Ficou exatamente a meio da tabela nas eleições europeias, as primeiras em que participou desde a sua constituição, a nove de abril deste ano. Concorreu coligado com o PPM, o PPV e o Movimento Democracia 21 e conseguiu 1,49% dos votos, quase 50 mil.

André Ventura tem 36 anos, é licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, com a média final de 19 valores, e doutorado em Direito Público pela Universidade Nacional da Irlanda, onde defendeu a tese "Rumo a um novo modelo do sistema de justiça criminal na era do crime globalizado".

Nasceu e cresceu em Mem Martins e confessa que foi ali que sentiu pela primeira vez a clivagem social que agora combate: "Aqueles que não querem fazer nada, que vivem à nossa conta, paredes meias com os que precisam da ajuda do Estado e a quem o Estado falha". Entrou para a política aos 17 anos, mas antes disso queria ser padre e chegou a frequentar como aluno externo e por mais de um ano o Seminário de Penafirme [Seminário de Nossa Senhora da Graça], até se apaixonar por uma colega de turma.

Recusa o rótulo de radical e nega o discurso de ódio. Diz que o espaço político que é seu e que lhe pertence "é o da direita democrática e do centro-direita democrática, de matriz cristã e conservadora", e afirma que a esquerda reage sempre da mesma forma: rotula e "processa" os que têm ideias diferentes das suas.

Na segunda-feira antes das eleições regionais da Madeira, e em vésperas de partir para o Funchal, estava confiante e acreditava que poderia eleger um deputado. "Temos um grupo muito forte na Madeira, acho que vamos conseguir eleger. Aliás, vou para lá tanto tempo porque o resultado pode ser muito importante para o continente. Em teoria, nunca iria perder tanto tempo num único distrito, mas vou lá estar até domingo". Afinal, conseguiu apenas 0,43%, 619 votos.

Antes de avançarmos para as legislativas e para o programa do Chega, como é ficar a 504 votos do necessário para ter subvenção estatal?

Bom, é um sinal claro de que isso vai acontecer agora, porque nas eleições europeias houve 70% de abstenção. Historicamente, as legislativas têm taxas de abstenção menos elevadas, dizem mais às pessoas, são os seus assuntos: impostos, emprego, etc. Se houver 50% de abstenção, superamos os 60 mil votos. Mas o nosso desafio não é a subvenção, o nosso desafio é eleger deputados.

quando me pergunta o que correu mal, penso que o resultado foi muitíssimo bom. Se transpuséssemos os resultados das europeias para as legislativas, elegeríamos um deputado por Lisboa

O que correu mal ao Basta, a coligação às europeias liderada pelo Chega?

Sabe, estive com o Vox esta semana e perguntaram-nos qual tinha sido o resultado nas primeiras eleições a que concorremos. Tínhamos dois meses e obtivemos 1,49%. Não quero falar sem os dados todos, mas acho que nunca aconteceu na Europa um partido ter 1,49% nas primeiras eleições a que concorre. O Vox teve 0,3%, 0,6%, 0,8%, o PAN esteve desaparecido nos primeiros quatro anos. Era o resultado que eu queria? Não. Mas no boletim de voto aparecia uma marca nova. Portanto, quando me pergunta o que correu mal, penso que o resultado foi muitíssimo bom. Se transpuséssemos os resultados das europeias para as legislativas, elegeríamos um deputado por Lisboa. É certo? Não, não é.

Trocaria hoje um debate inter pares sobre política e o país por uma noite de comentário futebolístico na CMTV?

Hoje, atentas as condições de então, faria exactamente a mesma coisa.

Que condições foram essas?

Terem marcado o debate para um dia, depois para outro, primeiro para uma hora, depois para outra, quando eu estava a abdicar de um compromisso que já tinha assumido.

créditos: Rodrigo Mendes / MadreMedia

Ao candidatar-se também assume um compromisso com os eleitores, não? Lembro-me que me disse em entrevista que lamentava que o abordassem quase sempre por ser comentador de futebol e raras vezes por ser político...

É verdade. Mas não fiquei contente pela forma como a televisão pública colocou as coisas. Toda a gente, pelo menos as televisões, sabe que tenho um programa à segunda-feira. Tentámos encontrar uma solução intermédia e chegou-se a uma hora que, afinal, passou a ser outra, mesmo a meio do meu programa. Achei que não tinha sido bem tratado e optei por não estar presente. Desta vez, o debate com os partidos pequenos volta a calhar a uma segunda-feira [30 de Setembro]. Mas as coisas foram feitas com tempo, foram acordadas, e estarei presente.

