Muitos não sabem, mas Gonçalo Castel-Branco, criador do Chefs On Fire, é um cozinheiro de mão-cheia. Ri-se quando lhe perguntamos se já teve vontade de fazer uma perninha no festival: "Não, isso é para gente que sabe o que está a fazer, eu sou um curioso. Sei cozinhar como sei tocar piano, o suficiente para entreter as pessoas de quem gosto".
Foi assim, aliás, que nasceu a ideia do festival. Em 2017 a irmã, a atriz Inês Castel-Branco, pediu-lhe para cozinhar para os amigos na sua festa de anos. "Disse que sim, achava que ia ser uma dúzia de pessoas. Uma semana antes, quando lhe pergunto quantas estavam confirmadas, responde "só 60"."
"Fiquei atrapalhado", lembra Gonçalo, "e expliquei que aquela casa no Alentejo não tinha cozinha para fazer uma refeição para 60 pessoas. Mas pedi-lhe para me mostrar o sítio à volta da casa, vi lá uma árvore engraçada, e resolvi pendurar aí barrigas de porco, borrego e frangos. No chão fiz um buraco e coloquei 20 quilos de vegetais debaixo da terra. Foi tudo cozinhado no fogo. E correu muito bem".
Daí para o Chefs On Fire foi um pulinho. O festival vai na 5.ª edição e, pela primeira vez, decorrerá ao longo de três dias. "Vai ser a maior edição que já fizemos. Entre isso e o novo Palco Espanha, é a edição da consagração do Chefs On Fire como um festival maduro e a última edição antes de nos internacionalizarmos", avança Gonçalo Castel-Branco.
São 27 chefs portugueses, oito com estrelas Michelin, e mais quatro chefs espanhóis, incluindo Begoña Rodrigo, do restaurante La Salita (uma estrela Michelin). O objetivo é passar a ter um palco internacional dedicado a um país diferente em todas as edições, mas para já o Palco Espanha serve também de antecâmara para lançar o festival fora de Portugal. Os locais exatos, tal como os Chef On Fire pop-up, um deles previsto para esta passagem de ano, serão anunciados em breve.
Nesta edição, como na anterior, a oferta será reforçada com 13 bites convidados, "os melhores restaurantes ou pratos que provámos ao longo do ano e que se juntam aos chefs a cozinhar no fogo", onde se incluem algumas das iguarias servidas no Izakaya, Entreposto Assados, Dona, Gunpowder, Lupita e outros.
Ao todo, ao longos dos três dias, entre as 12:00 e as 24:00, serão servidas 7.500 refeições, 60 mil doses, em 40 pontos de comida (na primeira edição havia 15 pontos). Um cartaz de luxo, com pratos exclusivos feitos com os melhores produtos locais, comida lenta preparada durante mais de 24h e cozinhada exclusivamente no fogo.
O programa está todo aqui, este ano ainda com uma novidade: vai ser possível descobrir e conhecer cada um dos chefs acedendo à Coleção Especial da app da Zomato Portugal, inteiramente dedicada ao evento. Além dos chefs e dos pratos que vão criar, vai ser possível avaliar cada experiência e descobrir os restaurantes que eles comandam.
Para participar é possível optar por um bilhete diário (75€ por pessoa) ou por um bilhete para os três dias (200€ por pessoa). As propostas vão de chambão de vaca e cozido de grão fingido a pão ázimo, abóbora, dzikilpak, couve fumada e coentros, passando por camarão da costa, cebola frita e mayo ras el hanout. São mais de 30 pratos à escolha (vegetais, carne, peixe e sobremesas).
Se este é um dos eventos preferidos dos foodies, é também um dia especial para os chefs. "O Chefs On Fire é o maior festival gastronómico que existe em Portugal. Tem uma dinâmica super particular e, como estamos condicionados a cozinhar com o fogo, temos de acrescentar sabor e valor. É um espetáculo, não é só cozinhar num tachinho", diz David Jesus.
David Jesus é chef do Seiva (Leça da Palmeira), - uma homenagem ao pai e ao avô, que foram resineiros -, e vai estar no festival no dia 8, sexta-feira, com um "arroz frito no wok com um croquetezinho de cogumelos, um prato de comida de rua de base asiática, com umas notas fumadas, um pouco de picante e algum cítrico. Um prato bastante guloso", garante.
