O que vamos poder ou não dizer nos próximos dez anos? A brincar vale tudo? Se queremos falar de liberdade de expressão e de limites, porque não colocar a batata quente nas mãos de um humorista? Assim foi, e Manuel Cardoso deu o corpo à bala (ou à batata).
Moderado e otimista, não antevê o regresso da inquisição, mas mesmo que esse fosse o caso crê que o resultado seja mais e melhor humor — é o aluno mal comportado da turma que existe em nós. Por outro lado, não acredita que algum dia tenha existido humor sem autocensura — "a comédia é tudo menos uma torrente direta do subconsciente para o exterior. É algo que passa por uma série de crivos e fórmulas e opções de linguagem, que não diria serem autocensura, mas pelo menos são uma grande decantação daquilo que se diz". É possível, defende, "procurar uma sociedade mais justa sem que o humor deixe de existir". Mas também tem haver uma "autocensura sobre a autocensura", para que a "bolha cultural" não iniba o pensamento.
Depois, é favor não infantilizar quem ouve e não entrar em exageros. "Um dos grandes estragos da cultura woke [a cultura de ser socialmente consciente] é a ideia de que as pessoas não conseguem perceber o contexto. E, em segundo lugar, que as pessoas que produzem obras de arte têm de ser moralmente intocáveis".
Costuma dizer-se entre humoristas que “se não estiveres a irritar ninguém, não estás a fazer bem o teu trabalho”, mas e quando é o próprio humorista a acusar o toque? "Às vezes é apelativo também bater no humorista", mas também "é um sinal de alguma fragilidade uma pessoa ser muito defensiva".
Quando olha para a evolução de um humorista, avisa que não é possível "dormir na parada" e vê acrescenta que "evoluir não é ser mais politicamente correto, é ser mais fresco". Isso e não dar por garantido que se tem um público: "[as pessoas] querem que nós as façamos rir, e a partir do momento em que essa evolução deixar de acontecer, vão ouvir outra pessoa."
Achas que nos próximos 10 anos o direito a ofender vai estar comprometido?
Eu acho mais que essa conversa vai ser menos frequente do que foi nos últimos anos. Nos últimos anos essa conversa teve o seu grande pico e acredito mais num compromisso entre a cultura woke e a cultura da liberdade de expressão, porque considero que alguns dos objetivos das duas são os mesmos e que acho que as pessoas razoáveis conseguem encontrar o ideal e perceber que há coisas que não são excludentes. Ou seja, acho que se pode procurar uma sociedade mais justa sem que o humor deixe de existir. E eu acho que o humor nem esteve em ameaça, há diversas plataformas e não me parece que hoje se viva assim tanto um clima de impossibilidade de ofender. O que existe é uma grande capacidade de ter voz por parte de quem se sente ofendido. Parece-me que ambos esses direitos estão a ser tidos em conta.
Num mundo em que se pagam dezenas de milhões ao Dave Chappelle para ter um produto audiovisual em que ele fala sem qualquer tipo de limite durante uma hora... não me parece que seja um mundo em que não se possa dizer nada. Claro que há alguns casos e algumas perseguições laborais e algum assédio ou ânsia de ir pesquisar e recuperar coisas que se disse no passado e isso parece-me uma parte tóxica da cultura woke, sem dúvida — ou pode até ser isso o objetivo da cultura woke, mas eu acho que não. Também há uma parte que passa por diversificar as vozes no espaço mediático e isso é bom, é algo com que me posso identificar.
Penso que na próxima década podemos chegar mais rapidamente a um consenso ou normalização, onde toda a gente tem a sua voz. “Ok, este discurso é antiquado”, mas alguém pode continuar a dizê-lo, apesar de já todos termos concordado que é antiquado, porque já não é perigoso e claramente já foi debatido o suficiente para percebermos que não faz sentido. Portanto, acho que não vem aí uma próxima década de maior ameaça, mas sim de mais conteúdos e de continuar a haver discussão. Não me parece que vamos viver uma época de inquisição.
