“Penso que não é possível fazer uma estimativa prévia, mas serão largas centenas de processos que terão de ser reanalisados. Como a amnistia não é de aplicação automática, quer dizer que, quer os magistrados do Ministério Público, quer os juízes titulares dos processos, terão de fazer uma análise”, disse à Lusa o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ).
António Marçal sublinhou que um número significativo das pessoas que podem beneficiar da lei estão a cumprir pena por um conjunto de crimes, o que implica a eventual realização de cúmulo jurídico para determinar nova pena: “E isso não pode ser feito no imediato, até porque amanhã [sexta-feira] haverá também outros processos com igual urgência que têm de ser garantidos”.
No mesmo sentido reagiu a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), a quem cabe, nas diferentes prisões, executar os mandados de libertação emitidos pelos tribunais.
“É prematuro avançar com um número de pessoas privadas da liberdade que podem vir a beneficiar do perdão de penas e da amnistia e, no imediato, sair em liberdade, uma vez que a projeção de qualquer valor é complexa de fazer, atento o facto de as decisões judiciais que serão tomadas se balizarem num limite de idade e no cruzamento de múltiplas variáveis jurídico-penais”, explicou o organismo em resposta enviada à Lusa.
A entrada em vigor da lei da amnistia fica ainda marcada por um incidente entre a Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) e os juízes, conforme avançou hoje o jornal Público.
Num ofício-circular emitido na terça-feira, a diretora-geral do organismo, Isabel Namora, indicou que as diligências para identificar e tramitar os processos abrangidos por esta lei deverão estar concluídas antes da entrada em vigor da amnistia.
No referido ofício, a DGAJ reforçava ainda que os eventuais mandados de libertação deveriam ser emitidos e enviados ao respetivo estabelecimento prisional até ao dia de hoje, produzindo efeitos em 01 de setembro, data da entrada em vigor da lei, “de forma a garantir a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias” das pessoas abrangidas pela amnistia e perdão de pena.
Contudo, as instruções mereceram o repúdio dos magistrados, com diversos presidentes de comarca a insurgirem-se e a Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP) a recordar que esta matéria é competência jurisdicional.
“As instruções constantes do referido ofício-circular são ilegais e devem ser retiradas”, notou a ASJP.
Já o Conselho Superior da Magistratura (CSM) reuniu-se de urgência na quarta-feira e apontou uma “inusitada interferência nos poderes de direção do tribunal que competem aos presidentes das comarcas” e nas competências dos juízes desses processos
Segundo a deliberação, o CSM disse “compreender integralmente a reação” dos presidentes das comarcas e manifestou “total confiança” na aplicação da lei pelos tribunais.
O organismo sublinhou também que uma decisão judicial “só deverá, naturalmente, ocorrer após a entrada em vigor da lei” e apelou à articulação entre as várias entidades “por forma a evitar no futuro incidentes como o registado”.
A Lusa questionou o Ministério da Justiça sobre esta situação, mas até ao momento ainda não obteve uma resposta.
Em causa nesta lei estão crimes e infrações praticados até 19 de junho por jovens entre 16 e 30 anos, determinando-se um perdão de um ano para todas as penas até oito anos de prisão.
Está ainda previsto um regime de amnistia para as contraordenações com coima máxima aplicável até 1.000 euros e as infrações penais cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou 120 dias de pena de multa.
A lei compreende exceções, não beneficiando, nomeadamente, quem tiver praticado crimes de homicídio, infanticídio, violência doméstica, maus-tratos, ofensa à integridade de física grave, mutilação genital feminina, ofensa à integridade física qualificada, casamento forçado, sequestro, contra a liberdade e autodeterminação sexual, extorsão, discriminação e incitamento ao ódio e à violência, tráfico de influência, branqueamento ou corrupção.
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