Disse que era uma "marca nova" no boletim de voto. Como é ser um partido novo no meio de 25?

É muito difícil, porque as instituições têm uma lógica de "quanto menos, melhor" - não interessa a ninguém ver o bolo tão repartido. No nosso caso, acresce o enorme preconceito criado em relação a uma série de situações.

Fui a um debate na Renascença em que a candidata do Bloco de Esquerda não aceitou participar porque eu era racista

Por exemplo?

Fui a um debate na Renascença em que a candidata do Bloco de Esquerda não aceitou participar porque eu era racista e outras tantas coisas. Quando juntamos isso às dificuldades próprias de um partido recém-criado, só com muita força se consegue avançar. O Chega concorre nos 22 círculos eleitorais, o que é extraordinário com os poucos meses que temos. Isto mostra que quanto mais nos atacam, mais reagimos. Esta é uma questão de saúde da democracia e um problema no qual vamos ter de pensar. A nossa democracia nasceu e cresceu muito à volta dos partidos do arco do poder e num determinado momento terá pensado que seria sempre assim, um sistema estável, como o norte-americano ou o inglês. Mas depois a Europa começou a diluir-se em muitos partidos, e penso que o nosso sistema não soube responder a isso. Graças a Deus, hoje temos muitos outros meios, redes sociais, jornais, online... Mesmo assim, reconheço que é ainda mais difícil para quem não tem a presença no mundo metálico que outros têm.

Qual o orçamento de campanha do Chega?

Penso que à volta de 150 mil euros.

Como é financiado?

Como das outras vezes: crowdfunding, doações, apoios e o nosso esforço pessoal, que tem de atender aos limites que a lei estabelece.

Têm tido problemas com o Tribunal Constitucional?

Tivemos problemas com as contas bancárias e fiz um requerimento à Entidade das Contas [e Financiamentos Políticos] porque, imagine, tínhamos uma convenção para fazer - não podíamos ir a eleições sem o congresso feito - e tínhamos de pagar o espaço. Eu sabia, porque sou jurista, que não posso pagar em dinheiro, mas também não tínhamos conta, porque havia uma série de burocracias a cumprir. Pedi que me dessem uma solução. Não têm. Este rol de complicações e burocracias também asfixia a democracia. A abertura de conta no banco não depende só de nós, depende também do banco, por exemplo. O tempo do Tribunal Constitucional não depende de nós, o tempo da Entidade das Contas não depende de nós... O nosso orçamento, na verdade, foi o possível atendendo às circunstâncias.

Os brancos e nulos são um sinal para a nossa democracia, sinal de que as pessoas estão cada vez mais fartas

Votos brancos e nulos ficaram em quarto lugar, acima do PCP, do CDS ou do PAN. Tem uma explicação para isto?

Significa que as pessoas vão lá, mas querem dizer especificamente que não estão contentes. Os que não vão, não sabemos por que motivo não o fazem, podemos apenas adivinhar. Os brancos e nulos são um sinal para a nossa democracia, sinal de que as pessoas estão cada vez mais fartas.

Até quando vamos assistir a esta escalada, como à escalada da abstenção, sem fazer nada? Até onde é que o desequilíbrio é aceitável?

Se calhar, o voto obrigatório podia ser uma solução. Mas temos de pensar por que motivo os dois grandes partidos não têm interesse no voto obrigatório. Na verdade, interessa-lhes manter estes níveis de abstenção - quem não vai votar, não está especialmente mobilizado. Sabe Deus o que aconteceria se todos fossem votar, se o voto fosse obrigatório e as pessoas tivessem consequências por faltar, fosse a nível fiscal, fosse a nível administrativo.

O voto obrigatório podia ser uma solução

Que resultados acredita que teríamos nessas eleições?

Penso que seria imprevisível. O voto obrigatório seria uma boa medida para combater estes níveis tremendos de abstenção, que envergonham uma democracia. A grande maioria do país está-se na tintas para as eleições, e falo contra mim, que tenho a certeza de que qualquer debate de futebol - ou até uma novela - tem o triplo da audiência. Isso diz muito sobre nós. Se puser uma novela à hora de um debate político, ninguém vê o debate, só uma percentagem residual. Isto diz muito sobre o que as pessoas pensam dos políticos e sobre o estado de saúde da democracia: não há espaço para ideias novas. Não me quero queixar, até porque não posso, mas vejo ideias interessantes que gostaria de discutir e de analisar, vindas até de outros partidos, e não passam em lado nenhum. Quem perde é a democracia.

