“Há vários cenários em aberto porque há uma grande incerteza acerca dos resultados finais”, diz-nos Marco Lisi, do departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH-NOVA). Antes do atentado da noite de quinta-feira, 20 de abril, Marco dizia-nos ser “pouco provável que Marine Le Pen ganhe na segunda volta”.
Já na manhã de sexta-feira, depois do atentado, diz ser “difícil analisar os efeitos dos recentes acontecimentos sem ter dados disponíveis". Porém, explica, “normalmente este tipo de eventos não têm um grande impacto nos [eleitores] que já formaram uma opinião sobre o voto de domingo, mas pode haver um efeito a nível da mobilização”.
Não querendo adivinhar em que direção - “se favorável aos candidatos da esquerda ou direita” - o eleitorado se pode mobilizar, Marco Lisi diz que “este tema [atentados vs segurança] à partida favorece a Le Pen, que tem conseguido ‘apropriar-se’ do mesmo mais do que outros candidatos. Considerando que nas sondagens o desempenho da Le Pen tem sido em ligeira diminuição (ou pelo menos não conseguiu descolar), isto pode reequilibrar os resultados a seu favor”, diz.
E precisamente sobre as sondagens, o professor de Ciência Política é categórico: “tudo é possível considerando o elevado número de abstencionistas”. Mas há mais elementos nesta delicada equação: “é difícil analisar o comportamento dos eleitores porque há vários candidatos ‘atípicos’ e relativamente pouco conhecido”. Lisi sublinha ainda o facto de ser “a primeira vez que nas eleições francesas o presidente incumbente não se recandidata”.
Tudo isto faz com que seja “muito difícil para as sondagens acompanhar e medir o sentido de opinião dos eleitores.”
Independentemente do resultado das próximas eleições, “para a Europa as consequências serão sempre negativas; para Portugal é difícil prever”, explica ao SAPO24 o professor de Ciência Política da Universidade Nova de Lisboa.
Porém, há problemas a que futuro presidente francês não pode fugir: “qualquer que seja o vencedor não vai ter uma tarefa fácil. É provável que possa emergir um cenário parecido com o da coabitação, pois há fortes candidatos (como Macron) que podem ter um peso parlamentar relevante (e bastante imprevisível).”
A coabitação aconteceu apenas três vezes desde a Segunda Guerra. É a palavra que os franceses encontraram para a situação em que o presidente (eleito em abril/maio) não encontra apoio nas eleições para o Parlamento (junho). Quer isto dizer que apesar de o presidente ser eleito e nomear o primeiro-ministro, precisa de ter o partido com a representação parlamentar suficiente para que as suas políticas possam ir avante.
Isto porque, apesar de o primeiro-ministro ter independência nalguns temas de que está encarregado, são as ideias do presidente que delineiam toda a governação. A primeira vez que isso aconteceu foi entre 1986 e 1988, quando o presidente socialista François Mitterrand viu-se obrigado a conviver com o primeiro-ministro conservador Jacques Chirac. De 1993 a 1995, Mitterrand voltou a ter um conservador no lugar de primeiro-ministro, desta feita era Édouard Balladur. E entre 1997 e 2002, foi a vez de o antigo primeiro-ministro de Mitterrand, Jacques Chirac, ter de conviver com um primeiro-ministro socialista: Lionel Jospin.
Sobre esta última, escrevia o New York Times, há vinte anos precisamente, sobre o primeiro encontro entre o conservador e o socialista, bem como as tensões que se avizinhavam para a legislatura.
Marco Lisi diz também que “o desafio principal é a crise dos partidos mainstream, ou seja dos dois principais partidos que dominaram a vida política da V República Francesa.” São eles o Parti Socialiste (Partido Socialista) e Les Républicains (Os Republicanos).
“A crise é evidente para o PS, extremamente dividido e enfraquecido, mas também do centro-direita. Por outro lado, caso os candidatos 'atípicos' obtenham um bom desempenho, isso pode levar a um problema de governabilidade e instabilidade, com uma crescente volatilidade eleitoral e parlamentar (isto é, dos deputados dentro dos respetivos grupos parlamentares)”, explica Lisi.
A primeira volta das eleições presidenciais francesas realiza-se a 23 de abril. Os principais candidatos são François Fillon (Partido Os Republicanos, direita conservadora), Benoît Hamon (Partido Socialista, centro-esquerda), Emmanuel Macron (movimento Em Marcha!, liberal independente), Jean-Luc Mélenchon (Frente de Esquerda, representa os comunistas e parte da extrema-esquerda), Marine Le Pen (Frente Nacional, extrema-direita). A segunda volta - caso nenhum dos candidatos obtenha 50% dos votos - acontece a 7 de maio.
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