O discurso de Viktor Orbán perante o plenário era há muito aguardado, depois de ter sido adiado por duas vezes, e num clima de tensão crescente desde o início da presidência rotativa húngara, em julho passado, que arrancou logo com uma não sancionada “missão de paz” para a Ucrânia, com destino a Kiev, Moscovo e Pequim, que provocou a fúria de Bruxelas.
Em Estrasburgo, o líder húngaro considerou que este é o “período mais grave” da história da União Europeia (UE), com a guerra da Ucrânia à porta, a escalada de conflitos no Médio Oriente e uma “crise migratória” que, argumentou, pode fazer “desmoronar” o sistema de fronteiras abertas de Schengen.
“A União Europeia precisa de mudar”, disse, sugerindo que o clima político na Europa está lenta mas seguramente a mudar a seu favor, com base nos ganhos eleitorais da extrema-direita em Itália, Países Baixos e Áustria – e a crescente influência do novo grupo europeu, Patriotas pela Europa (PfE).
Um dia antes, Orbán voltou a insistir na sua política externa, dizendo que Kiev está a caminhar para a derrota e defendendo “uma nova estratégia” em relação à Ucrânia.
Os restantes 26 Estados-membros têm exercido um boicote ‘de facto’ às iniciativas da presidência húngara, após a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, ter ordenado aos altos funcionários que faltassem a uma série de reuniões organizadas por Budapeste.
Entre as razões para o descontentamento com a Hungria e Orbán contam-se as repetidas acusações de utilização indevida de fundos comunitários, a instauração de processos judiciais contra a Hungria por alegado incumprimento da legislação da UE e uma recente coima de milhões de euros devido a essas infrações.
Outro fator que desagrada a muitos é a proximidade da Hungria à Rússia, bem como os seus repetidos vetos à ajuda da UE à Ucrânia, devastada pela guerra.
Desde que regressou à liderança do seu país em 2010, Orbán tem vindo a restringir os direitos civis e a reforçar o seu controlo sobre o poder, entrando repetidamente em conflito com Bruxelas sobre questões relacionadas com o Estado de Direito.
A sessão em Estrasburgo tornou-se num impasse entre a maioria dos legisladores europeus que denunciaram o “governo autocrático” de Orbán e uma minoria de extrema-direita que se juntou a ele para rejeitar as acusações como “absurdas”.
Vários grupos políticos organizaram protestos fotográficos no exterior do hemiciclo. “Não há dinheiro para corruptos”, dizia uma faixa erguida por deputados de esquerda, numa referência aos milhares de milhões de euros de fundos da UE para a Hungria, atualmente congelados devido a preocupações com o Estado de Direito.
Ursula von der Leyen, que discursou logo a seguir ao primeiro-ministro húngaro, criticou-o duramente em todas as frentes: desde o seu silêncio sobre a Ucrânia e a sua proximidade com o Presidente russo, Vladimir Putin, até à sua política de migração, passando pela competitividade ou pela energia que Budapeste continua a comprar a fontes russas, apesar das sanções europeias.
Também em Estrasburgo, o vice-presidente da Comissão Europeia, Maros Sefcovic, admitiu que este foi um dos debates mais politicamente desafiantes que já viveu no Parlamento Europeu, e que mostrou “quantas dificuldades e desafios estão em cima da mesa”.
O comissário recordou que a UE demonstrou a máxima solidariedade durante as recentes inundações na Hungria e sustentou que a solidariedade deve ser mútua, afirmando que em muitas áreas, incluindo as migrações, a UE precisa da Hungria como “parte da equipa”.
A maioria dos partidos políticos no Parlamento Europeu teceu duras críticas ao primeiro-ministro húngaro.
O líder do Partido Popular Europeu (PPE), Manfred Weber, criticou o líder húngaro por se definir como um verdadeiro conservador. O partido de Orbán, o Fidesz, fazia parte do PPE, o maior grupo do Parlamento Europeu.
A líder dos Socialistas e Democratas (S&D), Iratxe García Pérez, acusou Orbán de trair os valores cristãos do amor ao próximo, da compaixão e da dignidade humana com as suas políticas de imigração e contra a comunidade anti-LGBTQI+.
Valérie Hayer, líder do grupo liberal Renovar a Europa, criticou Orbán por proclamar a defesa das famílias enquanto “persegue todas as famílias que não se enquadram na sua visão estreita do mundo”.
Já Terry Reintke, dos Verdes, afirmou que o líder húngaro instalou “um regime híbrido de autocracia eleitoral” e é o “servo de um ditador brutal e perigoso, Vladimir Putin”.
O eurodeputado húngaro Péter Magyar (PPE), líder da oposição, lamentou que a Hungria, sob o governo de Orbán, “tenha passado de uma estrela brilhante para o que é oficialmente o país mais pobre e mais corrupto da União Europeia”.
De acordo com o Índice de Perceção da Corrupção 2023, publicado pela Transparência Internacional em janeiro, a Hungria manteve a sua posição como o país mais corrupto do bloco pela segunda vez consecutiva.
Os apoios vieram do grupo de direita Patriotas pela Europa (PfE), criado após as eleições europeias de maio e que conta com o partido Fidesz de Orbán entre os fundadores.
A primeira vice-presidente do grupo Patriotas pela Europa no Parlamento Europeu, a húngara Kinga Gál, acusou von der Leyen e os outros grupos políticos de “hipocrisia” e de destruírem os pilares da União Europeia.
O líder dos Conservadores e Reformistas (ECR), o eurodeputado italiano Nicola Procaccini, disse a Orbán que partilham muitos dos pontos do seu programa, mas alertou-o para “inimigos externos” como a China, a Rússia, o Irão ou a Coreia do Norte, que “são a antítese de qualquer patriotismo húngaro, europeu ou ocidental”.
Já em Budapeste, Orbán denunciou a “hostilidade” dos eurodeputados para com ele e acusou Bruxelas de querer “derrubar” o seu governo.
A presidência do Conselho da UE pela Hungria termina no final do ano, sucedendo-lhe a Polónia, no primeiro semestre de 2025.
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