"Aquilo que sabemos até agora pelos estudos realizados é que, curiosamente, as 'fake news' não tendem a influenciar muito as decisões políticas dos cidadãos", afirmou Miguel Poiares Maduro.
"Ou seja, cidadãos que ainda não têm uma posição sobre uma determinada matéria normalmente não definem a sua posição com base em informações falsas", sublinhou o diretor da Escola de Governança Transnacional do Instituto Universitário Europeu de Florença e ex-ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, com a tutela da comunicação social, no governo liderado por Passos Coelho.
"O que as 'fake news' até este momento têm promovido muito é uma polarização ainda maior (…) do espaço político, ou seja, servem sobretudo para reforçar as convicções daqueles que já estão convertidos a uma determinada posição, radicalizam ainda mais o espaço político, mas no futuro vamos ter 'fake news' ainda mais sofisticadas e que, portanto, podem ter ainda um papel mais perverso", alertou o professor universitário.
Miguel Poiares Maduro deu o exemplo dos perigos, no futuro, da 'deep fake news', designação de um mecanismo mais sofisticado de notícias falsas que recorre à imagem e áudio.
"Tem a ver, por exemplo, com a possibilidade de se simular em vídeo e áudio a voz e a imagem de alguém, atribuindo-lhe um discurso que essa pessoa não fez. Esse é o grau de risco que temos para o futuro", sublinhou.
"Um dos problemas no funcionamento da política hoje é que o espaço moderado, o espaço para a procura do compromisso, do consenso, que faz parte da política, cada vez é mais diminuto", prosseguiu Miguel Poiares Maduro.
Além disso, "no futuro, com a maior sofisticação das 'fake news' é possível que as pessoas realmente venham a ser enganadas, sendo que a melhor forma de garantir que isso não é assim é manter um espaço informativo plural porque quanto mais plural for, mais outros mecanismos existirão para as pessoas controlarem, verificarem, colocarem em causa essas notícias falsas", considerou.
Questionado sobre as causas que levaram as notícias falsas a ganhar terreno no mundo do jornalismo, Miguel Poiares Maduro afirmou que "a perda de credibilidade dos media também promove" este fenómeno, no sentido em que o "torna mais aceitável para os cidadãos".
"Esse é, sem dúvida, um dos problemas, daí que o reforço da credibilidade e o regresso aos valores fundamentais do jornalismo" é essencial como resposta ao processo das 'fake news', defendeu o antigo ministro.
Mas não é só a questão da qualidade do jornalismo que permitiu às notícias falsas ganharem terreno, "há mais fatores que contribuem para isso".
Entre as variáveis está, considerou, o "crescente funcionamento da política numa lógica mais emocional e menos racional".
Desde logo, exemplificou, com a eliminação dos processos de intermediação na política".
Isto porque, tradicionalmente, a política "era intermediada quer por mecanismos de representação democrática e não tanto por uma democracia direta", prosseguiu, salientando que a importância que os partidos políticos tinham "está a ser substituída por outros movimentos políticos".
Esta tendência acontece também com outras entidades, como os sindicatos, que também estão a ser substituídos por outros movimentos.
"Essas entidades, com todos os problemas que tinham, eram mecanismos de racionalização do funcionamento da democracia. Com a eliminação desses processos de intermediação democrática e com o papel que as redes sociais têm numa democracia que é mais direta, mais imediatamente participativa, mas também muito mais emocional - porque o tipo de discurso e de interação que existe entre as pessoas nas redes sociais é um discurso muito mais emocional -," isso acaba por "promover a radicalização de pontos de vista", explicou.
"Esse funcionamento da política e do espaço público numa lógica muito mais emotiva em que as pessoas aderem a uma posição política por razões emocionais e com uma base racional muito diminuta muito frágil facilita o fenómeno das 'fake news'", concluiu.
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