O funeral da escritora espanhola Almudena Grandes comoveu-me até às lágrimas. Uma amiga chamou-me a atenção para as imagens e eu fui à procura. Procurem também, vale a pena ver. Eram centenas de pessoas com livros da autora na mão. Centenas de pessoas que vieram homenagear uma escritora que se assumia feminista, que não tinha papas na língua e cuja obra, infelizmente, não está toda traduzida para português. 

Há uns anos, um editor português terá dito que era complicado editá-la, os livros eram muito grandes, muitas páginas para traduzir. Em Portugal, em 2020, foi publicado pela Porto Editora o livro “Os Doentes do Dr García” que faz parte de um ciclo de livros. Podemos ainda encontrar “Os Ares Difíceis” e “Castelos de Cartão” publicados pela Dom Quixote. 

Almudena Grandes assinou uma crónica no jornal El País com regularidade e, pouco antes de morrer, escreveu sobre o cancro num tom de esperança, de recuperação. O corpo e a doença traíram-na e os leitores saíram à rua para se despedir de quem deu voz a tanta da História de Espanha. 

Um/a romancista é um observador do mundo, alguém que se presta a um ofício esmagadoramente solitário, para decifrar acontecimentos, condições de alma, para nos radiografar. Almudena Grandes fazia-o como poucos. A imagem de uma multidão com os seus livros na mão tê-la-ia comovido, decerto. Num tempo em que os livros parecem ter ficado para segundo ou mesmo terceiro plano (estudos dizem que, em média, um português lê um livro e meio por ano; outros estudos dizem que passamos, em média, quatro horas e meia em frente às redes sociais, portanto estamos aqui ao nível das escolhas, diria), é importante que nos recordemos de quem nos deixa um legado tão importante quanto um/a romancista. Peguemos nos livros de Almudena Grandes. Importa lê-los. E, já agora, traduzi-los.