Além disso, tem o dom de ser uma “moderada” no que à diabolização das tecnologias diz respeito. Crente dos inegáveis benefícios que o progresso tecnológico propicia, mas cética q.b. dos admiráveis mundos novos que nos são ofertados pela magia digital, Turkle tem, contudo, o enorme poder de nos inquietar. Porque nos obriga a olhar para nós. E para além de nós.

A viagem que a fundadora e diretora do programa do MIT Technology and Self iniciou há mais de três décadas, com pleno otimismo, tem vindo a sofrer alguns revezes menores, em conjunto com abalos profundos, os quais foram devidamente registados numa trilogia de livros que lhe conferiram um reconhecimento ímpar e o estatuto de ser considerada como uma espécie de “consciência” para o mundo tecnológico, como a apelidou o The New York Times.

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Em termos muitos gerais e, em particular na última década, Turkle tem vindo a alertar para o facto de cada vez esperarmos e exigirmos mais da tecnologia e, em simultâneo, sermos cada vez menos exigentes no que respeita aos nossos relacionamentos, aqueles que são “reais e humanos”. Mas antes de mergulharmos na sua mais recente obra – publicada em Outubro último e intitulada “Reclaiming Conversation: The Power of Talk in a Digital Age” - , vale toda a pena fazer um breve rewind e ter uma ideia da evolução do seu trabalho, na medida em que o mesmo conta uma história em que o elenco, e sem fazermos muito esforço, é composto por todos nós.

O primeiro livro de Sherry Turkle, sobre “computadores e pessoas” foi publicado em 1984 e intitulava-se “The Second Self. Nestes anos idos do século passado e uma década antes de nos rendermos ao poder mais do que sedutor da Internet que viria a mudar o mundo, já a autora encarava a tecnologia não somente como uma ferramenta, mas como parte (ainda que futura) das nossas vidas sociais e psicológicas. Ao longo dos vários anos da sua investigação, Turkle foi alterando o seu enfoque de pesquisa, substituindo o relacionamento “um-para-um” existente entre os computadores e os indivíduos, pelo papel que os primeiros tinham em moldar os relacionamentos entre as pessoas.

E é assim que surge, em 1995, o livroLife on the Screen: Identity in the Age of the Internet que se debruçava sobre “as novas oportunidades de explorar as identidades online”. Nessa altura, Turkle era admiradora confessa dos espaços fornecidos pelos ambientes virtuais, especialmente aos jovens, que serviam de terreno para experimentação de outras identidades e, segundo acreditava, ajudariam no processo de se definir aquela que seria a “mais verdadeira” de todas.

Finalmente, em 2011, publica em livro o resultado do seu estudo etnográfico, feito ao longo de 15 anos e com base em largas centenas de entrevistas e experiências com crianças, jovens e adultos, o qual viria a ser intitulado Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other. Neste, que está muito perto de constituir um tratado por excelência sobre as relações humanas na era digital, é expressa a preocupação crescente de que os computadores (e demais dispositivos), em vez de se tornarem catalisadores para se repensar a nossa identidade, surgem antes como os responsáveis por abalar, de forma significativa, a capacidade de nos relacionarmos, com significado, uns com os outros. Mas também connosco próprios.

Afinal, todos sabemos que usamos a tecnologia para controlar e não para sermos controlados por ela.

Estamos a ser silenciados pela tecnologia

“Blá, blá”, poderemos todos afirmar se esta aparente filosofia da treta surgir numa jantarada de amigos, enquanto cada um de nós, às claras ou sub-repticiamente, vai dando um olhinho ao que se passa no Facebook, envia um tweet inadiável ou googla como vai estar o tempo amanhã. Afinal, todos sabemos que usamos a tecnologia para controlar e não para sermos controlados por ela. Mesmo que ela seja omnipresente, na mão ou à mão, esteja sempre em cima da mesa onde jantamos, na cama onde nos deitamos com a nossa cara-metade, nos passeios que damos com os nossos filhos, nas reuniões de trabalho em que colegas com gosto por se ouvirem a si mesmos nos obrigariam a morrer de tédio – se não existisse a “bela altura para ver a campanha da La Redoute” – ou enquanto fingimos que ouvimos a nossa mãe a contar a sua última incursão pelos descontos do Continente e estamos a ver o que se publicou, nos últimos minutos, no Instagram.