"Comida descontraída, com sabor e que quando se leva à boca nos faz viajar". Se ser vegan ou vegetariana é uma limitação? "O prazer que se tira da comida não tem a ver com ser proteína ou vegetal, tem a ver com a forma como um produto é cozinhado. A base do sabor são as especiarias, a partir daí podemos construir os sabores que quisermos".
Instinto ou técnica? "Amor", responde. "O que conta é a atitude. Se tiver técnica e não tiver entrega, não serve de nada, é igual". De resto, vai buscar inspiração ao dia-a-dia. "Todos os dias são uma oportunidade para me inspirar, para fazer melhor, para me deixar levar. E é isso que aplico no Seiva, onde não há carta fixa".
Ironias do destino, o seu prato favorito é cabidela.
Arroz de cabidela é também o prato preferido de Marlene Vieira, chef e dona do Marlene (Doca do Jardim do Tabaco, Lisboa), que estará no festival no dia 10, domingo, com "um prato que todos os portugueses conhecem muito bem: arroz de pato". À sua maneira.
Não revela a receita, mas adianta que tem alguns truques de confeção. "É muito uma questão de tempero, de ir colocando os ingredientes num determinado momento da receita. Será um arroz de pato feito em fogo aberto, parecido com aquilo que os espanhóis fazem com a paella. O caldo é o tradicional, mas o arroz é carolino, o mais comum em Portugal. Os patos vão ser curados durante algumas horas, depois secos, ligeiramente maturados em câmara de temperatura controlada. Vão assar muito lentamente no fogo antes de serem fatiados como se faz com o Pato à Pequim", explica.
A chef Marlene já não é novata nestas andanças e, apesar de já estar habituada ao "braço-de-ferro com o fogo", lembra que é sempre desafiante: "A maior dificuldade é o fumo. No final também nós podíamos ser fatiados e servidos, porque estamos feitos num oito", ri.
A cozinha de Marlene Vieira inspira-se nas memórias dos sabores antigos e carateriza-se pelas texturas. "Chamo-lhes camadas de sabor. Mas não gosto de esconder elementos e mascarar sabores, consegue-se sempre desvendar o que está no prato", diz. "Gosto da verdade".
Mais do que nortenha, gosta de se sentir portuguesa e refletir na sua gastronomia essa cultura de forma criativa. "Ficaria um pouco limitada se só trabalhasse a cozinha do Norte. Num país com uma diversidade tão inacreditável isso seria tontice", considera.
Também no domingo, o chef Vasco Coelho Santos, do Euskalduna Studio, premiado com um estrela Michelin, vai levar "trutas de Boticas, da zona de Chaves, que serão cozinhadas num formato meio escandinavo, em tábuas de madeira de pé, e servidas com salada de Verão".
"O Chefs On Fire é o evento em que mais gosto de participar como equipa", afirma. Além disso, "cozinhar com todos os chefs, colegas e amigos, num ambiente descontraído mas profissional, em que saímos da rotina, é sempre divertido. É um dia sem stress". Para Vasco Coelho Santos tudo serve de inspiração, "os bons produtos, as viagens, as culturas, a arte, os colegas, os jantares fora" e, sobretudo, os "ingredientes nacionais". Não é à toa que o seu prato preferido são tripas. "À moda do Porto?", perguntamos. "Não há outras", responde em tom de brincadeira.
Mas nem só da gastronomia vive o Chefs On Fire. Aliada à comida vem a música, quatro bandas por dia. "Adoro música e sinto que a maior parte dos festivais em Portugal obrigam a comer mal, beber mal e estar em filas e numa confusão durante horas só para poder ouvir música. Por isso, o Chefs On Fire nasceu com as duas coisas, quero ter boa música, boa comida, bom vinho e boa cerveja. E o parto já foi assim, em pé de igualdade", diz Gonçalo Castel-Branco.
A seleção dos músicos é feita com o mesmo carinho que com faz a seleção de chefs, embora com mais ajuda. "Para escolher os chefs vou a restaurantes ao longo do ano e convido aqueles de que gosto mais. No caso da música trabalho com uma equipa, a Força de Produção, de Sandra Faria, que todos os anos me propõe nomes. Depois faço a seleção final". O resultado está aí.
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