O “Relatório de uma sondagem de opinião em Madrid e Barcelona sobre a situação política de Portugal”, com a epígrafe “USO RESERVADO” na primeira página, viu a luz este ano, quando o Centro de Investigações Sociológicas (CIS) de Espanha decidiu tornar públicos todos os documentos que tinha sob sua tutela que estavam reservados e, em alguns casos, ignorados, porque “nunca se tinham aberto as caixas em que estavam há muito tempo”, explica à Lusa o presidente do organismo, José Félix Tezanos.
A decisão de divulgar esses documentos surgiu a propósito dos 60 anos de história do CIS, que é o sucessor do Instituto de Opinião Pública fundado em 1963.
A sondagem sobre a Revolução dos Cravos (25 de abril de 1974) foi feita em Madrid e Barcelona, em 08 e 09 de outubro de 1974, uma semana depois da demissão do general António de Spínola da Presidência da República.
O inquérito, com cinco questões, perguntou a 1.102 pessoas se sabiam em que país tinha havido uma revolução em abril, se sentiam simpatia ou antipatia com os acontecimentos em Portugal, se pensavam que a mudança beneficiaria ou prejudicaria o país e se as opiniões em relação à revolução portuguesa tinham mudado após a demissão de Spínola.
“Em geral, são os varões, os jovens, os indivíduos com um nível mais alto de educação e procedentes dos estratos sociais superiores, assim como os habitantes de Barcelona, quem estão melhor informados e também sentem maior simpatia e otimismo em relação às mudanças políticas que se estão a operar em Portugal”, lê-se nas conclusões do relatório da sondagem.
Numa sociedade, a espanhola, ainda sob ditadura, com censura e limitações à liberdade de imprensa, foram 48% aqueles que disseram saber que tinha havido uma mudança política em Portugal. Dentro destes, a maioria simpatizava com a revolução.
“Havia um elemento de inquietação”, explica José Félix Tezanos, que acrescenta: “Sabia-se que a sociedade espanhola estava a evoluir, que uma parte da sociedade espanhola, alguns meios de comunicação, olhavam para Portugal com simpatia”.
A sondagem foi feita na sequência da demissão de Spínola, provavelmente, por naquele momento haver uma preocupação acrescida, “com a possível deriva da revolução”, que inicialmente se viu como “democrática, europeísta e, num determinado momento, surge a preocupação de se teria outra evolução mais radical”, sugere José Félix Tezanos.
No entanto, acrescenta, “a opinião pública espanhola, de Madrid e de Barcelona, as grandes cidades”, continuava, em outubro de 1974, cinco meses após a revolução, a ver “com simpatia esse movimento de liberdade, até com inveja”.
“Penso que havia uma inveja saudável nesse momento”, diz José Félix Tezanos, nascido em Santander em 1946 e que tem boa memória dessa época, em que muitos espanhóis, como ele, viajaram para Portugal para ver no terreno “o movimento de liberdade” que ali estava em curso.
O relatório acabou por não se publicar e, como outros que se fizeram naquela altura, só os membros do Governo do general Franco tiveram acesso ao documento.
A conclusão “claríssima” da sondagem, segundo Tezanos, poderá ter preocupado os governantes espanhóis, mas é provável que, em 1974, quando Franco estava já no final da vida, e após décadas de ditadura, não fosse assim para todos, porque o regime espanhol daquela época já tinha no seu interior os designados reformistas, que acabaram por estar entre os protagonistas da transição de Espanha para a democracia.
“O que vemos é jovens, idades intermédias, com estudos superiores, nas cidades de Madrid e Barcelona, a parte mais dinâmica da sociedade espanhola”, a simpatizar com a revolução portuguesa, que acabava de forma pacífica com uma ditadura, e possivelmente os reformistas do regime, “não viam isto com preocupação”, afirma.
“Na verdade, eu penso que isto teve influência ulteriormente, na forma de encarar a transição democrática [espanhola], que foi muito alentada por pessoas que vinham do regime”, defende.
José Félix Tezanos lembra, a este propósito, o “dado curioso” de ser “a partir desse momento” que em Espanha se pedem estudos a constitucionalistas para perceber se seria possível, “a partir das leis do regime, evoluir para uma democracia”.
“Vários estudos confirmaram que sim” e, em 1978, Espanha teve uma nova Constituição que reinstaurou a democracia no país, também neste caso, de forma pacífica.
Os dados da sondagem “secreta” sobre o 25 de Abril foram tornados públicos agora, em colaboração com a Embaixada de Portugal em Madrid, dado o caráter histórico do documento, como contribuição para a Programação Cultural Conjunta entre Portugal e Espanha, acordada no contexto das celebrações dos 50 anos do 25 de Abril (que se cumprem em 2024).
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