Faltam duas semanas para as eleições e só agora foram publicadas as listas. Na Europa e fora da Europa votaram sem conhecer os candidatos. Afinal, estamos a votar nos membros que compõem as listas, os deputados, ou isto é um equívoco? É interessante pensar nisto e na decisão de Jorge Sampaio de dissolver a Assembleia da República quando se fartou de Santana Lopes como primeiro-ministro, numa altura em que  PS pedia eleições antecipadas porque Santana não tinha sido legitimado nas eleições - e apesar de este ser número dois de Barroso e de Sampaio ter exigido que se mantivessem as políticas de Finanças e Negócios Estrangeiros.

Revirámos o sistema. A verdade é que as pessoas conhecem os líderes do partidos e pouco mais. Votamos a eleição de deputados, mas quem é que sabe quem são os candidatos por Aveiro ou por Faro? As pessoas votam nos partidos, isto tornou-se uma espécie de uma candidatura a primeiro-ministro. E é isso que faz com que os líderes tenham de se andar a matar pelo país como se fossem candidatos a todos os círculos. Estive no PSD muitos anos e, mesmo aí, tirando Lisboa e Porto, o líder tem de estar presente, porque ninguém sabe quem são os candidatos. Quem é eleito deputado, sente-se apenas mais um numa lista: se é eleito em quarto ou quinto, pensa que a coisa até está a correr bem e foi atrás. Se não é eleito, pensa que correu mal para o líder e não passou. Isto é negativo. Agora, em relação ao governo de Santana Lopes e de António Costa e a Jorge Sampaio e Marcelo Rebelo de Sousa é que é completamente diferente: estou convencido de que o professor Marcelo Rebelo de Sousa nunca dissolveria uma Assembleia da República, quanto mais não fosse porque morreria de medo de o fazer.

Acho que a relação entre o professor Marcelo Rebelo de Sousa e o governo foi vergonhosa

Tenho feito sempre esta pergunta: como olha para a relação do presidente da República com o governo?

Acho que a relação entre o professor Marcelo Rebelo de Sousa e o governo foi vergonhosa. Como presidente da área da social-democracia, foi praticamente a mão do governo em tudo, mesmo quando as coisas estavam mal, como durante os incêndios de 2017. Mas durante a crise dos combustíveis, Marcelo Rebelo de Sousa, o homem que fala de tudo, recusou-se a falar várias vezes - até nas questões mais sensíveis, como as da ideologia de género, um despacho que aparece em agosto e que qualquer pessoa criticaria. Também nenhum presidente da República deixaria um governo passar impune em questões como o processo de Tancos. Das duas uma, ou está comprometido, por qualquer razão - e alguns militares apontaram-lhe o dedo - ou tem de tomar uma atitude - o governo teve responsabilidades diretas, um ministro demitiu-se. E a única coisa que ouvimos do professor Marcelo Rebelo de Sousa é "têm de se apurar responsabilidades". Ora, para isso, eu também posso ser presidente da República. Se basta dizer que temos de apurar, temos de saber o que aconteceu e depois vamos dar uns beijinhos, tirar uma fotografias, atiro-me ao mar e volto a dizer que tem de se apurar, qualquer um pode ser [presidente]. A ideia do presidente da República não é essa, é ser um árbitro no sistema. E o presidente deixou de ser um árbitro precisamente porque se tornou uma muleta do governo. O que acontece agora é que tem as principais figuras do Partido Socialista a dizer que querem apoiar o professor Marcelo Rebelo de Sousa - Ferro Rodrigues até já disse: "É o meu candidato". Isto cabe na cabeça de alguém, o presidente da Assembleia da República, de um partido que é o PS, dizer que o antigo líder do PSD é o seu candidato? Olhe, o candidato do Chega à Presidência vai ser forte.

Quem vai ser o candidato do Chega?

Não sabemos ainda, mas vai ser forte.

Ah, é para ficar em suspense... Portugal está hoje melhor ou pior do que há quatro anos?

