“Que ninguém quer” é um pouco excessivo: num universo de mais de 38 milhões de alemães, dez milhões votaram a favor da AfD, a extrema-direita de cara lavada, que até no nome amansou os receios do tempo voltar para trás (AfD quer dizer “Alternativa para a Alemanha” e só ouvindo-os se percebe qual é essa alternativa). Não são nazis, porque isso já não se usa, mas querem alterações que tornem o país mais germânico, expulsando os imigrantes e fazendo outras reformas de sabor desagradável.

As eleições, que decorreram a 27 de fevereiro, tiveram o resultado que mais ou menos se esperava: CDU/CSU (democratas cristãos e democratas socialistas) 208 lugares, AfD (nacionalistas conservadores) 152, SPD (sociais-democratas) 120, Verdes 85, Die Linke (socialistas democratas) 64.

Como também se esperava, há um “cerco sanitário” à AfD, e as alminhas sensíveis não precisam de se preocupar com a “volta dos nazis”. O fato mais estranho é que a AfD domina completamente a antiga Alemanha de Leste (RDA) e não tem grande expressão ex-Alemanha Ocidental (RFA). Este fenómeno já foi analisado por todos os especialistas e parece que se trata de uma atitude contra a imigração e a sensação de que a Alemanha Ocidental não ajudou a de Leste como devia. Também há uma simpatia por Trump e por Putin, os dois modelos de uma coisa que se poderia chamar “pudim com camadas da conversa da direita e da esquerda entremeadas”, mas cujo sabor final é o mesmo.

O presente parlamento continuará a legislar até à tomada de posse do próximo, e Friedrich Merz, apesar de estar a ultimar a coligação com democratas cristãos, já apresentou o essencial do seu programa.

A primeira coisa, e a mais importante, é acabar com o chamado “travão à dívida” - uma norma constitucional que obriga o Governo a não exceder 0,35% do Produto Nacional Bruto. Era a menina querida dos olhos de Angela Merkel, instituída em 2009, e um dos seus grandes disparates. Agora, que a senhora se retirou sem glória, é que os seus passos em falso, grandes e pequenos, saltam à vista. Os dois maiores foram a insistência no “travão” e a chamada “Aproximação a Leste”. Esta última, postulada ainda por Willy Brandt, a partir de 1970, constituía em acreditar que os países da Cortina de Ferro e,depois de 1990, a própria Federação Russa podiam tornar-se grandes amigos através de um maior intercâmbio comercial. Os benefícios para a Alemanha, e Europa em geral, seriam produtos baratos, e para os comunistas seria o acesso à prosperidade. Quando a Federação Russa invadiu a Ucrânia, os alemães estavam quase completamente dependentes do petróleo e gás russos e até hoje não conseguiram corrigir a dependência completamente.

Mas quanto ao “travão”, os alemães sendo germânicos, não queriam nem por tudo mudar a situação, que lhes causava problemas cada vez maiores de desenvolvimento industrial e já se falava, no ano passado, em recessão. Merz já disse que vai acabar com o “travão” e assim não só fugir da crise como, finalmente, começar a armar a Alemanha para a situação na Ucrânia, que arrisca cada vez mais a ser uma situação europeia. Esta aparelho irreal (o travão) também era uma das razões da subida da AfD pela falta de investimentos no leste alemão.

Aliás, o que se prevê é que, com a Alemanha a gastar mais e até emprestando, a União Europeia também suba as expectativas e comece a armar-se - uma palavra tabu desde 1945, mas que agora todos perceberam que não há como evitar. Cinicamente, podemos agradecer a Trump fazer com que a UE acorde do sonho de Branca de Neve em que vivia...

O que Merz se prepara para fazer é aquilo a que os analistas chamam um “centro radical” - o termo pode não fazer sentido, mas percebe-se: nada de extremismos políticos, mas uma mão forte na defesa física e moral dos tão cantados “valores europeus”.

Macron gosta de cantar de galo (e faz muito bem, afinal é o símbolo da França), mas a verdade é que a UE só pode começar a dar corda aos sapatos quando os seus dois países mais fortes acertarem no que fazer. (Conhecia esta expressão? Já não a ouvia há muito tempo mas acho que aqui se aplica muito bem.)

O atraso bélico da Europa (UE mais os “uniques” dos ingleses) é coisa de assustar. Putin e Trump vão dividir a Ucrânia (como Hitler e Estaline fizeram com a Polónia, em 1938) e a única coisa António Costa e Ursula von der Leyen podem fazer é chorar no ombro um do outro.

Claro que as coisas vão mudar - só se espera que a tempo. Sim, os nossos filhos hão-de voltar a ir “pra tropa”. Sim, vamos ter mais artilharia do que pasteis de nata. É o futuro, e o futuro começa agora na Alemanha.