Sim, vivemos no mundo da conexão incessante e da comunicação constante. Mas para a investigadora há um senão: “estamos a ser silenciados pelas tecnologias”, numa espécie de “cura para a conversa”, e em que “este silêncio significa que a nossa capacidade para nos relacionarmos com os outros está também a desaparecer”. E com ela, a aptidão para a introspeção, para a empatia e para a autorreflexão.

Exagero? Talvez não. Se não, vejamos.

A lâmpada de Aladino e os 3+1 desejos

Quando, em Alone Together, observou as interações das pessoas com os robots, e as entrevistou sobre a sua relação com os computadores e telemóveis, Turkle traçaria os caminhos através dos quais as novas tecnologias transformam os velhos valores em obsolescência. “Quando substituímos os cuidadores humanos por robots ou um animal de estimação por uma versão robótica do mesmo começamos por argumentar que estas substituições são ‘melhor do que nada’ mas, no final, acabamos por as considerar ‘melhor do que qualquer outra coisa’ – mais limpas, menos arriscadas e menos exigentes”, escreve.

As interações observadas por Turkle entre as pessoas e a inteligência artificial patente nestes novos robots remetem para a questão do “vivo o suficiente”. Como alerta, e no que respeita aos mais novos, “esta geração de crianças tem algo especifico em mente quando afirma que as ‘coisas estão suficientemente vivas’”, afirmou, em entrevista à revista Time, aquando do lançamento de Alone Together. “O robot é suficientemente vivo para ser meu amigo” é uma expressão recorrente por parte das crianças entrevistadas por Turkle. Ou seja, o que significa que algo é suficientemente vivo para ser, por exemplo, um professor? Ou suficientemente vivo para fazer companhia a um idoso?

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O que Turkle considera é que, cada vez mais, vivemos num mundo em que os relacionamentos são medidos como “melhor do que nada”. Se uma criança é alérgica a animais, então ter um robô de estimação é melhor do que não ter nenhum, mais ainda porque não morre e pode ser desligado para não nos incomodar. Ou seja, um animal de estimação robot é melhor do que um real, porque nos oferece coisas que um ser vivo nunca poderia oferecer: uma espécie de controlo total, sem surpresas e uma relação feita à medida na qual as coisas acontecem exatamente como nós queremos. E esta premissa serve também para a forma como nos relacionamos com as nossas identidades online. O controlo dos relacionamentos é, para a investigadora do MIT, um tema fulcral na era da comunicação digital.

E basta pensarmos um bocadinho para admitir que, muitas vezes, a preferência pelo virtual em detrimento do real acaba por ser uma opção consciente de muitos de nós. Tal como ao escolher um robot para fazer companhia a uma criança, quantos de nós optam pelo tão necessário sentimento de pertença oferecido pelos media sociais, na medida em que “ali” não existem os perigos e os compromissos que as interações numa comunidade “real” encerram? E a autora sabe do que fala porque nas centenas de entrevistas que tem feito observa, mais vezes do que seria normal, um profundo desapontamento com os seres humanos, que têm falhas e são distraídos, carentes e imprevisíveis, ao contrário das máquinas que foram concebidas para não “serem” nenhuma destas coisas.

O texting, os tweets, os emails, as mensagens instantâneas ou os snapchats – uma espécie de torpedos vertiginosamente rápidos próprios da comunicação online – substituíram as conversas face a face

Assim, a talvez maior novidade que salta à vista no novo livro de Turkle – que, desta feita, não tem robots como personagens – é o surgimento de uma insatisfação, crescente, com a tecnologia, a qual foi confessada por muitos dos entrevistados, crianças e jovens incluídos, os quais, ao longo dos últimos cinco anos, serviram de “material humano” para esta sua mais recente investigação, e que a autora interpreta como um “sinal de esperança”.

Escrevendo que o texting, os tweets, os emails, as mensagens instantâneas ou os snapchats – uma espécie de torpedos vertiginosamente rápidos próprios da comunicação online – substituíram as conversas face a face, a especialista em tecnologia e relações humanas afirma também que, talvez pela primeira vez, as pessoas começam a ter alguma noção das suas consequências. “O excesso de confiança nos dispositivos está a danificar a nossa capacidade de termos conversas com valor uns com os outros – a coisa mais ‘humana’ que fazemos – porque o universo digital fragmenta a nossa atenção e diminui a nossa capacidade para a empatia”, pode ler-se revista The Atlantic. De certa forma, o seu mais recente livro pode ser considerado como um alerta para o facto de que “a submissão extasiante às tecnologias digitais conduziu ao atrofio das capacidades humanas, em particular da empatia e da autorreflexão, e que chegou o tempo de nos reafirmarmos, comportarmo-nos como adultos e colocar a tecnologia no seu devido lugar”.