Penso que há duas situações: a perceção e a realidade. Do ponto de vista da perceção, há uma ideia generalizada de que estamos melhor, que é o que gera este conforto eleitoral. Mas penso que tudo isto é ilusório e que em breve vamos estar a pagar o preço. Todos os índices macroeconómicos mostram que podemos estar numa situação de pré-ruptura ou muito perto da ruptura, o mercado imobiliário está outra vez a dar uma volta significativa, a carga fiscal não pára de aumentar - sinal de que para nos mantermos sustentáveis temos de continuar a ir buscar dinheiro ao bolso dos portugueses. Isto faz-me lembrar muito as eleições de 2009.

José Sócrates era então primeiro-ministro...

Sim, o Eng. José Sócrates era primeiro-primeiro-ministro e foi candidata pelo PSD Manuela Ferreira Leite. Foi dito na altura que estávamos numa situação de pré-ruptura, numa situação económica sensível, mas a perceção era de que não. O Eng. José Sócrates ganhou novamente, sem maioria absoluta, mas com um grande resultado, numa altura em que tinha já se tinham colocado as questões da licenciatura e outras. Dois anos depois começa uma crise, o governo é obrigado a apresentar novas medidas, cai e há eleições antecipadas. Penso que estamos numa situação muito parecida com essa.

penso que o Dr. Rui Rio se quer manter, mas vai ser corrido logo a seguir às eleições, a menos que faça um acordo de governo

Apesar de tudo, nessa altura a direita estava mais forte, ou não?

Bem, para os partidos novos, como o Chega, o Aliança ou até o Iniciativa Liberal, nunca houve uma oportunidade como esta. É um cenário que, provavelmente, nunca mais se vai repetir. Atualmente, o CDS está em desagregação total, duvido que a Dra. Assunção Cristas passe de dia 6 de Outubro. No PSD, penso que o Dr. Rui Rio se quer manter, mas vai ser corrido logo a seguir às eleições, a menos que faça um acordo de governo - e aí não é o Dr. Rui Rio que é corrido, é o PSD que, ao fim de alguns anos, desaparecerá. Mas tudo isto criou para os novos partidos de direita um cenário que não se irá repetir tão cedo. E também é verdade que muitos votos que o CDS está a perder estão a ir para o Aliança e para o Chega. Tenho muito eleitorado, e o Aliança também terá, que vinha do CDS, dirigentes e candidatos que eram do CDS. Nas europeias já se sentiu isso, os votos que tradicionalmente iam para o CDS, mais de 100 mil entre nós e o Aliança, mudaram. O CDS não tem hipótese, esta líder terá de fechar a porta e o partido terá de reorganizar-se numa nova liderança.

O CDS não tem hipótese, esta líder terá de fechar a porta e o partido terá de reorganizar-se numa nova liderança.

O que é que este governo deixa de pior?

A pior carga fiscal de sempre com a aparência de quem lutou pelos direitos da pessoas. É dizer às pessoas que estão muito melhor e ir-lhe ao bolso pelas costas. Diminuíram os impostos directos, mas aumentaram os impostos indirectos. Temos a quinta taxa de IVA mais alta da Europa e uma das mais altas do mundo. E que serviços temos em troca? Ainda hoje vim do Algarve e paguei auto-estrada em todo o lado - estadas que foram pagas pela União Europeia, mas que estamos a pagar novamente. Ontem, no meu comício no Algarve, estava um casal sueco espantado com as nossas taxas - colocámos um gráfico. E ficaram com a ideia que com estas taxas, tudo devia ser grátis. Quando souberam que nada é grátis em Portugal, nem os hospitais, nem a educação, ficaram chocados. E o pior é que não estamos a transferir nada disso para o país, estamos apenas a pagar juros, a pagar dívida.

Perguntas à queima-roupa

O que fazem ou faziam os seus pais?

O meu pai era empresário, a minha mãe era administrativa.

Quem são os seus amigos?

São as pessoas que me acompanham no dia-a-dia fora dos circuitos mediáticos. 

Quem foi o pior primeiro-ministro de todos os tempos?

António Guterres.

Qual o seu maior medo?

Perder eleições.

Qual o seu maior defeito?

Ser obstinado.

Quem é a pessoa que mais admira?

[Pensa] A pessoa que eu mais admiro... Winston Churchill.

Qual a sua maior qualidade?

Ser frontal.

Qual a maior extravagância que já fez?

[Ri] Isso não posso contar.

Qual a pior profissão do mundo?

Guarda prisional.

