Uma grande amiga ligou-me pouco depois da uma da tarde. Disse-me: “Sentei-me às dez da manhã para ver a apresentação do relatório da comissão independente de investigação aos abusos na igreja, só consegui sair do sofá agora, quando terminou. A forma como foi feita a apresentação foi incrível”. Eu respondi: “A comissão tem gente boa. De qualidade”. E ela devolveu-me à realidade: “Isso não quer dizer nada, há aí muita gente boa que não consegue fazer uma apresentação assim, muito bem feita”.
Conclusão? Fui ver.
48% das vítimas falaram pela primeira vez. A comissão investigou casos de 1950 a 2022. Das cerca de 600 denúncias foram validados 512 testemunhos. O Ministério Público recebeu 25 casos para investigar e receberá uma lista de abusadores no activo. Mais de 90% dos agressores são homens. O abuso terá um impacto nas vítimas para o resto das suas vidas. Terão sintomas de ansiedade de depressão, perturbações do sono, e perturbações da alimentação.
Todos os intervenientes nesta investigação, os que compõem a comissão independente, explicaram a forma como trabalharam, as metodologias utilizadas, os critérios, o impacto dos abusos na vida das vítimas. A comissão pede um prolongamento do prazo de prescrição dos crimes e estima que tenham existido quase 5 mil casos, um número “absolutamente no mínimo”.
Daniel Sampaio explicou que “a maioria dos agressores são padres. O padre é uma figura, é a voz de Deus, portanto tem poder sobre a criança”. 77% dos agressores denunciados eram padres.
Como vai a Igreja Católica reagir a este relatório? Não conseguiremos obter uma resposta clara e rápida, porque é uma instituição muito lenta. O papa Francisco já disse que um caso de abuso é demais. Mas os casos de encobrimento também o são. A comissão apela à denúncia.
As questões da sexualidade são, desde sempre, um problema. A Igreja mantém dogmas e ideias que são inaceitáveis. Porque se a Igreja é a voz de Deus, decerto que o amor deveria prevalecer e o amor, como se sabe, não se compadece com a maldade, com a violência, com os abusos físicos e sexuais. E o amor também não se compadece com o silêncio.
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