Elites há muitas. Da Elite da Netflix às grandes elites históricas, transportadoras de um reduto de dignidade e sabedoria através dos tempos, passando pelas elites económicas atávicas, gordas e preguiçosas, cúmplices da corrupção e viciadas no status quo.

As redes sociais têm possibilitado uma democratização das elites, incorporando-as num ecossistema social acessível. Eu, jovem transmontano de classe média, dificilmente debateria temas da atualidade com professores universitários ou utilizadores portadores de apelidos múltiplos com repetição de consoantes, de uma forma tão direta e sincera como aquela que o Twitter permite. Pode discutir-se a qualidade do debate, se o formato da interação sequer permite uma conclusão satisfatória, mas a verdade é que podemos, pelo menos, tentar.

Se o Instagram é simplesmente uma feira de vaidades capitalista, e se o Facebook é simplesmente a vida real ampliada pela lente do possível anonimato, com tudo o que de cruel e obsceno isso inclui, o Twitter é uma espécie de anti-realidade. A priori, existe um viés intelectual positivo a que subjaz um privilégio quase transversal: o de se poder passar o dia em interações intermitentes sobre temas da atualidade, num novelo contínuo a que um trabalhador precário dificilmente se pode dar. Depois, tudo é um jogo de espelhos imprevisível, amiúde divertido, por vezes assustador: os pequenos casos, as microfalhas, podem ser exacerbadas ao ponto de se tornar uma trend, para logo a seguir cair em esquecimento; as notícias falsas são alimentadas como animais de viveiro, para logo a seguir, gordas e pesadas, embaterem de frente no reality check do mundo concreto (o lá de fora).

Neste labirinto de espelhos só se sobrevive num espírito muito específico de ironia discreta. É preciso saber que ali não se vão debater as grandes questões. Dificilmente as pequenas questões. O que acontece é que, sendo perspicazes, podemos ir pescando uns reflexos de uma ideia, uma semente qualquer, sempre dependente do trabalho analógico e clássico mais importante do mundo: estar-se calado e sozinho a pensar.

As elites estão no Twitter, dizia eu. Porém um tweet é um tweet, e o poder é o poder. Quando se desliga a internet é nas elites que está o poder, e a ilusão de proximidade que as redes alimentam pode ser um desgosto para quem cair na tentação de se julgar importante só porque tem muito following (perdoem os anglicismos). Vejo utilizadores proletários comunistas inteligentíssimos, com milhares e milhares de seguidores, e sei que ao fim do dia jantam modestamente os restos do almoço. Vejo utilizadores pontuais, discretos nas suas contas fechadas, a fazer uma curadoria atenta do conteúdo que consomem, sem ambições de multiplicar interações. E vejo jovens membros das elites reais a serem promovidos do Twitter para a realidade como se tivesse sido a presença online a estimular essa transição. É preciso perceber que o movimento dos tempos e das gerações seria precisamente igual se não existissem estas redes democráticas. O seu efeito é pífio na distribuição do poder e das oportunidades. Não é no Twitter que vai acontecer a revolução.

Os meus amigos liberais lerão este meu texto com alguma desconfiança. “Não é bem assim, Pedro. Há quem consiga vingar por meio das suas qualidades. Nem todo o poder é herdado.” É claro que eu concordo. Se não concordasse, pouco lógico seria o esforço académico e profissional que tenho vindo a fazer. Sugiro é uma lente de análise um pouco diferente, o tal labirinto de espelhos que nos pode ajudar a encontrar clareza: Quantos jovens não há na net? Quantos não há nos bancos das universidades? Quantos não há, cheios de ideias e experiências, nas empresas, nas escolas, nos hospitais, nas prisões? Quantos desses escutamos?

O que quero dizer é que o Twitter, sendo uma bonita e divertida ilusão democrática, está longe de ser justo. Promove a preguiça na escolha das pessoas a quem dá a voz. Repete sempre os mesmos ecos. Não agita, não incomoda, não ilumina a sombra nem obscurece a luz. É uma anti-realidade que vai desaguar na mesma realidade.

As elites que têm o poder, jovens ou menos jovens, são suficientemente inteligentes para o reconhecer. Talvez pensem que mais tarde possam compensar a desigualdade. Talvez julguem que estão mesmo a fazer o esforço necessário. Talvez acreditem que o mérito foi toda a razão do seu destaque.

Porém as ondas seguem o seu remexido fluxo, o mar regurgita as suas ociosas espumas e a realidade, intacta, envelhece.