Se fosse um animal, que animal seria?

Coelho.

Qual a virtude mais sobrevalorizada?

Provavelmente, aquela que a sociedade hoje valoriza mais, e que não deveria valorizar: o sucesso. Acho que hoje se valoriza excessivamente o sucesso, a vários níveis.

Quem não merece uma segunda oportunidade?

António Costa.

Quem foi o melhor presidente da República de sempre?

Ramalho Eanes.

Se fosse uma personagem de ficção, que personagem seria?

O Batman.

Que traço de perfil obrigatório tem de ter alguém para trabalhar consigo?

Ser leal, mas ser também muito trabalhador e determinado.

Qual o seu filme de eleição?

Braveheart [O Desafio do Guerreiro].

O que o faz perder a cabeça?

A incompetência.

O que o deixa feliz?

Os resultados. Quando os resultados são fruto do trabalho.

Um adjecivo para Marcelo Rebelo de Sousa?

Selfie. Mr. Selfie.

Como gostaria de ser lembrado?

Como alguém que tentou acabar com este sistema corrupto em que vivemos.

Com quem nunca faria uma aliança?

Com a maior parte dos intervenientes actuais da política portuguesa.

Com quem faria uma aliança?

Com quem desse garantias de que será capaz de fazer as reformas fundamentais de que o país precisa na justiça, na economia, no emprego, na educação e na saúde.

Descreva a última vez que se irritou.

Quando o Benfica perdeu. Foi terrível...

Tem uma comida de conforto ou de consolo? Qual?

Sushi.

Se fosse primeiro-ministro, qual a sua prioridade - o que mudaria imediatamente quando chegasse ao governo?

Reduzir o número de deputados.

A que político compraria um carro em segunda mão?

A Cavaco Silva.

Falou na saúde e falou na educação. Quais são as ideias do Chega para estas duas áreas?

Comecei a minha atividade política no Algarve com uma visita ao Hospital de Faro. Falei com o enfermeiro chefe de serviço para saber o que se passava, porque toda a gente fala daquele hospital, da falta de condições... Conheci um caso de um indivíduo que teve um acidente num condomínio, magoou um dedo, foi para o Hospital de Faro que, como não tinha especialistas de ortopedia, o transferiu para Lisboa. O processo não correu muito bem, passou tempo de mais, e teve de amputar o dedo. Isto aconteceu num país que tem das cargas fiscais mais elevadas. Não é aceitável. Haverá situações piores, claro que sim, mas eu não vivo no Senegal nem no Burkina Faso, vivo na Europa, num país supostamente desenvolvido e que quer ser um farol. A nossa saúde e a tragédia das cativações gerou isto e isto é o rosto do governo. Mas depois andamos mais preocupados com um sistema de saúde para animais do que para pessoas - e eu adoro animais, mas não acho razoável.

andamos mais preocupados com um sistema de saúde para animais do que para pessoas - e eu adoro animais, mas não acho razoável

Perguntava-lhe sobre as propostas do Chega para a saúde. Quais são as suas medidas, quanto vão custar?

Não temos as medidas por rubricas, porque achamos que isso só é possível quando se tem acesso aos números reais, e não queremos fazer como o Eng. [António] Guterres, que tinha a paixão da educação e 30% ia para a educação, sem saber exactamente o que representavam esses 30%. O que queremos e ter para todos a tal qualidade na saúde que se diz ser só para ricos. Para isso propomos um cheque saúde e seguros de saúde acessíveis a quem não tem condições. Hoje temos muita saúde pública, mas também tamos muita saúde privada. O que queremos é abrir as portas da saúde privada a quem tem menos. Ainda no Hospital de Faro, uma senhora veio falar comigo e contou-me que a mãe, já como muitos anos, tem estado internada, mas agora mandaram-na para casa, claramente porque não tinham espaço para ela. Foram feitas várias reclamações, mas nem uma resposta obteve. Isto não aconteceria num privado. O Chega não partilha aquela lógica de o privado ser melhor do que o publico ou vice-versa, há de tudo em Portugal. Mas se as pessoas tivessem acesso aos privados financiadas pelo Estado, não só conseguiríamos distribuir melhor a oferta, como teríamos um melhor aproveitamento de recursos.

O pagamento será feito ao utente ou à instituição?