"Na comédia "tem de haver autocensura sobre a autocensura""
O que aconteceu nos últimos anos levou a que os humoristas, e não só os humoristas, acho que todos nós, tenhamos mais autocensura — e isso se calhar não é uma coisa assim tão má. Pelo que estou a perceber daquilo que me estás a dizer, essa cultura woke também te ajuda a refletir um bocadinho sobre as coisas que dizemos ou fazemos, e que isso se calhar pode não ser uma coisa assim tão má.
Eu acho que sempre houve autocensura nos humoristas, no sentido em que a comédia é tudo menos uma torrente direta do subconsciente para o exterior. É algo que passa por uma série de crivos, fórmulas e opções de linguagem que não diria ser autocensura, mas pelo menos é uma grande decantação daquilo que se diz. E a autocensura não é uma coisa má, claro que não. As pessoas que dizem “um dos meus traços de personalidade é ser frontal”, eu digo que essas pessoas são o tipo de pessoas que tu não queres ter num jantar de amigos. Agora, tem de haver uma autocensura sobre a autocensura também, ou seja, será que a bolha cultural em que eu me insiro me impede de chegar a raciocínios que são engraçados e que só não quero explorar porque já estou a dizer “não vou por aí?”. Eu acho que o problema não é o infringir as regras por si, mas o infringir as regras porque é importante. Acho que o facto de haver pelo menos uma ideia de uma cultura um pouco mais censora até vai produzir melhor comédia, porque existindo uma sensação de censura, existe também uma sensação de, tal como o aluno mais mal comportado da turma que se quer meter com o professor mais austero, tentar furar essa barreira. Tem de haver uma autocensura sobre a autocensura, temos de, obviamente, tentar procurar novos ângulos e novas coisas que ainda não foram ditas, para também sermos disruptivos. Coisas que se dizem há 100 anos e com ângulos muito batidos, não é ser disruptivo e depois é normal que as pessoas também digam: “Ok, já ouvi isso e isso não é propriamente ser um rebelde cultural, isso é repetir o que já foi dito”.
Deduzo, daquilo que temos estado aqui a falar, que não aches que nenhum humorista vá ser preso nos próximos 10 anos.
Eu acho que depende muito do país, certamente em alguns países há de ser. Em Inglaterra, por exemplo, houve aquele caso do humorista que pôs o cão a fazer a saudação Nazi e foi processado. Por acaso não acompanhei o desfecho, mas acho que foi condenado. Sinto que obviamente isso não é minimamente aceitável e que isto é um caso concreto. Por outro lado, muitas vezes também, dentro da era das bolhas, há uma ideia de querer manter uma suspeita sobre este futuro, ou sobre este presente censor. Quando se dá, por exemplo, uma noticia que diz que a universidade de Minneapolis sugere aos utilizadores da sua biblioteca que não utilizem certos livros. Normalmente isso são pequenos casos, coisas que alguém sugeriu e logo de imediato outro alguém pode até ter dito que não se ia fazer isso. Mas ao partilhar a notícia parece que vivemos numa época de nova inquisição. Eu acho que é diferente. Na era da inquisição havia uma perseguição física e política e agora é mais um combate ideológico entre quem considera que aquilo que se escreveu no passado e as ideias de autores do passado devem ser ligadas ao autor em si, é um bocado uma infantilização. Há pouco tempo era a Harper Lee que já não se podia ler, isso é uma infantilização do leitor, porque muitas vezes estamos a falar de livros ou de filmes e é uma infantilização no sentido de dizer que muitas vezes quem consome esses conteúdos pode não perceber que isso era uma visão de quem...
Como com o Joker agora...
Por acaso isto deve ser muito desagradável de dizer como humorista, mas eu ainda não vi o filme e, portanto, não posso concordar contigo. Mas sim, há uma infantilização em dizer que não se pode mostrar algo porque as pessoas não têm a capacidade de perceber o contexto. E isso aí é talvez um dos grandes estragos da cultura woke, é a ideia de que as pessoas não conseguem perceber o contexto, e em segundo lugar de que as pessoas que produzem obras de arte têm de ser pessoas moralmente inatacáveis, como agora aconteceu com a J.K Rowling, penso que por causa de um caso de despedimento que tinha a ver, alegadamente, com um ato de transfobia. Muitas pessoas devem ter queimado “O cálice de fogo” ou “A ordem de Fénix”. Isso acho que são atos um pouco fúteis, não é por lixarmos uma milionária inglesa que vamos mudar o mundo, mas por outro lado, nós os humoristas também não podemos “dormir na parada” e considerar que não devemos evoluir. E evoluir não é ser mais politicamente correto, é ser mais fresco, acho que é esse o meu ponto.
