Pelo menos 400 imóveis desapareceram no Valle de las Flores, uma área suburbana ao leste da cidade, segundo estimativas do município.

Quispe reconstruiu a sua casa ao pé da encosta, entre as ruínas. E agora, como todos os anos entre novembro e março, estação chuvosa anual e imprevisível com a mudança climática, teme perder tudo novamente.

"Daqui a pouco (isso pode acontecer de novo). Este lugar já não é tão seguro", admite. "A Câmara informou-nos que é uma área vermelha", acrescentou.

Desde novembro, 16 bolivianos perderam a vida devido a deslizamentos de terra e cheias de rios causadas por fortes chuvas, segundo o governo boliviano.

"Temos medo de viver aqui. Aqui em cima, quando chove, transforma-se em lama e pode deslizar", diz Quispe.

Em frente à sua casa, ainda resta metade de um parque onde as crianças costumavam brincar. A outra metade caiu em num precipício.

"Altamente vulnerável"

Os perigos repetem-se na região. Nos últimos dez anos (2015-2024), pelo menos 13.878 pessoas morreram devido a desastres naturais na América Latina e no Caribe, segundo dados da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica.

A América Latina é "altamente vulnerável" à mudança climática, explica o arquiteto Ramiro Rojas, investigador de temas urbanos.

"Podemos pensar que as vulnerabilidades (...) são aumentadas pela vulnerabilidade socioeconómica: desigualdades, altos índices de pobreza e cidades desenvolvidas sem muito planeamento", alerta.

Grandes metrópoles têm áreas altamente sensíveis à mudança climática, observa, como as favelas íngremes do Rio de Janeiro ou partes de Buenos Aires propensas a inundações.

O urbanista Fernando Viviescas, professor da Universidade Nacional da Colômbia, diz que "a construção das cidades latino-americanas se deu num processo no qual o fator climático nunca foi considerado".

Segundo dados da Cepal, 82,7% da população da América Latina vive hoje em áreas urbanas.

La Paz, com altitude média de 3.600 metros, fica numa imensa depressão entre as montanhas do Altiplano e é atravessada por mais de 300 rios e córregos que tornam o solo instável; 18,4% dos imóveis cadastrados estão em áreas de risco "alto" e "muito alto", segundo o município. E outros 44,2% ocupam áreas de "risco moderado".

"As ocupações estão cada vez mais localizadas em áreas mais vulneráveis (...)", como em bacias, encostas íngremes, nas bordas de penhascos ou em áreas de conservação natural, observa Rojas.

"Não há para onde ir"

Perto do Valle de las Flores, numa colina rochosa, sob uma placa amarela que indica "área de risco", Cristina Quispe, 48 anos, de La Paz, vende mantimentos em sua casa.

Os seus vizinhos saíram das suas casas recentemente devido aos danos deixados por um deslizamento de pedras e lama. "Não estou com medo. Estou calma. Não há para onde ir", disse ela à AFP.

A poucos metros de distância, é possível ver os escombros de duas construções cobertas de lama seca. Uma terceira casa está à beira do colapso. A seguinte é a sua.

Segundo Stephanie Weiss, investigadora do Instituto Boliviano de Planeamento Urbano, La Paz não conseguiu resolver seu déficit habitacional. Destaca que os moradores ocupam e constroem informalmente em terrenos vulneráveis, porque sabem que eventualmente poderão "regularizá-los", ou seja, colocar em ordem o que fizeram sem autorização.

Entre maio de 2021 e junho de 2024, três em cada quatro construções aprovadas pelo município de La Paz correspondem a casas construídas sem autorização prévia.

Nas margens do Rio Irpavi,  oito quilómetros a sudeste do centro de La Paz, o mecânico Lucas Morales, de 62 anos, perdeu parte do seu terreno devido à cheia do leito do rio em fevereiro de 2024.

Morales comprou a propriedade em 2010, mas não foi registada na época. Diz que tudo está documentado agora. "Mas como vocês podem ver, hoje está tudo bem, amanhã está destruído. Deram-nos sinal verde para construir, mas em pouco tempo o rio passará por aqui e não pode ser desviado", diz.