O cheque saúde é uma das nossas prioridades e vai ser seguramente este o setor a receber uma das maiores dotações do nosso orçamento. O cheque será pago à instituição, para evitar situações de fraude. E será igual na educação. Por que motivo os pais não hão de poder escolher a escola em que estudam os filhos? Porque é caro. Mas se o Estado gasta um xis por ano por aluno, porque não pode contratualizar isso com a escola que é a opção de cada um? Há um plafond disponibilizado pelo Estado e esse valor pode ser utilizado como quiser, sendo o dinheiro transferido para a escola onde for feita a inscrição. Na saúde e na educação, que serão as duas áreas de maior investimento do Chega, queremos criar uma sinergia ideal entre o privado e o público.

A justiça é uma área que lhe é particularmente cara. O seu programa eleitoral prevê a reforma da justiça; pode explicar os pontos principais?

Não sei que destaque vai dar a isto, mas as nossas questões mantêm-se as mesmas desde o início: esteja em que situação estiver, nem que falte apenas um deputado e, de resto, a esquerda possa até regressar, não vou firmar nunca um acordo enquanto não nos garantirem que a reforma da justiça está em cima da mesa.

E o que é a reforma da justiça?

A reforma da justiça é acabar com as vergonhosas penas que temos. Vergonhosas. Dizem que é extremismo, chama-nos nomes, mas já da outra vez lhe disse que não aceito. Não aceito que Pedro Dias tenha sido condenado a 20 ou 25 anos de prisão, não aceito que a mãe da Joana tenha sido condenada a nove anos de prisão... Não aceito. Na Europa riem-se de nós. Isto não é vingança, como alguns pensam, mas se um crime hediondo se dá como provado - a mãe deu a filha de comer aos porcos - a pena tem de ser exemplar. Penso que enquanto não modernizarmos isto, não avançamos.

Queremos a prisão perpétua por causa de casos como estes - e como Espanha fez agora

E o que seria uma pena exemplar?

Queremos a prisão perpétua por causa de casos como estes - e como Espanha fez agora. Admitimos a revisão de 25 em 25 anos, porque há pessoas que mudam, mas também há que que nunca mudam. Vou dar-lhe um exemplo: os pedófilos da Casa Pia, quantos reconheceram que erraram? E quantos foram condenados? Outro caso por que defendemos o aumento das penas: os incendiários, cujas penas são uma brincadeira. Temos pessoas condenadas a ficar fechadas em casa durante o verão, acha normal? Vi muita gente indignada com a questão do incêndios na Amazónia, mas com o Pinhal de Leiria ninguém se preocupou. Quando dizemos que os incendiários têm de ser considerados terroristas, levanta-se um burburinho. Porque são maluquinhos, coitadinhos, têm de ficar em casa. E nós é que ficamos com a devastação. Destruiram casas, animais, pessoas, a vida de comunidades inteiras para anos. Além disso, temos a reforma para os crimes financeiros e económicos.

Os chamados crimes de colarinho branco...

Aí, mais do que as penas, o tempo que demoram a ser aplicadas. José Sócrates, seja condenado ou absolvido, só vai ter uma decisão quando  a Isabel e eu já estivermos na reforma. E o que me preocupa não é só isso, é o que foi roubado, seja por José Sócrates, seja por Ricardo Salgado ou por qualquer outro envolvido nos processo que temos por aí. Onde está esse dinheiro? Era esse dinheiro que devíamos querer recuperar. Mais do que punir, devíamos querer recuperar. A punição é interessante, mas se for uma punição de quatro ou de três anos ou de coima e pena suspensa, as pessoas vão começar a pensar que o crime compensa. Isto mostra como temos muito pouca cultura de justiça. E as pessoas já se habituaram a isto, e rapidamente preferem passar ao resultado do jogo do Benfica. E a culpa não é dos juizes, não é dos procuradores, é da lei.

temos contribuintes que preferem pagar a ficar envolvidos anos num processo contra a administração fiscal, presos numa emaranhado de burocracia durante anos.

Bem, quando olhamos para os tribunais administrativos, entupidos de processos que levam décadas a resolver, não tenho a certeza de quem é a culpa...

É por isso hoje temos contribuintes que preferem pagar a ficar envolvidos anos num processo contra a administração fiscal, presos numa emaranhado de burocracia durante anos. É um problema de falta de meios, mas também de celeridade da lei. Temos de ser mais rápidos, mesmo que para isso seja preciso cortar algumas garantias. Todos têm de ter objectivos e os objetivos têm de ser cumpridos, tanto juízes, como procuradores, como inspectores. Eu fui inspetor tributário e tinha objetivos para cumprir e era avaliado por isso.

