Trata-se da segunda temporada da série “História a História”, feita a convite da RTP África, desta vez 13 episódios dedicados à história do moderno colonialismo português em África, desde finais do século XIX até às independências, com realização de Bruno Moraes Cabral.
“A presente série vem a público no decurso desse debate surdo, por vezes enroupado em solenes intervenções de altos responsáveis do Estado, outras vezes com aflorações de debate público entre estudiosos, frequentemente subliminar aos comportamentos do dia-a-dia, acerca da alegada excecionalidade luso-tropicalista do colonialismo português, se se quiser, acerca dos seus tão glosados ‘brandos costumes’”, explicou hoje Fernando Rosas na apresentação da iniciativa.
Segundo o autor e apresentador da série documental, “a narrativa da série, embora não fosse esse o seu objetivo, não pôde esquivar-se a lidar com esse assunto” ao propor-se “revisitar três mitos ainda hoje vivazes do discurso corrente da nostalgia colonial”.
O primeiro mito é o “da longa pax imperial portuguesa em África”; o segundo – “comum ao discurso de praticamente todos os regimes coloniais europeus – é o da sua excecionalidade cosmopolita, o do colonialismo ‘de rosto humano’, o da sua temperança cristã”; e o terceiro mito é o dos “brandos costumes” na África colonial portuguesa, enumerou.
Sobre o primeiro mito, o historiador chama a atenção para o facto de o ciclo africano do Império ter sido marcado por “mais de 30 anos de uma primeira época de guerras coloniais, as eufemisticamente chamadas ‘campanhas de pacificação’, que se estende até ao termo da Primeira Guerra Mundial (1918) em Angola, Moçambique e Guiné, com sucessivas campanhas militares, matanças massivas da população africana, mobilização de milhares de expedicionários, gastos orçamentais sem fim e numerosas baixas motivadas pelos combates ou pelas doenças tropicais”.
“A segunda época de guerras coloniais, agora contra os movimentos independentistas, surgidos em África no pós-Segunda Guerra Mundial, durou 13 longos anos”, sublinhou, concluindo que “ao todo, em perto de cem anos de ciclo africano do Império, quase 50 foram consumidos em guerras de ocupação e sujeição das populações africanas”.
O segundo mito assenta, no longo período até à Segunda Guerra Mundial, na assunção, “à luz do ‘darwinismo’ social então corrente, da superioridade da raça branca e do seu domínio como decorrentes da suposta ordem natural das coisas” e, nos anos 50 do século XX, na “assunção do luso-tropicalismo e da inata e específica vocação lusitana para a miscigenação nos trópicos como narrativa legitimadora da continuidade do colonialismo português em África”, indicou Fernando Rosas, acrescentando que este mito persiste inclusive “no discurso oficioso do Estado”.
“Todavia, renovadas e recentes investigações revelam, também no caso português, e subjacente à retórica luso-tropicalista, um poder colonial essencialmente suportado nesse tripé político e social que foram a discriminação jurídica e racial do Estatuto do Indígena, o trabalho forçado e uma política de terras expropriadora em favor da ocupação branca”, salientou.
Quanto ao terceiro mito, o dos “brandos costumes” na África colonial portuguesa, o historiador disse que esta série documental “pretendeu abordar uma forma aguda e particular desta realidade, até agora, e salvo raras exceções, praticamente silenciada e por estudar entre nós: a da violência da polícia política do Estado Novo nas colónias – ou seja, a violência especial que merecia, aos olhos do poder colonial, a excecional ousadia dos africanos em organizarem-se para combater pela independência dos seus países”.
“A brutalidade e a extensão da violência repressiva da polícia política nas colónias (e é preciso dizê-lo: de outras forças militares e policiais) e o rasto massivo de crimes que deixou no seu encalço, não só ficaram totalmente impunes como, a título de ‘serviço ao país’, serviram de circunstância atenuante na farsa de julgamento a que foram sujeitos os agentes da PIDE após 1976”, frisou.
O resultado de dois anos de trabalho de investigação, recolha de materiais iconográficos e documentais, escrita de guiões e gravações em África, “História a História – África” aborda, ao longo de 13 episódios, temas inéditos em televisão, filmados em locais de difícil acesso.
A partir de domingo, 15 de outubro, os documentários serão exibidos na RTP2 aos domingos, às 21:00, e na RTP África às terças-feiras, à mesma hora.
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