Benjamin Netanyahu ordenou, esta sexta-feira, que o gabinete de segurança política de Israel se reunísse para votar um cessar fogo em Gaza. As negociações em Doha, mediadas pelo Qatar, Egipto e Estados Unidos, que se arrastavam praticamente desde outubro de 2023, quando o Hamas fez a sua famigerada incursão em Israel, o que resultou em 1.200 mortos e 250 reféns, parece que finalmente produziram um acordo concreto. Não significam, de maneira nenhuma, uma paz sólida na região. É apenas um acordo de cessar-fogo e a troca de reféns israelitas por prisioneiros palestinos.

Se juntarmos a este acordo o fato do Hezbollah ter ficado seriamente danificado no Líbano e sem possibilidade de se abastecer através da Síria, a esperança de uma interrupção das hostilidades aumenta consideravelmente. Agora, paz, no sentido da satisfação permanente dos objectivos das partes em conflito, não vai acontecer - nem agora, nem nunca.

"Para já, há variáveis que não permitem considerar o cessar-fogo como algum tipo de garantia de estabilidade."

Quer dizer, Israel ganhou este round da guerra eterna com o mundo muçulmano que a rodeia, mas estamos muito longe de uma solução estável que agrade a todas as partes. Do lado oposto, o Irão, que guerreava Israel através de vários intermediários - Hamas, Hezbolah, Houtis - sofreu uma derrota significativa com a queda da casa de Hassad na Síria.

Para já, há variáveis que não permitem considerar o cessar-fogo como algum tipo de garantia de estabilidade. A primeira é se será cumprido pelas forças israelitas, que devem começar a retirar de Gaza já na segunda-feira e parar os bombardeamentos. A segunda é a oposição de extrema-direita dentro de governo de Netanyahu, que pode fazer cair a coligação. Na noite de quinta-feira, Itamar Ben-Gvir, ministro linha-dura da segurança nacional, ameaçou renunciar e remover seu partido do governo se o acordo fosse em frente, alegando que o Hamas continua a mandar em Gaza e aproveitará a pausa para se reagrupar. Os partidos de oposição já disseram que no caso de Bem-Gvir sair votarão a favor do acordo; mas em seguida o governo fica sem base parlamentar e terá de haver eleições, o que Netanyahu não quer.

O jornal “Times of Israel” já publicou a lista dos primeiros 33 reféns israelitas a serem libertados em pequenos grupos, a partir de domingo. Após a aprovação do governo, o Tribunal Superior ainda recebe petições contra elementos do acordo, mas é amplamente esperado que não intervenha.

"Enquanto a questão da convivência entre israelitas e palestinos não for resolvida, não haverá tranquilidade em Israel nem paz na região".

Em Jerusalém e Telavive, grandes manifestações contra e a favor do acordo mostram como os Israelitas estão divididos. É preciso lembrar que a direita é a favor do fim de qualquer forma de autonomia palestina, enquanto a esquerda ainda defende a solução “dois estados”.

Enquanto a questão da convivência entre israelitas e palestinos não for resolvida, não haverá tranquilidade em Israel nem paz na região. Mas a movimentação de peças neste xadrez é constante, pelo que é impossível prever qual o movimento seguinte.

Um bom exemplo foi a queda quase instantânea de Bashar al-Assad. Uma dinastia que governava a Síria com mão de ferro há 50 anos desabou em duas semanas. Ora a Síria ocupa um espaço geográfico estratégico no Médio Oriente. Ostracizado pelo mundo inteiro, Bashar era apoiado pelo Irão, a troco de deixar passar armamento para o Hezbollah, no Líbano, e pela Federação Russa, em troca de duas bases militares russas no seu território, uma ponte indispensável para Putin ter uma frota no Mediterrâneo e uma ponte para a sua influência no SAEL. O norte da Síria é a região dos Kurdos, que mesmo não tendo reconhecimento internacional como um país, governam uma área muito razoável e estão sempre em guerra com a Turquia. Assim que a casa Assad caiu, os turcos avançaram no norte, tentando conquistar terreno aos Kurdos; e os Kurdos desceram para sul, para alargar o seu território na área central do país, onde existiu em tempos o Califado Islâmico (Daesh, ou Isis).

Os israelitas também aproveitaram para alargar a sua fronteira com a Síria, na região dos montes Golã.

O que irá acontecer a seguir na Síria, realmente não se sabe. O novo homem forte em Damasco, Hayat Tahrir al-Sham, insiste que quer um país inclusivo para todas as religiões e democrático, mas o seu historial é exatamente o oposto; lutou pelo Califado Islâmico e é a favor da Sharia, a versão mais radical do islamismo.

No meio disto tudo, os Emirados e a Arábia Saudita estão a propor aos norte-americanos investir na reconstrução de Gaza, desde que se forme um estado palestiniano com a Transjordânia e Gaza. Não parece possível que os israelistas, mesmo o mais moderados, sejam a favor do projecto. Por outro lado, ninguém quer que a Turquia aproveite a ocasião para exercer uma forte influência no que vier a ser o futuro governo sírio.

Conseguiu acompanhar estas situações todas? Provavelmente não conseguiu, mas não bata com a cabeça na parede; ninguém consegue perceber o que está a acontecer e muito menos o que acontecerá a seguir - nem os próprios protagonistas.