Ah, é daí que vem essa sua veia...

A veia de querer recuperar património. Tenho a experiência de ir buscar dinheiro que foi desviado ou não pago ao Estado e sei as dificuldades que existem nessa matéria.

E quais eram as principais dificuldades que sentia nesse trabalho?

A lei e a falta de meios. No que diz respeito à lei, por exemplo, as regras de prova em matéria fiscal são sempre mais a favor do bandido do que de quem procura o bandido. Chega-se sempre ao momento em que se diz: "Ah, mas esta prova não devia ter sido utilizada neste processo..." E vai tudo por água abaixo e perde-se o trabalho de um ou dois anos. E quem desviou impostos ainda se fica a rir.

E os prémios que são pagos aos trabalhadores, tanto do fisco como da segurança social?

Os prémios são prémios de produtividade, são dados a todos os setores. Não são prémios por multas, são prémios de produtividade fixados em função de objetivos. São a favor disso em todo o lado, porque quem trabalha mais merece ser recompensado. Aliás, o sistema fiscal que temos hoje é todo ao contrário: se trabalhar mais é penalizado, tem de pagar mais. É dos piores sistemas também por isso, pela chamada progressividade nos impostos. Podíamos ter uma taxa única de 15%, mas o que acontece é que uns pagam 15%, outros 20% outros 30%.

A taxa única de 15% é uma das propostas do Iniciativa Liberal.

Oiça, estou a dizer isto há anos. Não digo que fosse igualzinha para todos, pode haver ali uma ou outra distinção, mas a progressividade não faz sentido. Imagine que tem três trabalhos, chega o fim e em vez de pagar uma taxa de 15% ou 20% vai ter de pagar uma taxa de 30%. Não é justo. Trabalha mais, merece ter da parte do Estado a atenção de quem trabalha mais. Sabe por que é que está tudo ao contrário? Porque é ali que se vai buscar mais dinheiro, o dinheiro fundamental para pagar as despesas e privilégios do Estado que andamos a pagar há 40 anos.

Que privilégios?

As subvenções vitalícias, por exemplo, que até me fizeram ir à prisão de Évora falar com Armando Vara.

Foi falar com Armando Vara?

Estive na prisão para pedir, para exigir a Armando Vara que renunciasse à sua subvenção vitalícia. A lista dos beneficiários da subvenção vitalícia foi tornada publica e Armando Vara está lá - tal como Rui Rio, aliás.

Vara foi condenado por crimes contra o Estado e recebe do Estado uma subvenção? Isto é ridículo

Rui Rio não recebe subvenção vitalícia, está suspensa a seu pedido.

Rui Rio não está a receber mas está inscrito, quando deixar de ser líder pode receber. Como é possível o partido ser contra e os líderes estarem na lista? Eles têm direito, mas aquilo não é automático, tiveram de se ir inscrever, tiveram de entregar os papéis. Mas Armando Vara, como Duarte Lima, são dois casos inacreditáveis. Vara foi condenado por crimes contra o Estado e recebe do Estado uma subvenção? Isto é ridículo. Foi-lhe retirado o título honorífico [Ordem do Infante], mas mantiveram-lhe a massa. Qual é o sentido disto?

O que lhe disse Armando Vara?

Não aceitou receber-me. Mas faz algum sentido que alguém que roubou o Estado ou cometeu crimes contra o Estado esteja a receber uma pensão paga pelo Estado? E vai continuar a receber até ao fim da vida. Há quem questione tirar-lhe a subvenção por causa do princípio da confiança... Mas qual confiança? E a confiança que depositámos nele, na gestão da coisa pública?

créditos: Rodrigo Mendes / MadreMedia

No início desta conversa falámos sobre a abstenção, os votos em branco. A sociedade civil tem discutido a reforma do sistema eleitoral, e o Chega tem uma proposta. Qual é?

Queremos reduzir o número de deputados, foi esta a nossa bandeira - além de acabar com as pensões vitalícias, mesmo as que já estão a ser pagas, porque para cortar salários e pensões ninguém se preocupou com a retroatividade. Tenho encontrado em campanha pessoas que combateram no Ultramar e ganham 117 euros de pensão. Como é que o antigo governador de Macau [Vasco Rocha Vieira] está a receber quase 10 mil euros por mês de uma subvenção vitalícia - que não é a pensão, é à parte.