Todavia, o problema é que, para a esmagadora maioria das pessoas, a vida já não faz sentido sem uma ligação ilimitada e contínua aos dispositivos digitais. E tal deve-se ao facto de, aparentemente, tal como uma espécie de lâmpada de Aladino, que nem precisa de ser esfregada, mas apenas ligada, a tecnologia concede, de mão beijada, pelo menos três irresistíveis desejos. “O primeiro é o de que seremos sempre ouvidos; o segundo é o de termos o poder de colocar a nossa atenção ao serviço de qualquer coisa que desejemos e o terceiro, é o de que nunca estaremos sozinhos”, escreve.

A tecnologia oferece-nos ainda um extra: para além de nos servir de consolo, de refúgio, funciona como um amigo que está sempre presente ou como uma apólice de seguro contra o aborrecimento.

Complementarmente e mais generosa do que o próprio Aladino, a tecnologia oferece-nos ainda um extra: para além de nos servir de consolo, de refúgio, funciona como um amigo que está sempre presente ou como uma apólice de seguro contra o aborrecimento. Para além de nos ofertar, basta que o queiramos, uma versão melhor de nós mesmos – aquela que escolhemos mostrar aos nossos seguidores e em que o enfoque pelo que realmente somos é substituído por uma autorrepresentação ideal e pela ânsia do feedback instantâneo. E o que esquecemos, ou em que nem sequer reparamos, é que estes “eus” que idealizamos acabam por deixar os outros, os verdadeiros, completamente sozinhos. Os eus ideais digitais comunicam sem cessar, mas cada vez sentem maior receio em comunicar face a face. “Optamos pelos nossos telefones em vez de escolhermos estar com os outros”, afirma Turkle, e isso acontece nas amizades, nas famílias, nos relacionamentos amorosos e no local de trabalho. E se acontece com os adultos, mais facilmente acontece com os jovens e com as crianças que estão a crescer num ambiente em que os olhos nos olhos estão a ser largamente ultrapassados pelos olhos nos ecrãs.

Mais preocupante ainda é o facto de que muitas das coisas que constituem a essência da humanidade começam a estar seriamente ameaçadas quando optamos por as substituir pela comunicação eletrónica. “Se não nos conseguimos separar dos nossos smartphones, acabamos por ‘consumir’ os outros em ‘bits e pedacinhos’ e é como se os usássemos como peças sobressalentes que suportam os nossos egos frágeis e vulneráveis”, acrescenta ainda. Mas o problema é que “estarmos sozinhos com os nossos telefones é, também, a nova forma de estarmos juntos”, acrescenta ainda Turkle.

Shame on us!?

À primeira vista, e talvez à segunda também, o discurso de Turkle pode parecer meio apocalíptico e até moralista. Afinal, todos nós sabemos que a vida que é exposta, por exemplo, no Facebook - desde os relatos de férias fantásticas, aos feitos individuais que partilhamos com resultados sempre excelentes, às festas a que vamos e onde nos divertimos imenso, entre outras maravilhas similares –é cor-de-rosa demais para ser verdade. Mas, talvez o mais surpreendente, como afirma a investigadora, é que “na ânsia de sermos ouvidos [ou lidos] pelos que estão “longe”, corremos o sério risco de perdermos aqueles que mais perto de nós estão”. Ou seja, publicar fotografias dos nossos lindos filhos, por exemplo, não substitui a nossa presença “verdadeira” nas suas vidas. “Que disparate”, apressamo-nos nós a ripostar. Mas não existirá aqui um fundo de, pelo menos, alguma verdade?

