Macron irrompe como líder dos liberais, juntando ao centro gente que vem da esquerda e da direita, com discursos de abertura ao mundo. Os gaullistas, à procura de comando (será a vez de Juppé?), também fazem parte dessa ampla faixa liberal.
A família Le Pen, agora com a filha Marine em chefe, encabeça os ultranacionalistas, com discurso de fecho de portas. 45 anos depois da fundação da Frente Nacional de extrema-direita, Marine Le Pen consegue não apenas tirar o partido do “ghetto de leprosos políticos” como aparecer para muitos como a representante do povo frente à elite liberal, simbolizada por Macron. A FN conquistou alguma condescendência, já não aparece tão maciçamente inaceitável para o eleitorado francês.
Mélenchon, o insubmisso, é a estrela do campo socialista em reordenamento, impulsionado por 19,5% dos votos, enquanto o nº1 do PS, Hamon, também de uma esquerda à esquerda, mas com tons verdes da ecologia, ficou por apenas 6,4%. Hamon até terá sido quem mais inovou nas propostas políticas, mas Mélenchon tem o carisma que o levanta como alternativa socialista. Mélenchon, obviamente, recusa quase tudo de Le Pen, mas coincide com ela na reivindicação de representação do povo frente às elites. Vai dizendo que não escolhe “entre a extrema finança e a extrema direita”.
Vão todos reencontrar-se com os eleitores, daqui por mês e meio, nas eleições legislativas de 10 e 17 de junho. É nestas eleições que o presidente a eleger no próximo domingo, certamente Macron, vai ter de encontrar uma maioria para governar. Estas eleições de junho, e a expectativa de Mélenchon de um resultado forte, são o que está a levar esta esquerda a marcar distância face a Macron.
É essa uma das causas da não existência agora de uma unida frente republicana de rejeição da ultra Le Pen. Não se nota desta vez em França o sobressalto que há 15 anos pôs toda as esquerdas a votar no candidato da direita, Chirac, para assim acantonar Le Pen, o pai, isolando-o dentro de um “cordão sanitário da democracia”. Então, em 2002, mesmo as esquerdas que detestavam Chirac trataram de montar essa frente antifascista para barrar a FN que emergia como um diabo, sem disfarçar o discurso filonazi. Agora, não só Macron está longe desse consenso como Le Pen consegue aliados (como Nicolas Dupont-Aignan) no campo da direita clássica.
Em 2002, essa frente unida dos democratas fez Chirac passar de 20% dos votos na primeira volta para 82% que lhe deram a eleição duas semanas depois. Agora, Macron parte de 24%, tem a eleição praticamente garantida, mas se a margem de vitória for magra, se não recolher mais de 60% dos votos, a presidência Macron começa politicamente envenenada. As sondagens, depois de lhe prometerem 65 a 69% dos votos, agora, creditam-lhe um resultado à volta dessa fronteira dos 60%.
A ameaça que preocupa Macron é a abstenção dos insubmissos de Mélenchon. É contra esse cenário que eles estão a ser incitados ao voto agora em Macron e a completarem a escolha com um voto mais à esquerda em junho, nas eleições que determinarão a marca política. Ao mesmo tempo, nota-se uma desdiabolização e quase normalização da FN de Marine Le Pen. É assim que o cenário de eleição de Le Pen passou de impossível para apenas altamente improvável.
Qual é o problema com Macron? Ele suscita rejeições que Chirac não gerava. Há quem veja Macron demasiado arrogante e uma marionete comandada pelo mundo da alta finança onde trabalhou. Há quem mostre incómodo com a ideia de um presidente tão jovem (39 anos), para mais com uma equipa de conselheiros maioritariamente da mesma geração, com perspetiva de acesso prioritário ao elevador para ascenção imediata aos lugares superiores do aparelho de Estado. Virá aí a luta entre gerações? Há quem desconfie dos oportunismos tácticos de alguém que conseguiu a magia de, um ano depois de ter sido o guru económico de Hollande, aparecer nesta eleição como grande crítico da presidência cessante.
É indiscutível a audácia e a capacidade estratégica de Macron. Com grande agilidade política e semântica, em 12 meses, criou uma vaga de simpatias mediáticas e uma robusta base de apoiantes que se reivindicam de uma cidadania contra o sistema partidário. Até aqui, a start up de Macron, batizada En Marche, servida por todas as ferramentas digitais de comunicação, beneficiada pelo talento e pela sorte, está a conseguir, com crescimento rapidíssimo, superar todos os objectivos.
Macron soube explorar a rejeição do modo tradicional de fazer política. Também revela ter aprendido bem a lição de um mestre filósofo, Paul Ricoueur, de quem, como gosta de notar, foi assistente: sabe escutar, nas discussões (tem sido notório na campanha) sabe dar atenção aos argumentos dos outros. Em suma: mostra uma nova embalagem, sedutora para muitos, falta avaliar a substância do conteúdo para o longo curso.
Será que este neo-centrismo vai conseguir triunfar politicamente para além da eleição presidencial em França? É o que está para se ver. O modelo Macron tem qualquer coisa de Tony Blair – que, curiosamente, está agora a reaparecer, a puxar pela Europa no debate sobre o Brexit. Também de Matteo Renzi, o italiano igualmente a ressurgir.
De França talvez venha o arranque de uma novidade na oferta política europeia. Mas a clivagem esquerda/direita não vai desaparecer. Todos terão certamente a ganhar com a boa análise da experiência de coabitação portuguesa entre Marcelo e Costa com as esquerdas.
RECOMENDAÇÕES FRANCESAS:
A não perder, nesta quarta-feira, às oito da noite (hora continental portuguesa),o debate Macron/Le Pen. Por exemplo, aqui.
Também na BFM, todos os dias, a sondagem que junta todas as sondagens..
Uma primeira página escolhida hoje.
TAMBÉM A TER EM CONTA:
Elizabeth Warren é a mulher que vai liderar os democratas na próxima eleição presidencial nos EUA? Ela tem conduzido a oposição a Trump e parece pronta para o combate.
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O sofrimento dos migrantes, mostrado por Samuel Bollendorff.
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