Voltemos aos deputados...

Temos 230, mas quando ligo o canal Parlamento [AR Tv] à tarde - devo ser das poucas pessoas que o faz - estão lá perto de 15 pessoas, nos dias melhores estão 60 ou 70 deputados. Aparecem quando está a comunicação social, aí está o auditório está cheio. Se entrarmos para o Parlamento, seja com um, dois ou três deputados, a primeira proposta que vamos fazer é para reduzir a Assembleia da República. Já sabemos que o PC vem com a história de que isso vai reduzir a representatividade, já sabemos que o PS não vota porque vai diminuir o números de caciques a quem vai distribuir lugares e o PSD a mesma coisa, mas os portugueses vão ficar com esta garantia nossa: no dia a seguir ao Chega entrar no Parlamento é apresentada uma proposta para reduzir o número de deputados até ao limite constitucional. E depois uma proposta de revisão constitucional, para reduzir para 100 o número de deputados.

O discurso de ódio foi a melhor forma que o sistema político encontrou para colocar medo nas pessoas e que me obriga a fazer uma campanha de norte a sul a desmitificar ideias

Disse que a líder do Bloco não aceitou debater consigo por causa do discurso de ódio...

O discurso de ódio foi a melhor forma que o sistema político encontrou para colocar medo nas pessoas e que me obriga a fazer uma campanha de norte a sul a desmitificar ideias.

Então desmistifique, por favor: racismo, xenofobia...

Não sou nada racista. Nem extremista. O único extremismo que tenho é o querer moralizar o sistema político. E não é um extremismo, trata-se do nosso dinheiro. As pessoas estão fartas e se não fizermos algumas coisa, um dia isto acaba mal. E eu não quero que acabe mal, quero que o sistema se reforme por dentro, porque o que tem acontecido é que deixamos os regimes cair de podres, e depois vai à força e à bruta. As pessoas olham para o que se passou em processo como a Operação Marquês ou com Ricardo Salgado ou com a PT e pensam isto está a ir pelo mau caminho, deixam de votar. Os políticos têm de ser os primeiros a dar o exemplo.

O único extremismo que tenho é o querer moralizar o sistema político

Vamos ao racismo...

A questão começou por eu ter dito que havia uma comunidade cigana que tem privilégios que os outros não têm e vive numa espécie de Estado paralelo. Foi isto que eu disse. E que o Estado fecha os olhos ao que se está a passar. Além da subsidio-dependência, que o dados mostram - e eu até podia compreender do ponto de vista socio-económico, temos casamentos com menores, com alguns tribunais a dizer que é tradição, não há problema - com qualquer outro tinha a Polícia Judiciária à porta no dia seguinte -, temos pais que tiram os filhos da escola e ninguém faz nada - eu também teria medo de ir lá, mas se fossem outros no dia seguinte estava lá o tribunal ou a Segurança Social, deixam de pagar casa e está tudo bem - quando se fossem outros levavam uma penhora ou tinham de sair. Em Loures a comunidade cigana tinha todo o tipo de privilégios de casas, alguns até de carros, mas a um quilómetro outros queriam ajuda para os livros dos filhos e não havia. Isso é que me revolta...  Toda a gente diz em surdina o que eu disse alto. Mas esta esquerda, sempre que dizemos estas coisas, reage assim: processa.

Não queremos e nem podemos fechar a porta a quem foge da fome, da guerra, do terrorismo. Mas sobre a imigração também somos muito claros

E quanto à xenofobia?

Não queremos e nem podemos fechar a porta a quem foge da fome, da guerra, do terrorismo. Mas sobre a imigração também somos muito claros - aliás, é por esta razão que tive uma reunião com o Vox, mas não terei com a Alternativa para a Alemanha, um partido da extrema-direita alemã, que defende a ideia de fechar completamente as portas à imigração. Nós, o que queremos é uma política de imigração integrada e para isso tem de haver controlos efetivos. Não podemos deixar entrar de qualquer maneira, sem papéis, sem referências, sem conhecimento, porque um dia vamos ter um problema sério, como já tiveram Espanha, Franca ou a Alemanha. Aliás, é curioso que há quem chegue sem papéis, mas com iPhone. Já fomos um país de emigrantes, também, o que não queremos é aqueles que se vêm aculturar, fazer mal e viver à nossa conta. São estes que não queremos cá.