Existe um ciclo, vicioso e que se perpetua, que é preciso quebrar: os pais oferecem telemóveis aos filhos; os filhos aprendem que a batalha da atenção que desejam dos pais não pode ser vencida pois estão a competir com os seus smartphones sofisticados e interessantíssimos, acabando por se refugiarem nos seus próprios telemóveis

No seu livro, Turkle examina todos e cada um dos aspetos da conversação – seja aquela que temos com nós mesmos, com a família e com os amigos, com os professores e parceiros românticos, com colegas e clientes ou com a ‘coisa pública’ alargada – fazendo um excelente trabalho a demonstrar que todos eles sofrem de uma “erosão eletrónica”. E o que mais inquieta na leitura – e que é comprovado por várias entrevistas e experiências que a autora levou a cabo com adultos, mas também com muitas crianças e jovens – é o afastamento e desresponsabilização que muitos pais têm em relação aos seus filhos exatamente porque com tanta coisa “importante” para partilhar, comentar, gostar, com emails de trabalho para responder, com apps a apitar, o smartphone tem, tal como os membros da família que connosco vivem, o seu “prato” à mesa ou o seu lugar nos supostos momentos de lazer em que nos devíamos “contentar” com a mera presença de quem gostamos.

Esta “morte” das conversas em família é uma das secções do livro de Turkle que, pelo menos para os que são pais, obrigará (ou assim se espera) a parar por uns instantes – sem existir necessidade de irem a correr googlar sobre possíveis traumas que estejam a infligir nos seus rebentos – e a ver o filme – não no Netflix, mas na sua própria cabeça – dos que se reúnem todos os dias com os que vivem lá em casa, mas também com os que vivem nas redes sociais.

Para Turkle, existe um ciclo, vicioso e que se perpetua, que é preciso quebrar: “os pais oferecem telemóveis aos filhos; os filhos aprendem que a batalha da atenção que desejam dos pais não pode ser vencida pois estão a competir com os seus smartphones sofisticados e interessantíssimos, acabando por se refugiarem nos seus próprios telemóveis. De seguida, os pais utilizam a absorção dos filhos como permissão para usarem os seus smartphones tanto quanto desejam (…)”.

Razão alguma teria Steve Jobs quando fez saber ao mundo que, em sua casa, o iPad era fruto proibido nas mãos dos filhos.

De acordo com as inúmeras experiências, entrevistas e estudos que tem feito, Turkle não tem pruridos em afirmar que “são muitas as crianças e jovens que estão a crescer sem nunca terem tido uma conversa com os seus pais que não tivesse sido interrompida por um dispositivo digital”. E, mais grave ainda, ao aprenderem que, independentemente do que façam, nunca conseguirão competir com estes “seres tecnológicos preferidos”, as crianças crescem num ambiente não só privado de palavras por parte dos adultos, mas também de contactos visuais duradouros. O mesmo vale para a era dos tablets que, de forma fantástica, conseguem entreter as crianças à hora do jantar e até substituem os pais à cabeceira dos filhos contando-lhes histórias para adormecer. Razão alguma teria Steve Jobs quando fez saber ao mundo que, em sua casa, o iPad era fruto proibido nas mãos dos filhos.

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Colocando todo o ónus nos ombros dos pais – conseguindo que muitos destes se sintam realmente culpados - Turkle afirma que a única forma de quebrar este ciclo é responsabilizar os adultos e recordar-lhes que são eles os mentores dos filhos. Mas, e em simultâneo, a autora também reconhece a dificuldade da adoção de novos comportamentos. “Os (ou pelo menos alguns) pais temem ficar para trás na mestria tecnológica face aos filhos; as conversas com os mais novos exigem tempo e paciência e é muito mais fácil e cómodo demonstrar o amor parental através da publicação de fotos ou ‘gracinhas’ dos filhos nas redes sociais”, ironiza. Mas o que estas atitudes representarão na vida de uns e outros pode vir a não ser facilmente apagado no futuro. Na vida não há “undo” ou “unsubscribe”. E se é para nos sentirmos culpados, que seja mais tarde do que nunca.

Uma app que alerte para um “DO NOT DISTURB”?

Compreender o que está em jogo nesta submissão e utilização viciante dos dispositivos digitais poderá ajudar a alterar os nossos comportamentos, não só para o bem dos nossos descendentes, mas para o nosso próprio bem. Autoestima, capacidade para estarmos sós, confiança, empatia, pensamento crítico e monotasking. No final do livro de Turkle, estas são as mais-valias que poderiam resultar se existisse um dispositivo que nos encorajasse a não estarmos constantemente ligados. Mas um interface desta natureza, escreve, iria ameaçar a esmagadora maioria dos modelos de negócio da indústria tecnológica, cujos lucros gigantescos derivam, diretamente, da força de (a)tração cada vez mais forte que nos mantém colados aos nossos mais fiéis amigos tecnológicos.

