No frio do inverno ucraniano em 2013, a aproximação a Moscovo e o afastamento de Bruxelas levou a que uma multidão saísse à rua para contestar a posição do Governo. A Praça da Independência, em Kiev, foi o principal centro dos protesto e 'casa' para mais de meio milhão de pessoas que montaram a tenda no local.
Os protestos começaram a 24 de novembro de 2013 e não se restringiram à capital. A primeira grande repressão policial acontece seis dias depois, a 30 de novembro. Uma dezena de pessoas ficou ferida, a grande maioria estudantes.
A estes protestos juntaram-se exigências de demissão do chefe de Estado por parte da oposição ucraniana.
Com a chegada de dezembro juntaram-se mais pessoas na Praça da Independência e o olhar do mundo focou-se no que acontecia nessa praça. Centenas de militantes da oposição ao Governo ocuparam a Câmara Municipal de Kiev, a 1 de dezembro. A estátua de Lenine na capital ucraniana caiu oito dias depois derrubada por um grupo de manifestantes. Lenine era figura associada à União Soviética e à hegemonia russa no leste europeu.
A situação alastrou-se e estava incontrolável para o Governo ucraniano. A 11 de dezembro a polícia lança uma ofensiva para tentar desocupar em Kiev a praça onde decorriam os protestos, mas é forçada a recuar.
Para mostrar que a aliança com Moscovo era boa para a Ucrânia, o então presidente Viktor Yanukovych obtém em Moscovo um crédito de 15 mil milhões de dólares e uma descida do preço do gás russo consumido na Ucrânia. Pela Ucrânia passam vários milhares de quilómetros de gasodutos que levam o gás russo até à Europa.
A oposição acusa o presidente de ter vendido o país, mas ao mesmo tempo mostrou-se surpreendida com o acordo alcançado.
A entrada do novo ano não acalmou a situação. A 10 de janeiro, o antigo ministro ucraniano do Interior, Iouri Loutsenko é espancado por polícias durante os confrontos entre manifestantes pró-europeus e autoridades. Dois dias depois cerca de 50 mil pessoas manifestam-se contra a agressão.
O Governo reagiu e impôs sanções contra os manifestantes e obrigou as organizações não-governamentais que beneficiam de financiamento ocidental a registarem-se como “agentes estrangeiros”, tal como acontece na Rússia. Estávamos a 17 de janeiro de 2014.
No final do mês de janeiro, a oposição, liderada por Vitali Klitschko, pediu uma trégua para negociar o poder, mas as negociações fraquejam e, no dia seguinte, os protestos voltam em força com a ocupação do Ministério da Agricultura em Kiev.
Para tentar controlar a oposição e acalmar a situação o presidente Ianukovich oferece um lugar no Governo aos líderes da oposição Arseni Iatseniuk e Vitali Klitschko. A oferta é recusada. E os protestos generalizam-se no território ucraniano, incluindo em zonas mais nacionalistas e consideradas pró-Rússia.
A 28 de janeiro, cai o primeiro-ministro Mikola Azarov, que apresenta a sua demissão. No dia seguinte, o Parlamento aprova uma amnistia para manifestantes, mas oposição rejeita as condições impostas, que incluem a retirada dos manifestantes da Praça da Independência.
Em fevereiro, União Europeia, Estados Unidos e Fundo Monetário Internacional estendem a mão à Ucrânia e dizem estar disponíveis para prestar assistência económica ao país, mas apenas quando o governo ucraniano começar a adotar reformas políticas e o presidente ucraniano encontra-se com o presidente russo, Vladimir Putin. Cerca de 70 mil pessoas continuam concentradas na Praça da Independência neste momento.
A meio do mês, todos os 234 manifestantes detidos desde dezembro são libertados e os manifestantes abandonam a câmara de Kiev e outros edifícios públicos que tinham ocupado, com a promessa de amnistia para os manifestantes detidos. A Rússia anuncia apoio financeiro de dois mil milhões de dólares à Ucrânia.
Mas a tensão não acabou com as promessas de amnistia por parte do Governo. Dia 18 de fevereiro, pelo menos nove pessoas, sete civis e dois polícias, são mortas no mais sangrento dia de confrontos em três meses de protestos. Os manifestantes voltam a ocupar edifício da câmara de Kiev e o governo ucraniano lança ultimato aos manifestantes para desmobilizarem das ruas da capital, enquanto as forças de segurança ucranianas atacam os manifestantes concentrados na Praça da Independência.
Estas movimentações levam o presidente da câmara de Kiev a demitir-se do Partido das Regiões, liderado pelo Presidente Viktor Ianukovitch, em protesto pelo “derramamento de sangue” nos confrontos que, em 48 horas, fizeram mais de 50 mortos.
Começam a aparecer as primeiras sanções por parte da União Europeia que impõe o congelamento de bens e proíbe a entrada aos ucranianos responsáveis pelos atos de violência.
A 20 de fevereiro o primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, anunciou que os ministros da União Europeia obtiveram em Kiev o acordo do presidente ucraniano, Viktor Ianukovich, para convocar eleições presidenciais e parlamentares antecipadas, ainda em 2014. Dois dias depois, o parlamento ucraniano destitui o presidente por "abandono das suas funções constitucionais" e convoca eleições presidenciais antecipadas para o dia 25 de maio. Olexandre Turchinov, braço-direito da líder da oposição Iulia Timochenko, é escolhido como presidente interino do país.
Fevereiro marca a subida de tom fora da capital. Com a chegada do final do mês, dois blindados são estacionados em Sebastopol, cidade pró-russa do sul da Ucrânia, onde cerca de 500 manifestantes reclamam a nomeação de um cidadão russo para dirigir o município local. O presidente russo, Vladimir Putin, ordena exercícios para testar a prontidão de combate das unidades militares do oeste e centro da Rússia. É nesta altura que homens armados não identificados tomam o controlo do parlamento e governo da Crimeia, em Simferopol, a capital da república autónoma da Ucrânia.
