A sul, as duas frentes continuam separadas pelo rio Dnipro, desde a retirada russa em Novembro de 2022. À exceção de pequenas incursões e batalhas posicionais, não se observa qualquer movimentação significativa.
Em Zaporíjia, após o falhanço da ofensiva ucraniana, a Rússia foi gradualmente recuperando o terreno que perdeu, restabelecendo na totalidade a linha "Surovikiana” nas proximidades de Robotyne, tendo ainda reforçado algumas posições estratégicas.
Já em Donetsk, palco da principal ofensiva russa, o objetivo estratégico é conquistar o terço do território que resta antes da tomada de posse de Donald Trump. Para tal, será crucial a difícil tomada de Pokrovsk, cidade estratégica em termos de linhas de abastecimento, visando o posterior flanqueamento das cidades decisivas de Sloviansk e Kramatorsk.
A norte de Donetsk, na interseção das regiões de Luhansk e Kharkiv, predominam campos abertos, onde veículos são presas fáceis de minas e ataques aéreos. Assim, qualquer operação é facilmente detetável, o que explica a estabilidade da linha da frente nesta área há cerca de dois anos.
Por fim, destaca-se a situação em Kursk, onde a ofensiva ucraniana se revelou um erro estratégico. A Ucrânia perdeu 40% do território ocupado, à medida que redirecionou recursos de outras frentes vulneráveis, facilitando os avanços russos. A tendência aponta para a continuidade destas perdas.
A superioridade russa é clara no que concerne a munições, armamento, veículos, homens e cobertura aérea, manifestando-se de forma decisiva no campo de batalha.
Os soldados ucranianos que lutaram heroicamente no início do conflito, incluindo nas impressionantes ofensivas de Kharkiv e Kherson, estão agora mortos, incapacitados ou exaustos e os novos mobilizados demonstram pouca motivação para combater. Este ano, registaram-se 30 mil acusações de deserção nas fileiras ucranianas, o que levou o parlamento a descriminalizar o delito para os infratores que regressam ao exército, dada a falta de recursos para os localizar. Perante isto, começou já a discussão em torno de uma baixa da idade da mobilização para a guerra. Em contraste, as campanhas alternativas de recrutamento russas — como a incorporação de imigrantes e combatentes de antigas repúblicas soviéticas ou de Estados aliados — têm-se revelado eficazes.
No entanto, mais grave do que a falta de recursos humanos é a falta de recursos materiais. A proporção de munições disparadas pelos ucranianos em comparação com as recebidas é de cerca de 1 para 10. Sem o eventual apoio dos Estados Unidos, não será possível fornecer as munições necessárias para continuar a retardar os efeitos da invasão russa. Os stocks europeus estão completamente esgotados e a indústria da UE (mesmo com a contribuição britânica) não tem capacidade para entregar nem um quarto da ajuda norte-americana. A título de exemplo, a França, uma das três potências militares europeias, produz anualmente o equivalente a três dias de consumo de munições pela Ucrânia. Ora, se o já desafiante combate logístico se tornar insustentável, continuar a acreditar numa solução militar para o conflito será cair numa ilusão. Assim, restaria negociar um cessar-fogo com uma zona desmilitarizada vigiada por tropas neutras, seguido de uma solução diplomática para terminar o conflito, onde a Ucrânia obtenha reais garantias de segurança e procure uma desocupação parcial do seu território — sendo certo que a recuperação da Crimeia, bem como da maior parte do Donbass, parece estar fora de alcance.
Posto isto, tenho também dificuldade em compreender a narrativa ocidental em torno do “grande triunfo russo” como obstáculo a uma solução negociada para o fim do conflito. Pelo contrário, considero que a Rússia já perdeu esta guerra em toda a linha, tendo em conta os objetivos estratégicos que o Kremlin anunciou publicamente. A Ucrânia não foi “desnazificada” — até porque nunca esteve sob a influência de um regime neonazi — e muito menos desmilitarizada. Na verdade, Kiev deve ser das capitais mais bem armadas e defendidas do mundo. Por sua vez, as populações russófilas do Donbass e da Crimeia estão hoje mais vulneráveis do que nunca, vivendo numa fronteira precária com um provável futuro membro da NATO. Para piorar, a Rússia colecionou humilhações inesperadas no campo de batalha nos primeiros meses da invasão, notória nas vastas colunas militares perdidas ou na incapacidade de sequer capturar Hostomel, quando Putin se vangloriava anos a fio de conseguir tomar Kiev no espaço de dias.
Mais concretamente, parece claro que a guerra não tinha como objetivo o controlo de apenas um quinto do território ucraniano, mas sim a conquista do país, almejando uma mudança de regime. Mas Putin calculou mal cada passo desta invasão, sobretudo ao sobreestimar o poder da sua intimidação energética e nuclear, que não teve qualquer efeito na dissuasão do apoio militar ocidental. Olhando para o que foi sacrificado para fazer face à intervenção decisiva da NATO, constatamos que a Rússia, já em declínio demográfico e com problemas de densidade populacional, enfrenta agora uma crise mais profunda devido às centenas de milhares de baixas e incapacitações permanentes de homens em idade ativa. Mais, apesar do crescimento temporário do PIB, impulsionado pelo investimento no setor industrial-militar, há que ter presente que munições e tanques são bens perecíveis: usados em combate, não geram retorno económico. Além disso, a escassez de mão de obra no país poderá ultrapassar dois milhões de trabalhadores até 2030, limitando ainda mais o crescimento a longo prazo. Como diria Shakespeare, é muito barulho por nada.
Neste trágico conflito que se arrasta há quase três anos, o desenlace ainda está por escrever. Mas uma verdade permanece inescapável. No duelo retórico dos observadores de guerra em alta definição, nem o “campo da paz” (que adota uma postura de complacência e ingenuidade face à ameaça de Putin) nem o da “justiça belicista” (determinado a subjugar a Rússia num jogo de vingança) poderá sair totalmente vencedor. Do mesmo modo, a Ucrânia pode vir a perder a guerra, mas a Rússia já a perdeu há muito tempo.
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