Estamos em 2019 e ainda não há sinais de pandemia. No último ano, o número de ginásios em Portugal cresceu 10% e os cerca de mil e cem clubes no continente e ilhas têm quase 700 mil clientes (um aumento de 16%). O volume de faturação na indústria do fitness (no mundo inteiro) aumentou, em média, 10%, com um valor global de 290 mil milhões de euros. O negócio parece correr bem e as expectativas de 85% dos clubes para 2020 passam, mais uma vez, pelo aumento de receitas. Estes eram os dados do Barómetro do Fitness, um relatório realizado entre o Centro de Estudos Económicos e Institucionais da Universidade Autónoma de Lisboa e a AGAP (Associação de Empresas de Ginásios e Academias de Portugal).
Chega 2020 e a realidade não correspondeu às expectativas. Em fevereiro de 2021, em Portugal, já tinham fechado portas cerca de 300 ginásios. Depois de dois confinamentos, a AGAP avançou com os valores na quebra de faturação: mais de 75% desde o começo das restrições associadas à COVID.
Para perceber melhor o estado da indústria do fitness no nosso país em contexto de pandemia, o The Next Big Idea recolheu as histórias de três empresários do setor, com percursos muito diferentes.
A PT sem ginásio, o pequeno ginásio e a cadeia de ginásios
Até há bem pouco tempo, as salas do ginásio de Luís Bickman nunca tinham estado tão vazias. A pandemia levou 90% dos clientes ao dono deste negócio, também responsável por uma box de crossfit, que, afirma, tem "prejuízo todos os meses”. As instalações de prática de crossfit situam-se perto do centro da cidade de Setúbal, mas o ginásio situa-se em Lisboa, mesmo junto ao Aeroporto Humberto Delgado. Num espaço onde a maioria daqueles que o frequentavam eram pessoas ligadas ao setor aeroportuário (altamente impactado devido às restrições impostas pela covid-19), “o dinheiro que existe é para sobreviver com serviços mínimos”.
Luís acredita que o seu ginásio foi “o primeiro a fechar em Portugal”, no dia 12 de março de 2020, no mesmo dia em que em houve o Conselho de Ministros que “aprovou um conjunto de medidas extraordinárias e de caráter urgente de resposta à situação epidemiológica do novo coronavírus”. Por outras palavras, este foi o dia em que o país sentiu pela primeira vez o susto de atravessar uma pandemia. Enquanto isso, estava o proprietário do Sky Fitness a mandar e-mails. A mensagem, que antevia o problema, pedia um aviso prévio de quem não quisesse ser cobrado no mês seguinte e o resultado foi a desistência de 9 em cada 10 pessoas. “O meu ginásio não é uma grande cadeia, neste momento sobrevive”, confessa Luís.
Uma grande cadeia é a Solinca. Com estabelecimentos de norte a sul do país, viu o vírus colocar o seu negócio em xeque. Perdeu cerca de metade dos clientes, mas, ainda assim, agarrou-se às possibilidades que tem de momento. O CEO, Bernardo Novo, considera que os ginásios “continuam hiper condicionados”. Por agora, cada sala tem cerca de um terço das máquinas que teria há mais de um ano, e, nas palavras de Bernardo, chega-se “ao cúmulo de, mesmo a perder dinheiro, ter de se mandar clientes embora”.
No entanto, a onda da pandemia não atingiu todos da mesma forma. Para Sofia Veiga, foi uma boa maré, uma que lhe valeu um crescimento de 300% na faturação e 200 clientes novos. Chama a Sofia é o nome do negócio desta empreendedora que tem como principal objetivo o treino personalizado. Os treinos online já eram uma realidade antes, para clientes em zonas do país (ou mesmo noutros países) onde não era possível aceder ao serviço por via presencial, mas numa percentagem mínima. Agora, o cenário inverteu-se: poucos são os que abrem as portas da sua casa ou vão até aos parques públicos para se encontrarem com os vários personal trainers do Chama a Sofia.
Sofia, a própria, não saiu prejudicada com esta mudança de paradigma. Aumentou a faturação, com menos esforço exigido para a obter. Os treinos onde o computador é a janela que une o treinador ao aluno vieram para ficar, mesmo quando a covid-19 se tornar uma história do passado. No princípio houve alguma “dificuldade de adaptação” por parte dos treinadores em adotar este modelo por ser “desconhecido”, conta Sofia. Mas esta “descrença de eficácia” caiu por terra quando se começaram a aperceber de que, devido a questões logísticas, era mais fácil trabalhar à distância e com produtividade.
