“Um dos membros permanentes do Conselho de Segurança essencialmente declarou abertamente que não aceita a Carta das Nações Unidas, rejeitando os frutos duramente obtidos das discussões no Conselho, incluindo a resolução histórica e arduamente conquistada sobre um cessar-fogo em Gaza”, declarou o embaixador russo junto das Nações Unidas (ONU), Vasily Nebenzya.
“Com a bênção dos Estados Unidos, Israel tem agora, apesar da exigência direta do Conselho de Segurança, total carta-branca e não planeia parar até que destrua Gaza”, acrescentou o diplomata.
Os Estados Unidos da América (EUA) – único país a abster-se na votação de segunda-feira – foi alvo de duras críticas após considerar a resolução adotada pelo Conselho de Segurança da ONU “não vinculativa”, apesar de vários diplomatas garantirem o contrário.
Esta interpretação, explorada pela primeira vez pela embaixadora dos EUA junto da ONU, Linda Thomas-Greenfield, logo após a votação de segunda-feira do Conselho de Segurança, foi posteriormente acolhida por vários altos funcionários do Governo liderado pelo Presidente Joe Biden.
Questionado durante uma conferência de imprensa se acreditava que Israel poderia anunciar um cessar-fogo como resultado da resolução, o porta-voz diplomático dos EUA, Matthew Miller, afastou essa hipótese.
“É uma resolução não vinculativa”, acrescentou.
Miller não deu mais explicações sobre esta posição adotada pelos EUA, contrariando a consideração geral de que as resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança são vinculativas.
O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, manteve essa mesma posição durante uma conferência de imprensa na Casa Branca: “É uma resolução não vinculativa, por isso não tem impacto sobre Israel ou na sua capacidade de continuar a lutar contra o Hamas”.
Tal como Miller, Kirby também não forneceu uma explicação jurídica para a razão pela qual os Estados Unidos consideram esta resolução específica como não vinculativa.
Contudo, apesar da posição norte-americana, vários diplomatas das Nações Unidas confirmaram que se trata de uma resolução vinculativa, como é o caso dos embaixadores de Moçambique e da Serra Leoa, ambos com formação jurídica.
“Ao abrigo da Carta da ONU, todas as resolução do Conselho de Segurança da ONU são vinculativas e obrigatórias e todos os Estados-membros estão obrigados a implementar essas resoluções”, afirmou o representante de Moçambique junto da ONU, Pedro Comissário Afonso, ao ser confrontado por jornalistas com a posição norte-americana.
“Seguindo a visão do representante permanente de Moçambique, (…) e sendo eu próprio um advogado e fazendo parte do Sexto Comité [principal fórum para a consideração de questões jurídicas na Assembleia-Geral da ONU] há mais de cinco anos, direi que é vinculativa. Não são apenas as minhas palavras. São também as palavras do Tribunal Internacional de Justiça (…) Logo, acho que deveria ser claro para todos que esta resolução é vinculativa para as partes”, salientou o embaixador da Serra Leoa, Michael Imran Kanu.
Após a polémica, a Comissão Europeia defendeu hoje que as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas têm de ser interpretadas como lei internacional.
“As resoluções do Conselho de Segurança são basicamente consideradas lei internacional, está previsto da Carta da Nações Unidas que os países respeitem e implementem as resoluções do Conselho de Segurança e obedeçam ao que é decidido”, disse o porta-voz do executivo comunitário, Peter Stano, em conferência de imprensa, em Bruxelas.
Numa reunião de hoje do Conselho de Segurança da ONU, o embaixador russo afirmou que “se os EUA já não se consideram vinculados às disposições da Carta das Nações Unidas e, além disso, estão a encorajar Israel a fazer o mesmo, então não há qualquer sentido nas discussões nesta câmara”.
Vários países aproveitaram a reunião de hoje do Conselho para apelar à plena implementação da resolução aprovada na segunda-feira, que exige um cessar-fogo imediato em Gaza durante o período do Ramadão, o mês sagrado para os muçulmanos.
Após mais cinco meses de guerra entre Israel e o grupo islamita palestiniano Hamas na Faixa de Gaza, esta foi a primeira vez que o Conselho de Segurança da ONU conseguiu aprovar uma resolução relativamente a um cessar-fogo no enclave, após vários projetos terem sido consecutivamente vetados.
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