Mas achas que os humoristas têm, é uma expressão mais anglo-saxónica do que portuguesa, "a pele fina”, ou seja, são muito suscetíveis e reagem mal às críticas?
Eu acho que não, acho que não podemos generalizar que os humoristas portugueses ou os humoristas no geral sejam...
Estou a dizer isto porque normalmente há muito aquela conversa de que se eu fizer uma piada e alguém reagir mal a justificação é que de estou a usar a minha liberdade de expressão e é só uma piada. Mas por outro lado fico ofendido se alguém me vier dizer "a tua piada não presta, ou és assim e assado". Essa conversa tu sabes que existe, principalmente nas redes sociais.
Sim, sim, especialmente no Twitter e por aí. Obviamente que uma pessoa tem duas opções quando o seu trabalho é criticado que é responder ou não responder. Não há nenhuma opção certa por decreto, mas, por um lado eu acho que há uma valorização excessiva do papel do humorista, tendo em conta algumas criticas ou o trabalho que se tem a criticá-lo. [O humorista] não é um elemento central da sociedade, não é um elemento com responsabilidade, não é sequer um elemento em que as pessoas tomem o que faz como verdade absoluta. Ou seja, há um contexto e o contexto é o da comédia e sinto que às vezes é apelativo também bater no humorista. Por outro lado, também acho que as pessoas reagem um bocado mal — e se calhar por uma cena mais patológica, porque nós trabalhamos com coisas quem têm uma ligação direta ao nosso ego e há pessoas que não conseguem separar isso bem.
"O humor pode mudar mentalidades, isso pode ser uma das várias consequências da comédia, e sobretudo uma mais involuntária do que o principal objetivo que é ter graça."
Vocês estão num negócio muito difícil, estão num negócio de querer ser amados, mas ao mesmo tempo é muito difícil ter unanimidade enquanto humorista.
Sim, por acaso há uma frase que se diz mito que é “se não estiveres a irritar ninguém, não estás a fazer bem o teu trabalho”. É uma frase muito defensiva que nós utilizamos, quando na verdade o certo seria que toda a gente gostasse de nós. O problema é que quando um humorista está a ser atacado e depois responde de forma muito defensiva, isso é sair da persona, porque está a ser muito defensivo e pode estar a levar-se muito a sério, e logo isso pode ser motivo também de humor. Quando damos uma alcunha a um amigo e ele começa a ser muito defensivo a dizer “epá, não me digam isso”, vai ser gozado. É um sinal de alguma fragilidade uma pessoa ser muito defensiva, eu considero que é uma reação normal, mas não nos ajuda muito. Se calhar aquartelamos as pessoas que já concordam connosco à nossa volta e portanto isto acaba por ser no fundo uma luta de bolhas também, porque há a bolha que critica os humoristas e existe também uma bolha que tem um pé atrás com o humor em Portugal, o que é uma coisa que não se pode censurar também.
