Pedro Strecht, coordenador da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, revelou hoje em entrevista à SIC que a lista de abusadores suspeitos vivos e ainda no ativo — que será enviada à CEP até ao final do mês, para que a Igreja atue, e também ao Ministério Público, que decidirá se vai haver ou não investigação criminal consoante os casos — "será claramente superior a uma centena".  Ainda segundo o Pedro Strecht, o número "não andará longe da média de outros estudos, entre 2% a 4% da população ativa de toda a comunidade religiosa de um país".

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica apresentou hoje, em Lisboa, o relatório do trabalho iniciado em 11 de janeiro de 2022.

Esta comissão, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.

Associações de apoio especializado à vítima de violência sexual:

Quebrar o Silêncio (apoio para homens e rapazes vítimas de abusos sexuais)
910 846 589
apoio@quebrarosilencio.pt

Associação de Mulheres Contra a Violência - AMCV
213 802 165
ca@amcv.org.pt

Emancipação, Igualdade e Recuperação - EIR UMAR
914 736 078
eir.centro@gmail.com

Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos no período entre 1950 e 2022, o espaço temporal que abrangeu o trabalho da comissão.

As décadas de 1960, 70 e 80 do século passado foram as que registaram um maior número de casos de abuso sexual no seio da Igreja em Portugal.

A Comissão enviou para o Ministério Público 25 casos de entre os 512 testemunhos validados recebidos ao longo do ano.

A prescrição dos casos, por um lado, e o anonimato por outro, são as principais razões para este reduzido número de casos entregue à Justiça.

A idade média das vítimas é hoje de 52,4 anos, 52,7% são homens, 47,2% são mulheres e 88,5% são residentes em Portugal continental, principalmente nos distritos de Lisboa, Porto, Braga Setúbal e Leiria, “mas os abusos estão espalhados por todo o país”.

Dos abusados, 53% continuam a afirmar-se católicos e 25,8% são católicos praticantes.

A percentagem de licenciados entre as vítimas de abusos é de 32,4%, enquanto 12,9% são pós-graduados.

Em criança, os abusados que deram os seus testemunhos, residiam com os pais (58,6%), 1/5 estavam institucionalizados, enquanto 7,8% pertenciam a famílias monoparentais.

Noventa e sete por cento dos abusadores eram homens e em 77% dos casos padres, além de que em 47% dos casos o abusador fazia parte das relações próximas da criança.

Em 52% dos casos, as vítimas só revelaram o abuso de que foram alvo em média 10 anos depois de ocorrido e em 43% dos casos essa denúncia aconteceu apenas quando contactaram a comissão.

Em 77% dos casos as vítimas nunca apresentaram queixa à igreja e só em 4% dos casos houve lugar a queixa judicial.

Os abusos ocorreram principalmente entre os 10 e os 14 anos de idade (a média era de 11,2 anos, sendo de 11,7 no caso dos rapazes e de 10,5 no das raparigas), 57,2% foram abusados mais do que uma vez e 27,5% referiram que foram vítimas durante mais de um ano.

A maior parte dos abusos ocorreu em seminários (23%), na igreja - em diversos locais, inclusive no altar - (18,8%), no confessionário (14,3%), na casa paroquial (12,9%) e em escolas católicas (6,9%).

No caso dos rapazes, em 77% dos casos o abusador foi um padre.

O arcebispo de Évora assegurou que a igreja “está centrada nas vítimas” de abusos sexuais por parte de elementos do clero e não em si própria, afirmando “tolerância zero” para com os abusadores que ainda exercem.

Na mesma linha, o bispo que preside à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) disse que os padres abusadores não terão lugar na igreja, mas será necessário provar o crime para haver expulsões de clérigos.

Criada por iniciativa da Conferência Episcopal Portuguesa, numa decisão tomada no final de 2021, a Comissão defendeu também a constituição de uma nova “comissão para continuidade do estudo e acompanhamento do tema”, com membros internos e externos à Igreja, referindo que a hierarquia católica portuguesa “é favorável” à posição do Papa na condenação dos abusos.

Foi ainda sugerido que a prescrição dos crimes de abuso aumente para os 30 anos da vítima, pedindo à Assembleia da República a alteração da lei.

O presidente da CEP pediu “perdão a todas as vítimas” e afirmou que o relatório da Comissão “exprime uma dura e trágica realidade: houve, e há, vítimas de abuso sexual provocadas por clérigos”.

Já a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) destacou o “trabalho isento, sério e rigoroso” da Comissão Independente e pediu a adoção de “medidas efetivas”.

Carla Ferreira, em representação da Direção da APAV disse que os números agora divulgados “devem ser encarados muito seriamente” e “mais do que números” - sublinhou – “falam de vítimas”, cujos abusos sexuais sofridos “tiveram um impacto nas suas vidas”.

Também a Província Portuguesa da Companhia de Jesus revelou hoje que, desde 1950, foi apurada a ocorrência de 24 vítimas de casos de abuso sexual de crianças e jovens cometidos por 11 jesuítas e um leigo, todos já falecidos.

*Com Lusa