O Hospital D. Estefânia, que integra o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, está a realizar um trabalho de investigação que visa avaliar o impacto do confinamento na relação entre os pais e as crianças com idades entre os 6 e os 12 anos.
Apesar de ainda não ter resultados, o pedopsiquiatra afirma, em entrevista à agência Lusa que, “ao contrário do que em geral se fala e se diz, o impacto da pandemia, do ponto de vista das crianças, não teve efeitos negativos”.
Segundo Pedro Caldeira da Silva, as crianças ficaram contentes por ficar em casa e isso observou-se no período de confinamento, devido ao “estado de emergência” declarado no país, em que foram tomadas medidas excecionais como o fecho de creches, jardins de infância e escolas.
Esse relato foi transmitido aos profissionais de saúde pelos pais das crianças nas consultas telefónicas realizadas pelo Centro de Estudos do Bebé e da Criança (CEBC), onde os filhos são acompanhados.
“Em crianças pequenas com dificuldades importantes, os pais notavam que elas estavam muito melhor, muito mais aliviadas, muito mais contentes, não era unânime, mas era muito geral”, diz o coordenador do CEBC, que integra a Unidades da Primeira Infância do Serviço de Pedopsiquiatria e a Unidade de Desenvolvimento do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa.
Esta situação, realça, questiona “muito sobre o que é que andamos a fazer nas escolas aos nossos meninos”.
“Não sei se alguém se vai questionar sobre isso, mas acho que é uma boa oportunidade, porque quando nós vemos no terreno é isto que aparece, não é aqueles receios que eu vi escrito em vários sítios [como] ‘a ansiedade dos nossos filhos’, ‘isto vai ser traumático’, ‘coitadas das crianças, vão ficar sem escola’”, salienta.
O que se viu depois é que, “com a organização do teletrabalho, com os pais em casa sem disponibilidade para as crianças, e com a invasão que a escola fez na casa das crianças, em muitos casos com um exagero de trabalhos, horas de classe, claro que as coisas se complicaram”, afirmou, acrescentando: “Mas voltamos ao mesmo, o que é que andamos a fazer com os nossos meninos?”.
Sobre os relatos de pais que dizem sentir alguma culpa por, apesar de estar em casa, não conseguirem dar a atenção devida aos filhos porque têm de trabalhar, Pedro Caldeira Silva diz que “há uma tentação” de terem de tudo certo por causa das crianças, “mas não é bem por aí”.
“As crianças queixam-se que não tem mais nada para fazer, os pais ficam muito culpabilizados e preocupados porque têm que arranjar coisas para os meninos fazer, mas eu quero salientar que o aborrecimento, o não ter nada que fazer, tem as suas virtualidades, também é importante”, salienta.
Apesar de ser verdade que “os adultos têm de proporcionar espaços seguros e oportunidades de atividades e de exploração, não faz mal nenhum as crianças aborrecerem-se”, porque só assim “inventam coisas”.
"É verdade que muitas destas coisas são asneiras, mas é uma boa oportunidade para a criatividade, e agora que o confinamento aliviou, o facto de as crianças poderem estar na rua, é uma ótima oportunidade", salienta.
Portanto, sustenta Pedro Caldeira da Silva, "não é tudo bom, mas há aqui uma série de circunstâncias que, do ponto de vista da infância, faz com que não tenha sido este ‘desastre’ que as pessoas suspeitaram que foi”.
Maioria dos adolescentes relata sentimentos de solidão durante a pandemia
A maioria dos adolescentes ouvidos num estudo que está a decorrer no Hospital D. Estefânia sobre os impactos da pandemia covid-19 relata sentimentos de solidão, mas que, de acordo com Pedro Caldeira da Silva, não são necessariamente negativos.
O Centro de Estudos do Bebé e da Criança lançou várias linhas de investigação sobre o impacto do confinamento imposto pela pandemia da covid-19 “nas várias idades”, no âmbito do programa E.I.R.A - Estudos de Impacto Relacional e Afetivo.
“Em relação aos adolescentes, por exemplo, num estudo que estamos a fazer, há muitos relatos de sentimentos de solidão, a maioria dos adolescentes, população clínica e não clínica, refere sentimentos de solidão”, diz Pedro Caldeira da Silva.
Mas, ressalvou, “estes sentimentos não são necessariamente maus ou não são equivalentes a uma depressão, não querem dizer doença ou psicopatologia”, porque “o estar só e ser capaz de estar só faz parte da vida”.
Sobre este sentimento de solidão pode estar relacionado com a falta do convívio com os amigos, Pedro Caldeira da Silva diz que é referido assim, mas “pensando bem, os adolescentes não estão assim tão sós” porque tiverem as redes sociais para "compensar um bocado" este afastamento social.
Para Pedro Caldeira da Silva, esta situação veio mostrar outra realidade: “Estamos tão preocupados com os ecrãs e a sua utilização e, neste período, a sua utilização veio ajudar muitíssimo nesta possibilidade de manutenção de relação social”.
Por outro lado, assim que foi possível, a grande maioria dos adolescentes saiu de casa. “Agora estamos preocupados que saem sem máscara e juntam-se”, mas afinal não estão colados aos ecrãs.
“Os ecrãs não substituem completamente a relação individual, compensam de alguma maneira, eu penso que evitam, a patologia de solidão”, sublinha o pedopsiquiatra.
Há, no entanto, adolescentes que se “deram muito bem” estando em casa, porque, por vezes, “é muito mais fácil” relacionarem-se por intermédio dos ecrãs, das redes sociais, do que pessoalmente, defende, acrescentando que “os quadros de ansiedade diminuíram bastante durante o tempo de confinamento”.
Relativamente ao regresso à escola num quadro de pandemia e numa altura que ainda não de sabe como vai funcionar, Pedro Caldeira da Silva afirma que poderá desestabilizar as crianças.
“Os miúdos têm saudades da escola, da parte de estar com os amigos, de resto, não vejo que tenham muita saudade”, mas “por razões também de organização da sociedade e de sobrevivência do país, as escolas têm de abrir”, sustentou.
E, dependendo da idade, também é uma necessidade as crianças frequentarem a escola. O que ainda se desconhece é os moldes em que vão funcionar.
“Pode haver moldes mais de ataque à relação, por exemplo, vamos concentrar as aulas, não vai haver recreios, ou então moldes mais favorecedores do pensamento, ou seja, diminuir o tempo das aulas e dar mais tempo livre às crianças, mas isso tem depois outras consequências em termos de organização do trabalho dos pais”, relatou.
“Umas coisas ligam-se com as outras, não se pode é deixar os miúdos à solta sem supervisão”, disse anda Pedro Caldeira da Silva.
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