Antes, havia a bolha do humor em Portugal e depois havia algumas pessoas que tinham os DVD’s de Seinfield ou de Carlin, do que fosse. Agora, uma pessoa está a ver um vídeo no YouTube de um humorista português ou de um profissional de stand up e depois está a ver na Netflix um dos comediantes mais experientes do mundo. Portanto, isto na próxima década também vai ser uma batalha do humor em Portugal, que irá reger-se pelos mesmos níveis de exigência do humor internacional. Antevejo também um humor mais global, aparecerão também bons comediantes da Ásia ou de outros mercados emergentes. Para Portugal acho que seria mais proveitoso ver a comédia de uma forma não apenas virada para o público português, mas virada para o público dos Estados Unidos e de Inglaterra. Até porque só temos 20 anos de stand up em Portugal, e inclusivamente com algumas intermitências. Sem um comedy club vai ser difícil e por isso também espero que na próxima década abram um, porque é importante. Tendo em conta que Lisboa já se tornou uma cidade com grande afluência de turistas, era bom que houvesse um comedy club e uma cultura de atuar diariamente, como fazem os grandes nomes. Não me parece que nos Estados Unidos não aconteça um grande nome não ir a comedy club. Até pode acontecer, mas aqueles que eu admiro trabalham o seu texto em comedy club, vendo a comédia como uma coisa de trabalho e não de inspiração ou como algo do género “eu tenho aqui o meu público e ele quer-me ouvir”, ou seja, no fundo não dar como garantido que existem pessoas a querer-nos ouvir, porque não querem. Querem que nós as façamos rir, e a partir do momento em que essa evolução deixar de acontecer, vão ouvir outra pessoa penso eu.
Tu trabalhas com o Ricardo Araújo Pereira. Ele tem sido a pessoa mais vocal a dizer que o humor não tem impacto na política e dá muito o exemplo do Donald Trump quando diz que foi o político mais escrutinado, ou satirizado, melhor dizendo, e que mesmo assim ganhou uma eleição. Não obstante, é sabido que existe um sketch dele em que faz de professor Marcelo, antes do referendo contra o aborto, e que há muita gente que diz que foi importante para consciencializar as pessoas. Também vivemos um especial da Porta dos Fundos na Netflix é atacado por gozar com Deus e a religião — e estamos a gravar isto no dia seguinte ao Ricky Gervais ter feito um discurso na entrega dos Globos de Ouro em que basicamente criticou toda a elite de Hollywood. Posto isto, a pergunta que eu te faço é: qual é que achas que vai ser o papel do humor na liberdade de expressão e, se quiseres, na cultura pop dos próximos anos? Por um lado, há quem desvalorize aquilo que é dito e feito e por outro claramente que isso tem um impacto na vida das pessoas e que aborrece pessoas, e que se calhar até pode ajudar a mudar mentalidades. Por exemplo, se este vídeo do Ricky Gervais se viralizar agora vai pôr as pessoas a pensar.
Eu acho que, em primeiro lugar, o humor pode mudar mentalidades, isso pode ser uma das várias consequências da comédia, e sobretudo uma mais involuntária do que o principal objetivo que é ter graça.
Realmente no humor há, não em todos os humoristas, só em alguns, uma desresponsabilização de “não, eu estou só aqui a fazer piadas”.
Porque não é um objetivo principal [mudar mentalidades ou ter outro impacto]. O que é giro é o Ricky Gervais parecer que não quer saber do que está a dizer — tanto que ele, na minha opinião, tem muito menos graça quando fala dos direitos dos animais, que são importantes, mas onde assume uma posição tão política e tão pregadora que, por muito que sejam causas legítimas, eu aí não lhe ligo muito porque não é por isso que eu sigo o Ricky Gervais. Eu sigo-o por ele dizer aquilo que ninguém na sala está a dizer, porque vai criar aquele ambiente meio esquisito. Ao mesmo tempo tenho uma admiração por ter sido assertivo, que foi o que neste caso ele fez ao falar destes privilegiados, tal como ele, para quem a vida mudou zero desde a eleição do Trump.
Ou desde os incêndios na Austrália. Quer dizer, se calhar para alguns até mudou alguma coisa, porque têm propriedades lá.
Sim, podem gostar muito de cangurus, pode haver algumas ligações emocionais, mas a maior parte das vezes eles [atores, comediantes] vivem também numa bolha. Ele está ali a desmascarar o facto de haver algum aproveitamento de causas. Estas pessoas precisam de trabalho na área, no meio, e para terem trabalho no meio, para serem admirados, têm de estar do lado certo da história. Não que isso tenha mal. Por exemplo, o Trump fala muito sobre os atores de Hollywood e questiona o que é que eles têm a dizer. Na verdade têm bastante, são agentes culturais e, portanto, devem ter muito a dizer sobre política. Só que obviamente há momentos em que parece um pouco oportunismo.