A Ucrânia pede “um mandado internacional de prisão” para o presidente deposto, Viktor Ianukovich, perseguido no país por “assassínios em massa” e o parlamento ucraniano designa, por unanimidade, o pró-europeu Arseni Iatseniuk como primeiro-ministro do novo governo de transição da Ucrânia.
O conflito toma proporções globais com a chegada do mês de Março. Nesse mês, o recurso às forças armadas da Rússia na Ucrânia é aprovado por unanimidade pelo Conselho da Federação em Moscovo, após um pedido de Vladimir Putin. O primeiro-ministro interino, Iatseniuk, considera que a Ucrânia está “à beira da catástrofe” após a “declaração de guerra” russa. O clima é semelhante ao da guerra fria, quando os Estados Unidos suspendem a cooperação militar com a Rússia.
O presidente russo, Vladimir Putin, desmentiu então qualquer envolvimento russo e denuncia um “golpe de Estado” contra o anterior presidente ucraniano, considerando “não ser necessário de momento” uma intervenção militar, apesar de Moscovo se reservar no direito de recorrer a “todos os meios” para proteger os seus cidadãos. O Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, considera que estas declarações de Putin “não enganam ninguém".
Enquanto Putin dizia que não era necessário uma intervenção militar, forças russas assumiram o controlo parcial de duas bases de lançamento de mísseis na Crimeia, posição que levou a NATO a reforçar a cooperação com a Ucrânia e reexaminar os seus acordos com a Rússia.
Na sequência destas movimentações, o conselho municipal de Sebastopol, no sudoeste da Crimeia e onde se situa a base naval russa, solicita a adesão à Rússia, enquanto o parlamento da região autónoma anuncia um referendo para dia 16 de março. Putin defende o direito da Crimeia se unificar com a Rússia, mas afirma que procura uma “solução diplomática” para a crise ucraniana
A UE decide as primeiras sanções contra Moscovo ao suspender negociações sobre vistos e ameaça com sanções mais severas, incluindo económicas depois de acusar a Rússia de se intrometer na política ucraniana. Bruxelas afirma pretender assinar o acordo de associação com Kiev antes das eleições ucranianas de 25 de maio e Kiev desencadeia um processo para a dissolução do parlamento da Crimeia, mas entretanto, os deputados do parlamento regional proclamam a independência da península a face à Ucrânia.
O referendo realizado na Crimeia em 16 de março de 2014 acaba por resultar num grande "sim" à integração do território na Federação Russa.
Em abril, os principais focos de tensão acontecem em Donetsk, local que os rebeldes pró-russos autoproclamam como “república independente”. É nesta altura que a Ucrânia acusa Moscovo de tentar invadir e separar o país. Russos e o bloco ocidental destacam forças militares para a região e o Ocidente impõe novas sanções contra Moscovo. A Rússia promete uma resposta “dolorosa”.
Fruto da situação política, o recrutamento militar obrigatório é reintroduzido na Ucrânia para homens com idades entre os 18 e os 25 anos.
As zonas pró-russas de Donetsk e Lugansk vão a a votos, em maio de 2014, em referendos não reconhecidos por Kiev. Os separatistas de Donetsk reclamam a soberania e pedem a integração na Rússia depois de 89% dos eleitores da província terem votado a favor da independência em referendo. Os separatistas de Lugansk também reclamam a vitória no referendo com 94% dos votos.
É neste clima de tensão que a 25 de maio os ucranianos vão às urnas e o milionário pró-europeu Petro Poroshenko é escolhido como novo presidente.
O lado mais visível da nova posição pró-europeia do país é quando a 27 de junho, a União Europeia e a Ucrânia assinam um acordo de associação, cuja rejeição pelo anterior Presidente, Viktor Yanukovich, esteve na origem das manifestações de novembro de 2013 na Praça da Independência.
Em 17 julho de 2014 surge um novo momento de tensão quando o voo comercial MH17 da Malaysia Airlines cai em território controlado por rebeldes. 298 pessoas morreram, quando o avião foi abatido por um míssil.
Durante todo este período, separatistas apoiados pelo exército russo lutam no sudeste da Ucrânia contra o exército ucraniano. Apesar dos cessar-fogos assinados, a violência continua.
A 26 de outubro os ucranianos foram de novo às urnas, desta vez para eleger um novo parlamento, e os partidos pró-europeus elegem a maioria dos deputados ao parlamento ucraniano numas eleições gerais boicotadas pelo leste.
Como medida de contestação, os separatistas do leste elegem líderes pró-russos numa eleição não reconhecida pelo governo central nem pelos países ocidentais.
Em dezembro de 2014, a Ucrânia revoga o seu estatuto de não-alinhado. Um passo que permite que venha a aderir à NATO, decisão qualificada de “absolutamente contraproducente” por Moscovo.
A guerra civil ainda hoje acontece no leste da Ucrânia. De um lado está a 'nova Rússia', com as repúblicas autoproclamadas de Donetsk e Lugansk a baterem-se pela independência com o apoio dos militares russos, apesar de a Rússia o negar diretamente. Do outro lado está o governo da Ucrânia apoiado pela NATO e em especial pelos Estados Unidos.
Cerca de 10 mil pessoas, de ambos os lados, já perderam a vida neste conflito. Esta guerra civil parece estar longe de ter um fim, mas já tem na aproximação ao bloco ocidental uma das maiores vitórias da história da Ucrânia contemporânea.
Comentários