“As pessoas não têm de se deslocar e nós rentabilizamos muito mais o trabalho”, conta Sofia. “Eu só a dar treinos presenciais, como fazia antigamente, daria no máximo oito treinos por dia. E com o online dou onze ou doze”, remata a personal trainer, que acrescenta ainda que esta é também uma solução mais económica para os clientes. Uma vez que os instrutores de fitness não precisam de se descolar os custos diminuem, de maneira que há uma tabela de preços para os treinos presenciais e outra para os treinos online.
No caso do Chama a Sofia, as aulas online de grupo são as que têm maior adesão. As redes sociais fizeram o seu papel habitual de promoção do serviço, mas nunca foram espaço para os diretos no Facebook, um método utilizado por muitos personal trainers quando a covid-19 fez da casa de cada um o próprio ginásio. Ao invés disso, são as molduras do Zoom que ligam Sofia e os seus doze colegas a quem não quer deixar de praticar exercício físico, mesmo com todas as adversidades.
No caso de Luís Bickman, do Sky Fitness, a Twitch (uma plataforma habitualmente usada para o streaming de videojogos) foi o local escolhido para transmitir as aulas. Mas, avança Luís, “o sucesso foi muito baixo”, pelo enorme “receio do que iria acontecer financeiramente” por parte de todas as pessoas envolvidas, pelo facto de este ginásio trabalhar com a comunidade aeroportuária. Esta deixou, por isso, de ser uma opção. O dono deste estabelecimento começou, no entanto, a colaborar com a Revista Ativa em nome do seu outro negócio, o Crossfit Cais. Todas as semanas, é publicado no meio de comunicação digital um treino semanal da autoria da box de crossfit.
Do lado da Solinca, este ginásio fundiu-se com dois outros - os ginásios Pump e os One, que já faziam parte da cadeia. Assim surgiu o Solinca Connected, com 80 aulas pagas semanais, online, em direto. Esta é também uma solução à qual a cadeia de ginásios não vai dizer adeus, mesmo quando a pandemia acabar. “O que nós vamos fazer é assumir que esta tendência veio para ficar”, explica o CEO da cadeia de ginásios.
“Nós não acreditamos que exista substituição de consumo fitness em ginásio tradicional pelo online. Acreditamos, sim, que o online pode ter um complemento muito relevante para o ginásio tradicional”, refere Bernado Novo. Ficam a faltar apenas as máquinas, mas o responsável por este negócio crê que pode “melhorar a sua proposta de valor, se ao número de vezes que os clientes conseguem ir a um ginásio físico se somar a possibilidade de eles terem aulas, treinos personalizados, e consultas de nutrição por via digital”.
No meio das mudanças impostas pela covid-19, assistiu-se à necessidade previsível de ter de mandar alguns trabalhadores para casa. Luís, do Sky Fitness em Setúbal e da Crossfit Cais em Lisboa, trabalhava com 53 pessoas, entre contratados e a recibos verdes, e, de momento, trabalha apenas com 3. Não houve meios de renovar contratos, tal como na Solinca, no caso dos funcionários que não estavam efetivos. Os empregados que ficaram, viveram do lay-off enquanto os ginásios estiveram de portas fechadas. Mas o CEO do ginásio garante que a Solinca compensou a diferença percentual que o apoio do Estado não cobria. “Nenhum dos nossos colaboradores perdeu dinheiro face à sua situação-base, ou seja, foi como se não tivesse havido lay-off”, afirma.
É de lembrar, no entanto, que a Solinca teve uma boia de salvamento que muitos ginásios não têm: faz parte da SONAE Capital. O facto de pertencer a um grupo empresarial imensamente robusto deu uma certa confiança, mesmo nas horas mais complicadas. Bernardo Novo avança: “seria muito mais difícil no enquadramento de mercado que tínhamos, e face à escala que nós temos, encontrar soluções ao nível daquelas que encontrámos se não estivéssemos no enquadramento da SONAE Capital”.
Já Luís Bickman, não se deixa encostar às boxes. Pelo contrário: é na box de crossfit que aposta muitas das suas fichas. “O local em que ela está inserida neste momento está numa boa fase de crescimento”, explica o dono deste negócio, que é também um espaço mais seguro para a prática de desporto, pelos seus “800 metros quadrados de área livre”.
No que diz respeito ao ginásio junto ao aeroporto, a esperança reside no facto de este ser pequeno. “Eu acho que no futuro [os ginásios] vão ser unidades do tamanho da minha, porque as pessoas jamais vão querer voltar em grande massa para sítios onde as pessoas se juntam como esses ginásios gigantescos”. É isto, diz Luís, que o “faz manter tudo aberto”.
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