Vamos brincar às diferenças? Consegue encontrá-las neste lote de políticos que, depois de funções governamentais, assumiram cargos de liderança em empresas do sector privado? Ou em fundações. Ou em empresas tuteladas pelo Estado.
Vale a pena jogar este jogo por várias razões. A primeira porque, mais do que nunca, vale a pena gastar energias a debater a mítica frase “os políticos são todos iguais”. Se nada fizermos quanto a isso, podemos esperar na volta do correio mais Trumps, porque aquelas coisas não acontecem só na América.
A segunda porque, efectivamente, os casos não são todos iguais. Iniciei este artigo com uma pequena amostra de nomes mediáticos mas, até nesta amostra, existem diferentes níveis de competência e de desfaçatez – e isso faz diferença quando se analisam teias de interesse entre funções públicas e empregos privados.
A terceira razão é, provavelmente, a mais difícil de avaliar sem paixões da alma e decorre das outras duas. À vista desarmada parece tudo a mesma coisa – são todos políticos que depois de estarem no Governo foram convidados para lugares de referência, muito bem pagos, no sector privado ou em instituições na esfera de influência do Estado. Todo e qualquer argumento usado para dizer “ah não, mas neste caso é diferente” escorrega em terreno pantanoso. E até as tentativas de ‘normalização’ são um exercício penoso quando se juntam nomes e cargos.
Uma das ditas tentativas de normalização tem sido, por exemplo, legislar a favor do impedimento de ex-governantes assumirem funções em empresas que tutelaram durante um determinado período de tempo.
Em teoria, pode resolver. Na prática, vemos, por exemplo, que um ministro como Mário Lino, que ocupou a pasta das Obras Públicas, aceitou, depois da sua saída do governo socialista em 2011, o lugar de presidente do Conselho Fiscal das seguradoras do grupo Caixa Geral de Depósitos. Ora, Lino é um engenheiro civil que nunca teve qualquer experiência na banca. Teoricamente está tudo bem – a Caixa não é uma empresa que tutelasse, pelo menos directamente. Na prática, isto não desfaz as dúvidas sobre as razões de tal contratação.
O inverso também é verdade. Luís Campos e Cunha, por exemplo, saiu de ministro das Finanças para o Banif. Tem reconhecida competência na área, mas a banca é um sector na esfera das Finanças, o que deveria inibir tal contratação. Sendo que o seu mandato como ministro foi curto e sem especial impacto ou ligação ao Banif.
Há ainda quem fale do tempo de nojo que permitiria sanar qualquer dúvida. À partida faria sentido, mas basta recordar a contratação do ex-ministro Joaquim Ferreira do Amaral para presidente da Lusoponte, dez anos depois de ter sido o ministro que assinou a concessão da Ponte Vasco da Gama à mesma empresa, para percebermos que o tempo não traz nenhum manto diáfano de pureza.
E chegamos agora ao dito caso Maria Luís Albuquerque, a ex-ministra das Finanças de Pedro Passos Coelho, actual deputada eleita pelo PSD e ontem anunciada como administradora não-executiva de uma empresa especializada em gestão de crédito com clientes como o Banif, o Millennium BCP e o Montepio. Bancos tutelados por Maria Luís Albuquerque até há três meses, quando era ministra das Finanças.
A julgar pelas palavras da ex-ministra e actual deputada – que afirmou não ver qualquer incompatibilidade ou impedimento legal – é perfeitamente pacífico, no seu entender, sentar-se à mesa do comité de risco e auditoria do seu novo empregador aos dias ímpares, e na bancada do hemiciclo, aos dias pares. Tão pacífico e compatível como será nuns dias colaborar em decisões para que uma empresa saque a qualquer custo os créditos que comprou aos endividados e aflitos (é isso que empresas como os novos patrões de Maria Albuquerque fazem) e noutros assumir a defesa dos portugueses, nomeadamente batalhando enquanto deputada para que sejam defendidos de empresas de rapina à mercê da qual todas as economias têm andado a reboque (isto talvez não esteja inscrito no programa do PSD, se bem que no novo caminho da social-democracia deveria estar).
Estou certa, embora já não recorde os termos em que outros como Maria Luís Albuquerque terão jurado que nada, mas nada mesmo, tem a ver. Quando Manuel Pinho foi convidado para dar aulas na School of International and Public Affairs (SIPA) da Universidade Columbia, muitos jornais deram apenas conta do facto. Mas também houve quem se lembrasse que esta foi a mesma universidade que recebeu da EDP cerca de 3 milhões de euros. EDP, que foi a empresa com a qual Manuel Pinho fez a cruzada das energias renováveis durante o seu mandato. Pode ser uma coincidência. Pode. Os processos de intenção são maliciosos. Sempre ou quase sempre.
Qual é então a solução? Há alguma hipótese de voltarmos a acreditar na política e nos políticos? Ou tudo isto é uma batalha perdida?
Os comentários nos jornais online podem ser um espaço pouco recomendável, mas são um belíssimo termómetro da nação. Uma consulta a três ou quatro sites, com linhas editoriais distintas e com comunidades de leitores também diferenciadas, confirma o senso comum. Há quem ache que isto é só inveja e que assim não conseguimos ter os melhores na política. Há quem ache que é uma vergonha (e aqui esgrime-se a gritaria se é mais vergonha da direita ou da esquerda). E há quem timidamente tente falar de ética e bom senso.
Podemos – e devemos – legislar limitações legais adicionais ao exercício de cargos, públicos ou privados, em empresas na esfera de ex-governantes ou actuais deputados. Podemos – e devemos – discutir os ordenados dos políticos. Podemos – e devemos – batalhar por novas ferramentas de transparência entre a política e as empresas.
Mas, se calhar, também podemos tentar vencer noutra frente. Muitas destas contratações são perigosas e letais. Decorrem de jogos de interesses e de influências que nada de bom podem trazer ao país. Compram informações privilegiadas, agendas de contactos, acessos privilegiados a determinados centros de poder.
Mas são, muitas vezes também, actos de parolismo e chico-espertismo de empresas que não se importam de pagar milhares de euros por mês a um ex-governante para dizer que têm um ministro ou um deputado no conselho de administração.
O ridículo mata, sabem? E mata mais depressa esses vícios parolos se, tanto no sector privado, como no público, tivermos cada vez mais profissionais pagos pelo que sabem e pelo que fazem. E na política, políticos que percebem que, ao aceitar essas funções, deixam de ser pessoas como as outras.
Outras sugestões
O El País conseguiu afirmar-se como uma das marcas mundiais de jornalismo. É obra, só por si, mas mais do que de passado, é de futuro que o jornal fala. E é por isso que vale a pena ler a carta que o director do jornal, Antonio Caño, publicou ontem.
E porque o futuro acontece rápido, aqui está uma boa história sobre a rede que os teenagers não dispensam e os pais não percebem (basta dizer que uma das recentes inovações é uma ferramenta que transforma uma selfie normal e desinteressante numa selfie a vomitar um arco-íris... giro, hem?)
Tenham um bom fim de semana.
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