Um abalo mortal

Inês F. Alves
Inês F. Alves

"Estava tudo a cair à minha volta – garrafas de água, comandos de televisão, o reboco das paredes, com as pedritas a saltar – e fui a correr para a rua, só em boxers, meias e t-shirt, mesmo com temperaturas negativas”. "O terramoto durou mais de um minuto consecutivo, o prédio continuava a tremer”. “Por todo o lado havia revestimentos a cair – tijolo, porcelana, vidro, etc". “Estava tudo em pânico e, como aqui são muçulmanos, só se ouvia gente a gritar ‘Allahu Akbar’, tipo ‘Deus nos ajude’. Não consegui saber muito mais, porque ninguém fala inglês e estava tudo muito aflito, em pânico mesmo”.

O relato é de André Sousa, motociclista português que está a dar a volta ao mundo numa minimoto para obter um recorde e que se encontra atualmente na Turquia.

Esta segunda-feira, 6 de fevereiro, ficará para a história como o dia em que dois terramotos na Turquia deixaram milhares de mortos no país liderado por Recep Tayyip Erdoğan e na vizinha Síria, já muito martirizada por um conflito sem fim à vista. À hora que escrevo este artigo, o balanço soma mais de 3000 mortos, mas teme-se que não fique por aqui.

O que aconteceu?

Um sismo de 7,8 na escala de Richter fez tremer a terra às 04:17 (01:17 em Lisboa), a 33 quilómetros da capital da província de Gaziantep, no sudeste da Turquia, a uma profundidade de 17,9 quilómetros. Seguiram-se dezenas de réplicas e um novo terramoto, já por volta da hora do almoço (10:24 em Portugal), de 7,6 na escala de Richter, a quatro quilómetros de Kahramanmaras.

Os abalos foram de tal ordem que informações oficiais dão conta do colapso de edifícios nas cidades sírias de Alepo e Hama e em Diyarbakir, na Turquia, neste caso a mais de 300 quilómetros do epicentro do sismo. Já segundo correspondentes da Agência France Presse, os sismos foram sentidos também no Líbano e no Chipre.

Fernando Carrilho, chefe de divisão de geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), explica que o sul da Turquia “é marcado por uma situação tectónica particular (…), onde se encontram três placas: Eurásia, a parte oriental de África e a Arábia”. Esta junção "é capaz de acumular energia ou stress para, uma vez libertado, corresponder a magnitudes deste género”. Ainda assim, o sismo hoje registado “é, claramente, acima daquilo que era conhecido”.

Este foi, aliás, um dos mais fortes abalos na região em 100 anos, a par do que abalou Erzincan, no leste da Turquia, em 26 de dezembro de 1939, também com magnitude de 7,8 na escala de Richter. Esse terramoto de 1939 deixou mais de 32.000 mortos e provocou um ‘tsunami’ no Mar Negro, localizado a cerca de 160 quilómetros do epicentro. O histórico faz antever o pior no que diz respeito ao balanço final de mortos, feridos e estragos hoje provocados.

Pode acontecer o mesmo em Portugal?

A ciência ainda não é capaz de prever um sismo de grandes dimensões, confirma Carrilho, e talvez por isso estes abalos ressuscitem sempre os receios históricos de que Portugal venha a viver uma situação semelhante à que ocorreu em 1755.

O chefe de divisão de geofísica do IPMA sublinha, todavia, que estamos a falar de  “ambientes diferentes”. “A forma de contacto entre as placas é diferente, o nível de movimentação entre elas é também diferente. Esta zona leste da Turquia tem uma perigosidade sísmica que é considerada elevada à escala global, em comparação com aquilo que acontece na zona de Portugal continental, onde perigosidade é bastante mais baixa”.

Em contrarrelógio

A Turquia está em suspenso. Sete dias de luto nacional, numa altura em que os meios de emergência se desdobram em operações de resgate. As competições foram suspensas quando são vários os desportistas desaparecidos. Muitas escolas fecharam portas.

Vários países do mundo — e Portugal não foi exceção — ofereceram-se para ajudar, incluindo EUA, Rússia e Ucrânia, um arco solidário improvável nos tempos que correm. Por cá, cabe à Comissão Europeia coordenar o envio de equipas de resgate dos Estados-membros para se juntar às buscas por sobreviventes.

Tal qual papel amachucado, as imagens que nos chegam mostram milhares de edifícios em ruínas. Sobre eles, em contrarrelógio, são milhares aqueles que arregaçam as mangas para que por estes dias também se contem milagres. Hoje, Christian Atsu, ex-jogador do F. C. Porto, que agora alinha pelo Hatayspor, foi resgatado com vida dos escombros e levado para o hospital.

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