O cancro do meu filho mudou tudo...
Portugal regista uma média de 400 novos casos de cancro pediátrico por ano. Cada um destes casos representa uma família em choque, uma família destruturada, uma família incrédula. Cada um destes casos representa uma família que tem de reinventar-se, que adquire um novo vocabulário feito de termos médicos, de palavras duras e desconhecidas, de expressões carregadas de esperança ou desalento em proporções sempre injustas. Cada um destes casos representa uma família para a qual a sociedade tem de olhar com atenção, sobre a qual o Estado tem de lançar um manto protector.
O cancro do meu filho mudou tudo...
Cada uma destas 400 famílias confia uma criança ou um jovem a um hospital onde será cuidado com o que a ciência e a dedicação tem de melhor para oferecer. Mas o hospital não é, na maioria das vezes, ao virar de uma esquina, pelo que tratamentos e internamentos – prolongados ou intermitentes - exigem uma reformulação da logística familiar.
Como se garante um emprego com baixas e ausências mais ou menos frequentes? Como se garante uma progressão numa carreira quando se é menos visível? Como se sensibilizam colegas e chefias para o drama de um filho com cancro? Como se resiste à vontade de desistir de um emprego estável por já não se conseguir enfrentar tantas dificuldades?
Para além de uma vontade própria, a situação financeira desafiante da esmagadora maioria dos agregados familiares obriga a que ambos os cônjuges trabalhem. Como se resolve o problema angustiante de uma criança que tem de ser deslocada para dezenas quilómetros do seu espaço habitual? Se a mãe entra de baixa – e uma baixa cuja justificação ninguém porá em dúvida – receberá 65% do seu salário. Como se faz a contabilidade familiar quando os rendimentos diminuem face às despesas que aumentam, nomeadamente as relacionadas com as visitas do pai ao seu filho doente? É preciso garantir que o subsídio seja no mínimo equivalente ao rendimento que a família auferia antes do diagnóstico.
O cancro do meu filho mudou tudo...
Tanto cá, como a nível internacional, os irmãos são alvo de uma atenção crescente. Uma criança com cancro gera uma estrutura familiar que abana, que põe em causa os alicerces onde se sustenta. Os irmãos tornam-se vítimas secundárias e silenciosas, porque olhos, mãos, boca e coração estão voltados para quem, por vezes tão pequeno, luta uma luta desigual. Do outro lado da contenda, uma criança doente perde tudo – até a companhia de irmãos. É importante valorizar os irmãos e encontrar formas adequadas de lhes permitir o envolvimento no processo de tratamento, em conjunto com a família e os profissionais de saúde
As fases de diagnóstico, tratamento e pós-tratamento, seja porque a criança é dada como curada, seja porque a criança não sobreviveu, são momentos de grande tensão psicológica. Há uma linguagem para aprender, sentimentos e emoções para enfrentar. Há que aprender a viver com a volatilidade da vida, com o sofrimento injusto de uma criança, com uma instabilidade familiar com o cônjuge e / ou filhos que é gerada pela angústia, pela dúvida, pelo sofrimento ou por uma saudade que nunca desaparecerá. É preciso garantir o apoio técnico a estas famílias, percebendo que em cada fase as necessidades mudam, pelo que as respostas têm de adaptar-se.
Flávia, Diana, Arminda, Marisol. Os rostos da campanha deste ano da Acreditar dizem o que sentem:
O cancro do meu filho mudou tudo...
Porém, face a tudo o que é preciso alterar, também acreditam na mudança – e dizem-no. É preciso Acreditar. Sempre!
João de Bragança
Pai
Presidente da Comissão Directiva da Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro.
Presidente do CCI, Childhood Cancer International
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