José Faria não tem dúvida o segredo do seu bolo rei é a ausência de segredo apenas usar "produtos de qualidade e dedicarmo-nos aquilo que estamos a fazer". Este ano recebeu três prémios pelos seus três bolos: o escangalhado, rei e rainha e ao SAPO24 diz que em 2023 vendeu cerca de 8 toneladas de bolo, 2024 promete ultrapassar.
O escangalho, o melhor bolo, é, embora seja "uma receita tradicional" diferente. Feito a partir da "massa do bolo rei tradicional", mas, ressalva, "não usamos nada desses produtos complexos". Ali só se trabalha com ingredientes naturais. E, depois, não fosse estar-se em Tentúgal, junta-se à massa do bolo rei o doce de ovos dos pastéis, chila, pinhão, amendoa e noz. A receita é exclusiva da pastelaria, aberta desde 2017.
A 13.ª edição do concurso que elege o “Melhor Bolo-Rei de Portugal”, promovido pelo Centro Nacional de Exposições e Mercados Agrícolas (CNEMA) em parceria com a Qualifica/oriGIn Portugal, decorreu a 5 de novembro e anunciou finalmente o grande vencedor. O primeiro prémio foi para o bolo-rei escangalhado da Pastelaria Moinho Novo, em Tentúgal.
Se este bolo Rei especial ganhou o prémio do "melhor dos melhores", o bolo-rei tradicional desta pastelaria foi ouro e o rainha prata. Mas José Carlos Faria, proprietário da Pastelaria Moinho Novo, diz que em 2021 o rei ganhou o primeiro prémio e que desde aí não mudou nada na receita "por isso continua a ser o melhor". Aliás, conclui, que "não dúvida que bolo rei é aqui".
O bolo-rei premiado está disponível inteiro na pastelaria, e as encomendas têm aumentado desde os prémios "com gente local e de fora" e "infelizmente" é tanta gente que não se consegue responder a todos, até porque para garantir a qualidade do bolo deixou de fazer entregas. Quem quiser provar a iguaria tem que se dirigir a Tentúgal.
Mas, afinal, de onde vem o bolo rei?
Segundo o podcast de história da gastronomia dos foodies Casal Mistério, o bolo que adorna as mesas e faz as delícias dos portugueses no Natal, é afinal, francês. Mas descansem os mais patriotas, a pérola até pode ter vindo de França, mas pelas mãos de um português: Baltazar Rodrigues Castanheira Junior. Filho do pai, com o mesmo nome, e fundador da Confeitaria Nacional, que ainda hoje acumula filas para a compra de bolo rei.
Ora, no fim do século XIX, Baltazar filho faz uma viagem a Paris quando era já o dono da Confeitaria Nacional e toma conhecimento da iguaria originário das províncias a sul do rio Loire, chamada Gâteau de Loire, “com massa brioche, frutas cristalizadas, mas não tem frutos secos”. O ponto cardeal é importante, porque segundo as vozes do Casal Mistério a norte este bolo também existe, mas é um pouco diferente e chama-se Gallete de Rois, muito tradicional em Paris, e é feito de massa folhada e recheado com creme.
Mas até agora, a sul e a norte do Loire, a única coisa em comum entre o Bolo Rei, o Gâteau de Loire, e a Gallete de Rois é mesmo a forma e antigamente “os três chegaram a ser servidos com uma coroa dourada no meio”, o que ainda acontece em algumas pastelarias portuguesas. Mas com coroa, ou sem coroa como chega a Portugal?
Ora, Baltazar júnior trouxe de Paris não só a receita, como também o pasteleiro Gregoir que a recriou a em Portugal e que até hoje se vende na Confeitaria Nacional, pastelaria que na altura era uma das mais famosas de Lisboa. Segundo dizem no podcast Favas Contadas, o “sucesso foi imediato” e depressa começou a ser vendido em todas as pastelarias de Lisboa e do resto do país. Sabe-se, inclusive, que em 1980 chega ao Porto, vendido pela Confeitaria Cascais.
A fava que, na verdade, era da sorte
Mas como quem conta um conto, acrescenta um ponto também esta receita começou a ter as suas derivações consoante o sítio onde era vendida. Em comum: a forma e a fava.
Esta última remonta ao tempo dos romanos, e das festas de dezembro em honra de Saturno - as Saturnálias - onde, nos banquetes, o bolo tinha uma fava que dava sorte a quem a encontrasse. A fava seca era sinal de fecundidade e quem a encontrasse era, nada mais nada menos, que eleito rei, daí o nome do bolo.
Ultrapassado o período romano a tradição da fava foi absorvida pela Igreja Católica e, na Idade Média, passou a ter como simbolismo os três Reis Magos e o primeiro Natal. Também a sua composição remete para os presentes que ofereceram ao Menino Jesus: o tom dourado da côdea simboliza o ouro, o aroma o incenso e as frutas a mirra.
O bolo-rei existiu em toda a Europa na Idade Média, mas quase desapareceu antes de ser recriado em França, sob o reinado de Luís XIV e era confecionado para as festas do Ano Novo e do Dia de Reis.
Com a Revolução Francesa em 1789 o bolo de reis foi proibido, tal como tudo o que aludisse ao período monárquico, e a festa dos reis transformada em festa dos “Sans-culottes”, isto é festa dos bons vizinhos. Os pasteleiros, que não quiseram perder o negócio, em vez de eliminarem o bolo, decidiram continuar a confecioná-lo mudando-lhe o nome durante o período revolucionário para Gâteau des Sans-culottes.
Também, segundo os Hoteis Olíssipo, a tradição do brinde remonta ao encontro com “Caronte (o mítico barqueiro de Hades que transporta as almas mortas ao seu destino e exige um pagamento)”.
Até há pouco tempo, em Portugal, havia dentro do bolo-rei uma mini surpresa, ou uma fava seca. A primeira significava sorte e a segunda azar, sob a forma de se ter que pagar à família o bolo rei no ano seguinte.
Hoje em dia, por questões de segurança e atendendo ao risco de engasgamento, já não há dentro do bolo nada mais além dos frutos, mas há muitas formas de continuar a ser inventivo com esta sobremesa natalícia. Há, claro, o bolo premiado escangalhado, o bolo Rainha, o bolo rei de chocolate e em Torres Vedras há até o bolo Matrafona, "rei por dentro e rainha por fora".
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