Entre inúmeras experiências narradas ao longo de livro, uma delas conta o que aconteceu, num campo de férias, com jovens divididos em dois grupos: aos que era permitido utilizar telemóveis e tablets “normalmente”, e um outro, no qual qualquer dispositivo eletrónico era proibido. Este grupo “device-free” começou por apresentar sintomas próprios de uma “cura para um vício”, com amuos e irritações a pautar os comportamentos dos miúdos nos primeiros dias. Até que, rendendo-se às evidências, acabaram por descobrir que era possível, e muito divertido, conversarem e brincarem entre si sem recurso à tecnologia.

Assim, a especialista em psicologia humana oferece argumentos sólidos que ajudam a compreender a importância de existirem “espaços sagrados” livres de dispositivos digitais – em que a única atividade permitida é a velha conversa, com nós próprios e/ou com os outros, a leitura de histórias em conjunto, um simples jantar sem talher para o telemóvel ou uma sala de estudo com apenas livros e cadernos –, em conjunto com o abandono do mito que nos faz acreditar que o multitasking é imperativo no dias que correm no que respeita à boa produtividade, substituindo-o pelo “unitasking”, o qual nos obriga a concentrar numa tarefa de cada vez e resistir à urgência de endeusarmos o smartphone como a ferramenta universal que tudo consegue substituir.

Em 2014, uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center, comprovou que as pessoas são menos propensas a expressar as suas opiniões nos medias sociais quando temem que os seus seguidores possam discordar delas

E por várias e importantes razões.

Se nos habituámos a acreditar que o tempo em que estamos sós, connosco mesmos, podia ser “curado” e resolvido pela presença da tecnologia, está na altura de nos lembrarmos que essa capacidade para a solidão nos ensina a concentrar, a imaginar e a criar, a ouvirmo-nos a nós próprios e a desenvolvermos o nosso “eu” verdadeiro, competências cruciais para as conversas que mantemos face a face.

Quando falamos com alguém em pessoa somos forçados a reconhecer a sua humanidade ou, por outras palavras, a recuperar a empatia perdida – que nada mais é do que a capacidade de nos colocarmos na pele dos outros e de os reconhecermos como humanos que são, com virtudes e defeitos, e não como seres virtuais que “são muito mais felizes do que nós” e que, por exemplo no Facebook, nos fazem temer contrariar ou discordar dos seus pontos de vista legitimados por um sem número de likes (em 2014, uma pesquisa realizada pelo Pew Research Center comprovou que as pessoas são menos propensas a expressar as suas opiniões nos medias sociais quando temem que os seus seguidores possam discordar delas).

Por outro lado, porque se as tecnologias digitais representam a cura para o aborrecimento, está também comprovado que é nas alturas de tédio que mais desenvolvemos a nossa criatividade e imaginação. E porque a lista já vai longa, a autora sugere veementemente o abandono do multitasking pela concentração numa tarefa só, de cada vez, resistindo à dispersão e fragmentação promovidas constantemente pelos apelos sedutores do universo digital – o “uni” ou “monotasking” é, para a autora, a “the nex big thing”.

“Recuperar a conversação” é a proposta de Sherry Turkle. Em conjunto com a promessa de que, se usarmos a tecnologia com parcimónia, as nossas crianças terão um melhor desenvolvimento, os nossos estudantes aprenderão melhor e os colaboradores terão uma melhor performance, se os seus “mentores” optarem por uma substituição das “salas de chat” por salas de conversas face a face.

Para Turkle, ainda vamos a tempo de corrigir alguns erros e de nos lembrarmos de quem somos – criaturas com história(s), psicologicamente ricas, capazes de terem relacionamentos complexos, de exporem os seus pontos de vista sem temor de serem criticados, que gostam de arriscar e que compreendem que a melhor forma de nos relacionarmos com aqueles de quem gostamos é olhá-los nos olhos.

P.S. para os que chegaram ao fim, sem terem tweetado, snapchatado ou googlado: é favor partilhar este artigo no Facebook. Mas só depois de terem deitado os filhos e lhes terem contado uma história…