Mas voltando à questão sobre o poder do humor, lá está, o sketch do aborto, pode ter tido alguma influência — porque em princípio na altura se tornou viral — e ao satirizar um dos lados da questão acaba por apoiar o outro. Eu penso que eles os quatro, os Gato Fedorento, na altura, declararam-se a favor do 'sim' nesse referendo, mas, eu acho que funcionou porque se estava a satirizar uma das posições. Não tenho nenhuma dúvida de que no processo criativo desse sketch não esteve de modo algum em causa dizer “vamos agora mudar o sentido do voto. Nós, com um programa que tem 1 milhão [de pessoas a ver], temos aqui oportunidade de mudar o sentido do voto”. Já no “Diz que é uma espécie de magazine”, e em todos os programas onde eles falavam de política, eles satirizavam ambos os lados, e não me parece que estivesse em causa apoiar o lado que eles apoiavam para ganhar eleições. Não iriam deixar de fazer um sketch que fosse engraçado. Uma pessoa pode mudar a sua posição política por causa de imensas coisas, pode começar a ver uma série, por exemplo. Eu agora estou a ver uma série chamada “Succession”, que no fundo é uma crítica ao estilo de vida, ao poder desmesurado dos bilionários, dos enormes grupos de comunicação, dos conglomerados empresariais que têm demasiado poder político.
Dizem que é inspirado na família Murdock
O objetivo daquilo é entreter. Não me parece que a HBO tenha comprado porque agora as pessoas vão sair à rua com tochas e matar os habitantes e os trabalhadores de Silicon Valley, e os bilionários um pouco por toda a América. Não foi esse o objetivo, é uma boa história, se calhar apela a uma parte do público mais liberal, mais progressista, mais reformista, mas não é esse o objetivo [de mobilizar as pessoas]. O objetivo é ser uma grande história, uma coisa que agarre, e o humor é uma coisa que faça rir, nunca é o primeiro objetivo.
Então achas que nos próximos 10 anos, o papel do humor na liberdade de expressão vai ser exatamente o mesmo que existiu nos 100 anos anteriores?
Eu espero que seja uma espécie de farol. Em princípio, aquilo que o Ricky Gervais fez ontem é o mais comboio desenfreado que uma celebridade pode ser, e é bom que isso exista. Mas também acho que não houve grandes alterações: por exemplo, agora estamos a falar da “Porta dos Fundos”, em 2019 ou 2020, e eu recordo que o “Life of Brian” é de 1980 e houve a mesma polémica. Em quase todas as décadas houve uma polémica por ser fazer humor sobre religião, e não sei se vai mudar muito — depende também de como é que vai ser a política nos próximos 10 anos, se vai haver uma grande mudança, ou se vai ser mais uma continuação da ascensão dos populismos. Em princípio, o que não vai parar é a criação de enormes bolhas e de as pessoas viverem nas suas bolhas. Em princípio haverá para cada atitude ou para cada pensamento um humorista que fale para essa bolha. Lá está, essa ideia de o Trump ser eleito com imensa sátira ou que um Daily Show com o John Stewart foi mais popular quando o Bush foi eleito no meio de uma guerra com vantagem, é a ideia de que normalmente estamos a pregar a convertidos. Ou seja, o humor funciona muito bem para efetivar e para sublinhar coisas que já à partida pensamos ou tendemos a pensar — e para irritar quem já pensava o contrário à partida. Tanto que, por exemplo, quando uma pessoa vê críticas muito violentas na internet a humoristas, por causa de uma piada, quer seja sobre futebol, quer seja sobre política, espero que quem faz esse tipo de comentários tenha a noção disto que eu vou dizer que é: é muito rápido clicar no perfil dessa pessoa e perceber em poucos segundos de onde é que vem esse viés. Há dados que nos levem a dizer porque é que esta pessoa está tão irritada — não é porque é uma má piada, até porque podia ser, não porque é insultuoso, mas porque é uma contestação à sua mundividência. Quando é violento, normalmente é por isso.
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