“Queremos obter uma resposta clara à questão de como os nossos parceiros entendem a sua obrigação de não fortalecer a sua própria segurança em detrimento da segurança de outros Estados com base no compromisso com o princípio da indivisibilidade da segurança. Como exatamente o seu Governo pretende cumprir esta obrigação em termos práticos e nas condições atuais?”, é uma das questões colocadas pelo ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, na carta que enviou terça-feira aos seus homólogos dos Estados Unidos, Canadá e de diversos países europeus.
“Se você renunciar a esta obrigação, pedimos que o indique claramente”, adianta.
O documento começa por manifestar a séria preocupação da Rússia “com o aumento da tensão político-militar nas imediações das suas fronteiras ocidentais” e recorda que em 15 de dezembro Moscovo apresentou projetos de dois documentos jurídicos internacionais e inter-relacionados, o Tratado entre a Rússia e os Estados Unidos sobre garantias de segurança e o Acordo sobre medidas para garantir a segurança da Rússia e dos Estados-membros da NATO.
“As respostas dos Estados Unidos e da NATO às nossas propostas recebidas em 26 de janeiro de 2022 testemunham diferenças significativas na compreensão do princípio de segurança igual e indivisível, que é fundamental para toda a arquitetura de segurança europeia. Consideramos necessário esclarecer imediatamente esta questão pelo facto de vir a determinar as perspetivas para o diálogo futuro”, indica o texto na sua tradução em inglês (não oficial), e no qual não é feita uma única referência à situação na Ucrânia.
A missiva de Lavrov recorda que a Carta para a Segurança Europeia, assinada na cimeira da OSCE em Istambul em novembro de 1999, formulou os direitos e obrigações básicos dos Estados-membros da organização em relação à indivisibilidade da segurança.
Esta Carta para a Segurança, refere ainda, condiciona diretamente esses direitos [nomeadamente de participação em alianças ou neutralidade] pela “obrigação de cada Estado de não fortalecer a sua segurança em detrimento da segurança de outros Estados”. Também afirma que nenhum Estado, grupo de Estados ou organização pode ter a responsabilidade proeminente de manter a paz e a estabilidade na OSCE ou considerar qualquer parte da área da OSCE como a sua esfera de influência, adianta.
O chefe da diplomacia de Moscovo recorda o desfecho da cimeira da OSCE em Astana (dezembro de 2010), onde os líderes presentes aprovaram uma declaração que reafirma um “conjunto inclusivo de obrigações inter-relacionadas” e critica os países ocidentais por apenas retirarem desse documento “os elementos que lhes convêm, designadamente o direito dos Estados escolherem livremente as alianças para assegurar em exclusivo a sua própria segurança”.
“As palavras ‘à medida que evoluem’ são vergonhosamente omitidas porque esta provisão era também uma parte integrante do entendimento da ‘indivisibilidade da segurança’, e especificamente no sentido de que as alianças militares devem abandonar a sua função original de dissuasão e a sua integração no pan-arquitetura europeia baseada em abordagens coletivas, ao contrário de grupos estreitos”, prossegue o texto.
“O princípio da indivisibilidade da segurança está a ser interpretado seletivamente como justificação para o atual rumo e relacionado com a irresponsável expansão da NATO”, frisa o MNE russo.
Nos seus argumentos, Lavrov considera “revelador” que, apesar de manifestarem prontidão para iniciar o diálogo sobre a arquitetura de segurança europeia, os representantes ocidentais “evitem deliberadamente nos seus comentários qualquer referência à Carta de Segurança Europeia e à Declaração de Astana”, acusando-os de apenas mencionarem “antigos documentos” da OSCE.
“As capitais ocidentais também tentam ignorar um documento-chave da OSCE — o Código de Conduta sobre Aspetos Político-Militares de Segurança de 1994, onde se refere que os Estados escolhem os seus acordos de segurança, incluindo a integração em alianças, ‘mas tendo em consideração as legítimas preocupações de segurança de outros Estados'”, refere ainda.
“Não vamos trabalhar desta forma”, diz Lavrov, recordando que a Carta de Istambul fornece a cada Estado da OSCE um direito igual à segurança, “e não apenas aos países da NATO que interpretam este direito como um privilégio excecional de integração num ‘exclusivo clube’ do Atlântico Norte”.
Após se escusar a comentar outras linhas de atuação e ações da NATO “que refletem a aspiração do bloco ‘defensivo’ à supremacia militar e ao uso da força que ultrapassa as prerrogativas do Conselho de Segurança da ONU”, Lavrov considera que essas ações “contradizem todas as obrigações fundamentais europeias”, e lança um repto aos seus “colegas” ocidentais.
“Ao discutirem a presente situação na Europa, os nossos colegas dos Estados Unidos, NATO e União Europeia emitem constantes apelos para a ‘desescalada’ e apelam à Rússia para ‘escolher o caminho da diplomacia’. Queremos recordar: estamos nesse caminho há décadas (…) O facto de o ocidente tentar agora garantir para seu benefício estes sucessos diplomáticos dos líderes de todos os países da OSCE suscita séria preocupação. A situação exige uma franca clarificação de posições”, indica ainda o documento, que solicita uma “resposta clara”.
Na quinta-feira, o ministério dos Negócios Estrangeiros português indicou está a analisar e vai responder a esta carta enviada pela Rússia aos Estados-membros da NATO e da OSCE.
“Recebemos” essa carta, que “está a ser analisada e merecerá, naturalmente, resposta”, disse fonte oficial do gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros, questionado pela Lusa sobre se tinha recebido e já havia resposta à carta de Moscovo.
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