Faço parte do grupo de pessoas que sempre quis abrir um restaurante. Quando tinha para aí uns sete ou oito anos — na era da internet pachorrenta em que usar ferramentas offline do computador, como o Paint ou o Minesweeper, era uma opção mais zelosa da sanidade — fazia ementas no Microsoft Word com várias sugestões de carne e de peixe e fixava-as na entrada do prédio onde vivia, aguardando que a clientela chegasse. A clientela nunca chegava, provavelmente porque a minha mãe acabava por retirar a folha A4 do painel de anúncios do prédio, já que o papel se sobrepunha a importantes anúncios da administração do condomínio e porque, mais provável, teria receio de uma confrangedora visita da ASAE.
Goradas as hipóteses de receber estranhos na minha casa de família para lhes servir refeições que de modo algum saberia confecionar (não sabia cozinhar aos sete anos, o método de educação Montessori ainda não estava na moda), tive de mudar de estratégia para satisfazer a minha atração pela hotelaria. Assim, quando ia gente jantar lá a casa, apresentava no fim da refeição uma “conta”, feita numa tabela do Microsoft Excel, em que se discriminava tudo o que os comensais tinham consumido, apresentando um total a pagar. Lamentavelmente, o valor nunca me era entregue e, eventualmente, tive de parar com a brincadeira quando a gerência familiar me repreendeu pelos excessivos gastos com papel e tinteiros. Ah, a juventude e o economato! Sem darmos conta, já não temos nenhum de sobra.
Crescendo, continuei a gizar inexequíveis planos de “conceitos”, cadeias de fast food, roulotes e outras plataformas de comercialização de comes e bebes. Nunca me cheguei à frente. A série The Bear, da FX e disponível no Disney +, dá razão à minha timidez. O enredo gira em torno de uma jovem-promessa da alta cozinha que assume a gerência de um humilde snack-bar que pertencia ao seu recém-falecido irmão. O chef-despromovido-a-ó-chefe, Carmy Berzatto, é muito bem interpretado por Jeremy Allen White (Shameless), um homem que combina os beauty standards de Hollywood com a aparência de quem costuma estar a cargo da grelha de bifanas de um consórcio familiar de economia paralela nos Santos Populares.
A série é frenética e obcecada com a tensão, os egos, a precariedade e — lá está — a má ideia que é abrir um restaurante. A comida tem pouca centralidade e o realizador não tem qualquer intenção de filmá-la para gerar água na boca como no Chef’s Table, com pena minha porque a sandes de carne assada do The Original Beef of Chicagoland tem efetivamente óptimo aspecto. A falta de destaque do pitéu não será inocente: a série valida a ideia de que abrir um restaurante não é para quem gosta de comer, mas sim para quem não se consegue libertar do fardo de cozinhá-la. Da próxima vez que um amigo próximo vos venha com a conversa “o que era giro era abrirmos um restaurante”, recomendem-lhe The Bear. O Disney+ não é barato, mas em comparação parece-me um investimento mais seguro.
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