A posição de Portugal - um dos 32 países que apoiam Kiev no caso a decorrer no TIJ (Haia) – foi hoje transmitida por Patrícia Galvão Teles, diretora do Departamento de Assuntos Legais do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
“Quando um Estado não efetuou de boa fé uma avaliação de genocídio ou de risco grave de genocídio, não pode invocar o ‘compromisso de prevenir’ o genocídio no Artigo I da Convenção como justificação para a sua conduta. Isto inclui a conduta que envolve a ameaça ou o uso da força que seria contrária ao direito internacional”, referiu, na argumentação hoje apresentada no tribunal internacional.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, justificou parcialmente a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, com acusações de genocídio orquestradas por Kiev no leste do país, onde se fala russo. Dois dias depois, Kiev apresentou o caso ao TIJ, “negando categoricamente” a alegação e argumentando que a sua utilização por Moscovo para justificar a invasão violava a Convenção das Nações Unidas sobre o Genocídio de 1948.
A Rússia alega que o TIJ não tem jurisdição porque o processo não se insere no âmbito da Convenção sobre o Genocídio – algo que Lisboa contrariou hoje, na sua argumentação perante o tribunal.
“A República Portuguesa é de opinião que as observações [que apresentou] devem informar a interpretação do artigo IX no que diz respeito à determinação da competência do Tribunal no presente processo ao abrigo do referido artigo e de outras disposições relevantes da Convenção sobre o Genocídio”, considerou Portugal.
O artigo IX define que “as controvérsias entre as partes–contratantes relativas à interpretação, aplicação ou execução da presente Convenção, bem como as referentes à responsabilidade de um Estado em matéria de genocídio ou de quaisquer outros atos enumerados no artigo III, serão submetidos ao Tribunal Internacional de Justiça, a pedido de uma das partes na controvérsia”.
Na sua exposição, o Governo português apontou que os Estados que ratificaram a Convenção sobre o Genocídio – 133, incluindo Rússia e Ucrânia - “são obrigados a prevenir e punir o genocídio, empregando ‘todos os meios razoavelmente disponíveis para prevenir o genocídio na medida do possível’”.
“No entanto, no cumprimento do seu dever de prevenir o genocídio, os Estados-partes devem atuar dentro dos limites permitidos pelo Direito internacional, incluindo, entre outros, os limites impostos pela definição de ‘genocídio’, o princípio da boa fé, a proibição do abuso de Direito, a obrigação de resolver disputas pacificamente ou o princípio da soberania”, referiu.
A representante de Portugal sustentou ainda que “um Estado não pode pretender fazer cumprir o Direito internacional violando o Direito internacional”, pelo que, se “atuar para além dos limites permitidos pelo Direito internacional no caso em apreço, os atos desse Estado constituirão uma violação da Convenção”.
“Para que ocorra genocídio, é necessário estabelecer, com base em provas irrefutáveis, tanto a ação genocida como uma intenção genocida específica”, ressalvou ainda Patrícia Galvão Teles.
Na segunda-feira, a Rússia – que até então tinha faltado às audiências sob a alegação de que não tinha tempo suficiente para preparar a argumentação – reafirmou no TIJ as acusações de genocídio à Ucrânia, cujo Governo descreveu como “russofóbico e neonazi”.
No dia seguinte, Kiev instou a Rússia a aceitar a jurisdição do Tribunal Internacional de Justiça e a defender-se num futuro julgamento sobre uma disputa em torno da noção de genocídio, afirmando que desde 2014 Moscovo "tem vindo a acusar a Ucrânia de cometer genocídio" contra o seu povo na região do Donbass.
Para hoje está prevista a intervenção de 32 países em defesa da Ucrânia, incluindo a feita Portugal.
A Rússia voltará a intervir na próxima segunda-feira, e a Ucrânia dois dias depois.
Os juízes irão decidir depois se o tribunal tem competência para julgar o caso, numa deliberação que poderá demorar meses.
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